segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

PISA vs Ranking´s - Não dá a bota com a perdigota!


Nota prévia
PISA tal como os ranking's das escolas constituem "avaliações" às quais não concedo valor no quadro de uma análise séria e sustentada. Mas a verdade é que dão jeito, para alguns, claro, sempre que se agarram aos números para uma descarada propaganda política. 



Posto isto, sucintamente, porque este assunto dá pano para mangas, deixo aqui o paradoxo entre a divulgação de alguns dados enunciados pelo secretário regional da Educação, relativamente aos testes PISA (2022), publicados na edição de hoje do Dnotícias, e os resultados apurados nos ranking's dos exames nacionais de 2022.

Ora bem, hoje, o político, no apuramento PISA, tece loas à qualidade dos estudantes madeirenses na literacia de leitura, matemática e ciências, colocando-os praticamente a par da Finlândia, Suécia, Dinamarca, Alemanha, França e, destacadamente, à frente dos resultados de Portugal Continental. Comparativamente (Dnotícias, segundo a secretária regional da Educação) eis os resultados enunciados:

Literacia de Leitura
1º Finlândia     490
    Madeira       487
    Continente   477

Literacia Científica
1º Finlândia     511
    Madeira       492
    Continente   484

Literacia Matemática
1º Dinamarca   489
    Madeira       474
    Continente   472

No mesmo ano (2022) realizaram-se os exames dos Ensinos Básico e Secundário. Dos resultados divulgados pelo Ministério da Educação verificou-se o seguinte: 

Básico 
Entre as 1181 escolas portuguesas foram as seguintes as posições dos estabelecimentos da Madeira: 25º lugar/59/222/275/419/486/493/500/501/580/664/690/733/745/
808/863/868/883/917/945/964/1050/1082/1112/1125/1143º.

Secundário
Entre 646 escolas portuguesas, eis as posições dos estabelecimentos da Madeira: 
143º lugar/210/279/285/314/434/477/497/508/541/544/553/617º. 
A primeira escola registou uma média de 16,16 valores; as da Madeira, entre 12,10 e 9,25 valores.

Seria suposto que se verificasse a existência de uma convergência média entre os ranking's das escolas e os testes PISA. Se a Madeira está no topo dos resultados PISA, parece-me óbvio que os resultados apurados nos exames nacionais do Básico e do Secundário, na generalidade, reflectissem essa pressuposta qualidade de topo. Mas não é isso que se constata. Tomara que fosse realidade. E o próprio secretário, em "declarações" ao Dnotícias, "felicitou não apenas os participantes nos testes, mas todos (...)" os alunos da Região, o que significa que a qualidade é transversal a partir dos 15 anos de idade.

Portanto, existem pinceladas de fraude no discurso político. Os resultados PISA, até prova em contrário, só se justificam, porque o carácter aleatório dos que submeteram aos testes NÃO foi respeitado. São os "melhores alunos" os designados para os realizarem? É uma hipótese a esclarecer. Porque "não dá a bota com a perdigota".

Seja como for, continuo na esteira do Doutor Pablo Gentili: "Os testes PISA são um concurso de beleza da Pedagogia". Não é sério e dá azo a que a propaganda política mascare a realidade.

Ilustração: Google Imagens

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

PISA - Um concurso de beleza da pedagogia


A última "aferição" PISA (Programme for International Student Assessement) ditou que Portugal, entre a generalidade dos países, piorou nas médias de capacidade na leitura, matemática e ciências. A verdade, porém, é que tais provas não provam nada. Pablo Gentili, Doutor em Educação pela Universidade de Buenos Aires, assume: "(...) Las pruebas PISA construye um mecanismo artificial, lo impone y nadie lo cuestiona, y luego compara (...) las pruebas PISA son un verdadero desastre, se imponen por la fuerza que ejerce la organizatión poderosa que las realiza en los medios de comunicación". Nas suas palavras, em português: "PISA é um concurso de beleza da pedagogia".



Transcrevo o que deixei no meu livro "A Escola é uma seca" (2022): "(...) Há, por um lado, diversas realidades históricas, económicas, políticas, sociais e culturais, que não permitem, com rigor, comparar o que é incomparável e, por outro, da prática, sabe-se que não é seguro o carácter aleatório de escolha dos alunos que se submetem aos testes. Factos que distorcem e colocam em causa o resultado final. Bastam estes dois aspectos para que se fique de pé atrás na análise dos resultados. Muito mais importante seria uma apreciação comparativa da estrutura dos diversos sistemas educativos (organização, currículos, programas e o pensamento pedagógico) no quadro da composição social, se eles estão ou não adequados ao tempo que vivemos, à própria investigação, se transportam ou não um princípio hierárquico contrário à verdadeira autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem, o grau de formação dos docentes e a sua disponibilidade para aceitar novos paradigmas pedagógicos (…)”.

Quem está atento percebe os desígnios da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico). Portanto, estas provas PISA, tal como os "ranking's" anuais das escolas, do meu ponto de vista, nem constituem um indicador, aos quais junto o facto de ser contra o pensamento único. Rejeito que poucos, nos gabinetes, influenciem aquilo que deve ser a condução das sociedades. Ora, como ponto de partida, uma outra análise conjuntural devia constituir preocupação e essa resume-se a algumas perguntas essenciais: por que razão apenas cerca de 15% das raparigas e 11% dos rapazes dizem gostar da escola? Por que razão 70% dos professores estão em exaustão emocional (Burnout) e 84% dizem que, se tivessem uma outra oportunidade, mudariam de profissão? No fundo, para uns e outros a conclusão a que se chega é que esta "Escola é uma seca".

Não foi por causa da pandemia COVID e não foi pelas greves dos professores que, no quadro deste sistema, os resultados foram insatisfatórios. Essas são desculpas esfarrapadas. O problema é mais profundo. A pergunta central para o debate que urge é esta: que escola de CULTURA temos o dever de construir para que ela, com rigor, respeite vocações e percursos de vida? Ou a escola tem de ser aquilo que uns quantos, de concepções afuniladas e alinhados no pensamento único, na OCDE e não só, determinam como as peças de um puzzle que se encaixam nos seus indisfarçáveis desígnios? Tenhamos presente que o problema da ausência de CONHECIMENTO tem uma génese político-social. Portanto, não faz sentido manter um sistema rejeitado, desde muito cedo, pela generalidade dos alunos e desadequado que se mostra relativamente ao tempo que vivemos. A insistência no erro por ausência de debate e estudo justificam resultados não proporcionais ao investimento. Eu diria que, na Madeira, onde a propaganda do êxito atinge foros megalómanos, com um sistemático desfile de prémios de mérito, pergunto, então e novamente, qual a justificação para resultados tão fracos (ranking's e PISA)? 

A propósito, repito aqui a posição do visionário Professor José Pacheco que cito ao correr do pensamento: eu preparava meticulosamente as aulas, tendo o cuidado de olhar para a diversidade e insuficiências da classe, e mesmo assim muitos não aprendiam. Era frustrante! Ora, diz o professor, se eu DAVA AULA (certinha) e eles não aprendiam, então não aprendiam porque eu DAVA AULA. Isto significa que o paradigma da aprendizagem e do conhecimento tem, obviamente, de ser outro. Os responsáveis políticos deviam pensar nisto.

É aqui que começa o problema. O paradigma da aprendizagem não pode quedar-se na imposição curricular tão ao gosto da OCDE; nos irracionais programas desfasados da vida real distribuídos por etapas (1º, 2º, 3º ciclos e secundário) quando a aprendizagem funda-se no acto de fazer PENSAR, descobrir e, de forma continuada, a desaprender para voltar a aprender; não pode seguir as características rotineiras de uma avaliação que se destina a seleccionar/penalizar e não a fazer aprender; pela força, ainda, de uma hierarquia que não estimula o debate e, por isso mesmo, centralizadora, que não permite uma reestruturação da rede escolar e uma verdadeira autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem: não existem duas escolas iguais, dois públicos iguais, professores iguais e características socias iguais. Por tudo isto e muito, muito mais, como ainda ontem escutei, desengane-se quem pense que os dados apurados foram circunstanciais, pois eles tenderão a piorar se o sistema se mantiver enclausurado na sua torre de marfim. Vivemos em 2023, não nos primórdios do século passado! Para não ir mais atrás. Ademais, isto não vai com "salas do futuro" e com "manuais digitais". Esse é um discurso político para tolos!

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

(Não) Querer ensinar


Por
Miguel Palma Costa 
Professor do Ensino Secundário
12.11.2023



1. Não se conhece a circunstância histórica (causa ou motivo… e a fase no longo e, por vezes, violento “processo de hominização”) em que o ser humano entendeu – e se persuadiu – de que ensinar ou transmitir algo que aprendeu, dominou ou passou a fazer era necessário e útil para si e para o Outro da sua espécie. No entanto, este fenómeno – a par da inovação exclusiva da nossa espécie (Homo sapiens) de enterrar os cadáveres dos seus congéneres (novas investigações adiantam agora a possibilidade de os Neandertais também já enterrarem os seus mortos) –, assinala um importante passo para a humanidade e na história da Educação, que certamente começou por meio da observação.

A observação é, sem dúvida, uma das primeiras “ferramentas” que toda a criança possui para se adaptar (sobreviver) e interagir com o meio-ambiente, tal como o fazem muitas outras espécies animais mais próximas (ou distantes) da nossa. É com base naquilo que observamos que começamos a criar algumas hipóteses – insipientes ‘conjeturas’, juízos, teses… – de compreensão sobre o mundo, os objetos que manuseamos e criamos, sobre as relações sociais e afetivas que construímos e que preservamos… e também é através da observação que desenvolvemos a imitação – outro processo de ensino-aprendizagem que nos possibilita experimentar algumas possibilidades e/ou limites, por exemplo, físico-corporais, comportamentais, emocionais e ainda grupais ou sociais.

Antes da invenção e desenvolvimento da escrita (tudo indica que foi por volta de 3500 a. C., no sul da Mesopotâmia), a oralidade, naturalmente em conjunto com outras formas primitivas comunicacionais, teve a relevante função de memorizar e transportar (ensinar) tudo aquilo que era considerado marcante e proveitoso para o ser humano e, em especial, para as gerações mais novas. Ora, como é entendível nesta ordem cronológica que particulariza uma evolução, a nobre, primordial e indispensável função de ensinar é obviamente muito anterior ao processo de criação das primeiras instituições educativas (escolas) na história da humanidade.

Na Europa, as civilizações grega e romana desenvolveram um inicial (e básico) tipo de ensino centrado numa vertente militar e atlética (entre os espartanos, a “formação” principiava aos sete anos de idade e centrava-se sobretudo no domínio e aperfeiçoamento das habilidades físicas – os duros treinos físicos tinham como propósito fazer com que os homens estivessem prontos para atividade bélica/guerra, muito apreciada e excecionalmente planeada – e hoje ainda lhes reconhecemos alguns importantes ensinamentos e valores.

Porém, é público que o ensino formal do Ocidente tem as suas raízes na “paideia” grega (que significa “educação da criança”), isto é, num sistema de educação e formação ética que se difundiu por todo o mundo helénico e depois pela cultura romana. O grande objetivo da paideia era formar um cidadão “perfeito e completo” (integral, na conduta exterior e atitude interior), capaz de liderar e ser liderado e de desempenhar um papel ativo na polis (cidade-estado), agora muito interpretada pelo termo sociedade. Em suma, a formação de um cidadão prático e simultaneamente humanista – guiado por um determinado sistema político –, era o real e concreto objetivo deste modelo de ensino. No presente, nas nossas salas de aula (com as ‘convenientes’ alterações implantadas pelo decurso dos séculos) e no vigente sistema de ensino público português, ainda permanece muito deste modelo que teve origem por volta do século VIIIº – VIIº a.C..

2. Hoje, tal como no passado, ensinar continua a ser uma tarefa (ofício) deveras exigente, uma arte (pois há sempre algo de imprevisível, irrepetível, novo, original ou inovador no ato) e um compromisso entusiasmante, inspirador, se não mesmo “apaixonante”, onde o questionar, partilhar e imaginar/criar são incumbências (missões, deveres…) sempre claras e presentes no espírito daqueles que ousam desafiar a inteligência (e capacidades/competências) nos seus desiguais alunos e em momentos diferenciados.


É verdade que a práxis educativa contemporânea segue orientações, preceitos, regras, bastante precisas e padronizadas pelo conhecimento científico-didático e pelas autoridades políticas que a tutelam, mas a ela estão intimamente aliadas alguma intuição, improvisação, muita criatividade e uma certa dose de dramatização… como é óbvio e percetível, pois julgo que todo aquele que ensina (o educador/a e professor/a) também tem de ter – e ser – alguma coisa de ator (um bom intérprete) se quiser gozar de sucesso junto do seu público!

Dito por outras palavras, o professor é atualmente uma espécie de “ator-racional”; é aquela figura que tem uma visão holística sobre o mundo e as mudanças que estão em curso e que se relacionam com o seu valioso trabalho (alguns definem-no como “intelectual-crítico”), que possui autonomia racional, científica e técnico-pedagógica para executar (bem) as escolhas que estão ao seu alcance fazer (provido de uma ação esclarecida/autónoma), apesar de quase esmagado por uma burocracia que prejudica o seu desenvolvimento profissional e até o crescimento pessoal e educativo dos alunos.

Acredito que é o fardo desta carga burocrática (por exemplo, de processos administrativos – e avaliativos –redundantes e caducos e de expedientes inúteis fixados por sucessivos governos e ministros/secretários), para além de uma desmedida pressão quotidiana e a falta valorização e reconhecimento do trabalho prestado à comunidade, que hoje incitam muitos daqueles que (ainda) ensinam em Portugal a desistir deste nobre compromisso que é ensinar e preparar as novas gerações para o futuro.

Se os mais novos já optaram por não querer ingressar na profissão, então os ‘seniores’ estão neste momento ansiosos para que chegue a idade da reforma.

3. No passado dia 5 de outubro assinalou-se o Dia Mundial do Professor, data que deveria servir para todos refletirmos sobre o modo e as desfavoráveis condições que todos aqueles que ensinam, enfrentam – e que precisam de ser corrigidas –, para desenvolverem plenamente (e com qualidade) o seu talento e vocação.

É verdade que ensinar oferece a oportunidade única de promovermos um impacto transformador e duradouro na vida do(s) Outro(s) – sejam eles crianças, adolescentes ou até adultos –, contribuindo para a sua formação e realização pessoal e profissional, e que é muito diferente de qualquer outra obrigação profissional.

É uma missão singular que não está ao alcance de todos (por múltiplas razões), pois aquele que ensina é também o guardião da experiência da Humanidade, o transmissor de uma herança inigualável que não se pode desaproveitar e/ou maltratar, e o portador de uma colossal esperança no porvir (é um construtor – e sonhador – dos sonhos dos seus alunos).

No entanto, hoje enfrentamos uma escassez nacional (e até global) de professores, ampliada pelo rápido declínio das condições de trabalho e a quase insignificante posição/reconhecimento social que estes auferem nas ditas sociedades modernas e hipertecnológicas.

Em Portugal, uma larga maioria dos que (ainda) ensinam estão deveras descontentes com o rumo da profissão que escolheram e exercem – melhor, com a falta de expectativas de carreira (já pouco ou nada atrativa), com a parca remuneração auferida, com o diminuto reconhecimento social, com a excessiva carga burocrática e de trabalho administrativo (desnecessário), não esquecendo um sistema de avaliação docente nada transparente e que não premeia o mérito… e com um conjunto de reformas e políticas educativas descabidas e inoperantes – e aconselham agora os mais jovens a não seguirem esta atividade e, portanto, a não ensinarem as gerações mais novas e outras que estão ainda por nascer. Tudo isto – e o que se prevê já nos próximos anos –, dá que pensar!

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Quando falam de inclusão


“Um currículo inclusivo não assume os mesmos padrões para todos os alunos, mas respeita e valoriza as suas necessidades, talentos, aspirações e expectativas exclusivas. Ao fazer isso, esforça-se para remover barreiras à participação de certos grupos de alunos, incluindo aquelas criadas pelo currículo oculto.” É este esforço de remover obstáculos que surge retratado no relatório “Adapting Curriculum to Bridge Equity Gaps: Towards an Inclusive Curriculum” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).



Ora bem, não existe uma política educativa caracterizada pela igualdade de oportunidades, quando as assimetrias são inquietantes, cuja prova está nos 32% de pobres ou em risco. É um erro crasso argumentar a igualdade como se esta pudesse situar-se, apenas, no quadro da acessibilidade à escola. Essa constitui um direito constitucional. Era o que faltava se os governantes não cumprissem a Lei Fundamental! A verdade que contraria a mentira oficial está nos Censos de 2021, divulgada num excelente trabalho do jornalista do Dnotícias, Francisco José Cardoso: 36.485 residentes não terminaram a primeira fase (4º ano); 50,3% tinham escolaridade até ao 9º ano; 15 em cada 100 não tem qualquer nível de escolaridade; 8,1% com 15 ou mais anos não possui nível de escolaridade completo e o analfabetismo continua superior à média nacional. Quase 50 anos depois de Abril! E sabe-se, também, no quadro deste sistema, as subtis pressões sobre a escola no sentido de evitarem retenções. Perguntem aos professores. É a estatística a prevalecer sobre o conhecimento.

"(...) A taxa de abandono escolar ou de atividade de formação entre os jovens dos 18 aos 24 anos era de 13,7% em 2019, segundo dados do Observatório de Educação, sob a tutela da Secretaria Regional, porque o Eurostat, vamos lá saber porquê, deixou de publicar a taxa de abandono escolar precoce na Região a partir de 2016, nessa data, situava-se nos 23,2%. A estrutura de habilitações dos desempregados inscritos atualmente no Instituto de Emprego mostra que cerca de 46% desses cidadãos sem emprego possuem habilitações inferiores ao 3.º ciclo do ensino básico, demonstrando grandes dificuldades em encontrarem trabalho devido à falta de competências e qualificações. E se incidirmos a atenção nos trabalhadores em funções, por conta de outrem, observamos que 31.743 trabalhadores possuíam apenas o ensino básico ou menos. Ao analisarmos a situação dos “nem nem”, jovens com idades entre os 15 e os 34 anos que não se encontram empregados nem frequentam qualquer sistema de educação, formação ou estágio, no final de 2019, a Madeira apresentava uma percentagem de 13,1%. As taxas de escolarização e de conclusão do ensino secundário dos jovens, na Região, entre os 20 e os 24 anos, rondam os 71,2%, isto é, quase 30% dos jovens madeirenses não concluem o ensino secundário. (...)"

Por outro lado, de acordo com "o estudo do Fórum Económico Mundial de 2018, nada menos que 54% de todos os trabalhadores necessitarão de reavaliação e renovação de competências. Como consequência, precisaremos de políticas educacionais aprimoradas que visam elevar rapidamente os níveis de educação e qualificação de indivíduos de todas as idades, particularmente no que diz respeito à ciência, tecnologia, engenharia e matemática e também às capacidades não-cognitivas, permitindo que as pessoas aproveitem as suas capacidades exclusivamente humanas. Os pontos de intervenção relevantes incluem os currículos escolares, a formação e a promoção do papel dos professores e a reinvenção da formação profissional, alargando o seu apelo para além das ocupações tradicionais de baixa e média qualificação".

Para reflectir e cruzar pensamentos!

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Assuntos pela rama!

 

Acabo de ler aquilo que, para mim, são dois "não assuntos" ou, no máximo, temas vistos pela rama. O primeiro, sobre os alunos que, na Região Autónoma da Madeira, ainda não dispõem dos "manuais digitais". Porque não foram entregues em tempo desejável face ao calendário escolar!; o outro, subordina-se à razão média entre o número de alunos e o de professores. Muita parra e pouca uva. A seriedade implicaria que tais temas fossem trabalhados de outra maneira e com outras importantes variáveis.



Os "manuais digitais" naquele quadro, são um não assunto simplesmente porque a APRENDIZAGEM bem os pode dispensar. Várias são as vias para que, mesmo no âmbito deste ultrapassadíssimo sistema educativo, todos os alunos possam aprender. Aliás, seria bom que a secretaria regional da Educação, as direcções executivas e os professores debatessem a importância ou não dos "manuais digitais", eventualmente de um sistema híbrido, a partir do livro de Michel Desmurget, "A Fábrica de Cretinos Digitais". 

O sucesso da aprendizagem não passa nem nunca passou pelos manuais em papel, e não melhora porque, agora, os alunos podem dispor de um equipamento digital onde os mesmos conteúdos estão instalados. O problema da APRENDIZAGEM e do sucesso na vida está directamente relacionado com um novo sentido de ESCOLA (organização) que rompa com os tradicionais conceitos curricular, programático, PEDAGÓGICO, de turma, de aula, de avaliação e de exames. Tudo isto tem de ser debatido e generalizado a partir do actual conhecimento científico, competindo aos políticos o dever de escuta e de actuação em conformidade. Nunca com "achismos". Há leviandade política ou talvez mesmo ignorância, quando se implementam processos que não correspondem às preocupações da ciência. O livro de Michel Desmurget, que tem o prefácio do Professor Catedrático Jubilado Carlos Neto, devia constituir um importante ponto de partida. Anteontem escutei-os na RTP1 e as preocupações dos dois são de tal forma preocupantes que me questiono: como é possível a secretaria regional estar tão empenhada no digital quando os factos demonstram que há a necessidade de arrepiar caminho. O digital, da forma como o interpretam, traz consequências negativas no sucesso escolar e no plano da saúde. Portanto, só resta uma saída: estudar o problema para que não se escancarem as portas "à desgraça", como escutei. Ao contrário do estudo, uma autarquia até já avançou para um computador por aluno. Loucura total ou, então, uma lógica de "quem dá mais"!

O segundo aspecto que constitui, pelo menos para mim, um assunto a merecer outro tipo de análise, é a proporcionalidade entre o número de alunos e o de professores. Li a peça que, em título, assume que tal razão é melhor na Madeira que no Continente. Independentemente da propaganda política do secretário regional, ao estabelecer, por exemplo, comparações entre a Madeira e o Continente (1º ciclo: na Madeira, 6,6 alunos por professor  / 12,4 no Continente; 2º ciclo: 6,8 - 9,2; 3º ciclo e secundário: 6,6 - 8, respectivamente), verifico que em parte alguma do texto é referido se as várias centenas de professores destacados em diversas instituições contaram para as aludidas percentagens. É que este facto distorce a realidade. A seu tempo se saberá.

E esta questão é, ainda, mais profunda e traiçoeira para o político: eu que sou um radical opositor aos "ranking's" nacionais, porque não se pode comparar o que é incomparável, seria bom que o secretário regional explicasse como é que tendo uma proporcionalidade tão boa entre o número de alunos e o de professores, nos tais "ranking's" as escolas da Madeira aparecem em posições extremamente modestas. Em média e em princípio, menos alunos por professor deveria corresponder, repito, em média, a um melhor sucesso. Porém, não é isso que acontece. É legítimo que se pergunte: que outras variáveis estão a condicionar o sucesso? Factores de ordem social, os alunos, os professores, o "modelo" pedagógico!

Ora bem, os problemas da Educação, no quadro da aprendizagem, são muito mais profundos do que estas historietas de entretenimento e propaganda política. Por isso, considero assuntos analisados pela rama!

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 24 de setembro de 2023

Ano novo ou mais do mesmo


Por
José Júlio C. Fernandes
Artigo de Opinião Dnotícias / Facebook
20.09.2023

Teve início mais um ano lectivo. Governantes, pais, professores, auxiliares de educação, educadores, alunos e a sociedade em geral mostram preocupação com o estado do ensino.



Essa preocupação não é recente. Já no meu tempo de estudante aconteceram diversas crises académicas (apesar do regime repressivo) que, entre outras reivindicações, pugnavam por uma reforma do ensino. Eu próprio, nos anos 70, fiz parte de duas comissões de estudo da reforma do ensino, sem resultado aparente, e fui quadro da maior Crise Académica de sempre – “17 de Abril de 1974”.

Fui aluno de cinco universidades e professor de três. Sou formador. Gosto de dar aulas. Reconheço as dificuldades que têm os professores. Percebo as posições de luta que têm adoptado ultimamente. Também reconheço que, a qualquer governo, não é fácil fazer uma alteração radical dos vários níveis do sistema de ensino.

No entanto, estamos a deixar a situação prolongar-se no tempo, o que, inevitavelmente, trará más consequências para todos nós. Para a sociedade em geral.

Além das queixas acerca da não contagem de tempo de trabalho, das remunerações, os professores deviam pôr alguma ênfase na luta contra a burocracia que infesta o ensino.

Horas e horas perdidas em reuniões que muitas vezes não levam a nada, no preenchimento de inquéritos e documentos vários, cujo destino deve ser uma qualquer gaveta no Ministério da Educação (se é que lá chegam...). Tempos que não são úteis à sua missão de educar. Digo educar. Evito dizer “ensinar”. Porque o mais importante não é debitar matéria, não raras vezes, “requentada”, nem efectuar avaliações que deixam muito a desejar. O essencial seria ensinar a aprender. Adaptar os “curricula” e métodos à realidade em contínua mutação em que vivemos.

Em vez disso, a realidade do nosso sistema educativo poderá resumir-se aos pontos que enuncio abaixo:

1. Desigualdade de acesso à educação: a falta de equidade no sistema de ensino leva a disparidades no acesso e na qualidade da educação entre diferentes regiões e grupos socioeconómicos, resultando em desigualdades no desenvolvimento individual e nas oportunidades futuras.

2. Falta de foco nas habilidades essenciais para a vida: o sistema, muitas vezes, valoriza mais a memorização e a reprodução de informações do que o desenvolvimento de habilidades práticas, como pensamento crítico, resolução de problemas e comunicação eficaz.

3. Padronização do “curriculum”: muitos sistemas de ensino seguem um “curriculum” padronizado para todos os alunos, o que não leva em consideração as necessidades individuais e os interesses dos estudantes.

4. Aulas passivas: as aulas tradicionais muitas vezes baseiam-se em palestras e atividades passivas, onde os alunos são meros espectadores, o que limita o seu engajamento e participação activa no processo de aprendizagem.

5. Pouca valorização da criatividade: o sistema de ensino tende a privilegiar o conhecimento académico em detrimento do raciocínio, da criatividade e das habilidades artísticas. Isso pode desencorajar talentos únicos e contribuir para uma formação menos holística dos estudantes.

6. Avaliação com base em testes padronizados: a ênfase excessiva nos resultados de provas padronizadas pode incentivar um estudo com base no psitacismo (acção de quem decora alguma coisa sem pensar sobre o assunto que está sendo memorizado), ao invés de uma compreensão profunda dos conteúdos, além de gerar alta pressão sobre os alunos.

7. Desactualização dos materiais didáticos: o rápido avanço tecnológico torna muitos materiais didáticos obsoletos rapidamente, dificultando a adaptabilidade e relevância do “curriculum” às mudanças sociais e culturais.

8. Infraestruturas insuficientes: muitas escolas enfrentam problemas de infraestruturas, como salas superlotadas, falta de recursos tecnológicos e pouca manutenção das instalações, o que prejudica o ambiente de aprendizagem.

9. Falta de formação adequada dos professores: a capacitação contínua dos docentes é fundamental para garantir um ensino de qualidade, mas muitos profissionais não recebem formação adequada ou atualizada.

10. Pouca ênfase em habilidades socioemocionais: o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como empatia, colaboração e autogestão, são frequentemente negligenciadas no “curriculum”, deixando os estudantes despreparados para lidar com situações do mundo real.

Enquanto continuarmos a insistir no mesmo esquema, os resultados não podem mudar.

Ilustração: Google Imagens

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Os bons alunos não tiram sempre boas notas


Por 
Eduardo Sá
Psicólogo



Porque não gostam de todas as disciplinas por igual.

Porque não são sensibilizados para o conhecimento, em todas as áreas, com a mesma paixão.

Porque não aprendem a gostar de todas as disciplinas de forma semelhante e ao mesmo tempo.

Porque há boas aulas e aulas assim-assim.

Porque, entretanto, acumularam algumas dificuldades numa área ou noutra e, por isso, muito naturalmente, vão imaginando que são maus numa matérias e bons noutras, o que faz com se dediquem a elas de forma muito diferente.

Porque nem sempre têm professores que destrincem os porquês das suas dificuldades e os ajudem a decifrá-las e a aprenderem a gostar daquilo que não entendiam.

Porque nem sempre os critérios de avaliação dos diferentes professores se casam com a forma como um aluno intui, discorre e comunica aquilo que sabe.

Porque nem sempre são ajudados a pensar as disciplinas e a estudar para elas, sendo-lhes pedido mais facilmente boas notas do que boas dúvidas, sobre as quais se pronunciem e pensem.

Porque há professores e há escolas que põem pó de arroz nas notas. Outros que são austeros e severos. E outros, ainda, que são, simplesmente, justos.

Porque há pais que entendem que eles devem ser autónomos na forma como estudam e aprendem e os responsabilizam pelos seus desempenhos e pais que estudam por eles ou que estudam com eles.

Porque há alunos que têm equipas de explicadores a trabalhar com eles e alunos que se bastam a si próprios na forma como aprendem.

Porque há momentos, numa família, que não são nem amenos nem arejados, e isso repercute-se na forma como um aluno tem cabeça ou não para ter alguma disciplina, método e autonomia.

Porque “há dias”, e nem sempre se tem “cabeça” e segurança quando se trata de responder a uma questão ou a expressar-se aquilo que se sabe, de forma expedita e clara.

É por isso que nem todos os alunos têm sempre boas notas. E é, também por isso, que nem sempre as notas correspondem a uma leitura irrefutável daquilo que se vale. Nem é razoável que se afunile uma avaliação nas notas e se perca de vista que, em muitos momentos, um “falhanço” traz mais oportunidades de crescimento que muitas boas notas juntas.

Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Educando para o fracasso e a derrota, um belo texto de Pier Paolo Pasolini


Por
Sílvia Garcia

Pier Paolo Pasolini foi um artista prolífico e multidisciplinar que conseguiu canalizar os episódios trágicos que marcaram sua vida desde cedo e capturá-los com genialidade em suas obras. Sem dúvida, o cineasta italiano mais reverenciado do século XX com um legado que perdura.


Vivemos em um mundo competitivo em que perder não se enquadra nos parâmetros desejáveis na sociedade. Você tem que ser alguém, se destacar, ter sucesso e deixar de lado o fracasso, a derrota e a derrota. Há mentes brilhantes que exaltam a honestidade do ser e não a grandeza de aparecer. Como é o caso deste texto atribuído ao grande Pasolini. Uma reflexão necessária que nos vem do passado para este presente em que tudo parece ser permitido e em que a falta de respeito pelos outros e o lema de ambos que têm tantos vouchers parece ser a moeda da maioria.



"Acho que é preciso educar as novas gerações no valor da derrota.

Em lidar com ela mesmo. Na humanidade que dela emerge.

Na construção de uma identidade capaz de perceber uma comunidade de destino, na qual se pode falhar e recomeçar sem afetar o valor e a dignidade.

Em não ser um alpinista social, em não passar por cima do corpo dos outros para conseguir o primeiro. Diante desse mundo de vencedores vulgares e desonestos, de prevaricadores falsos e oportunistas, de pessoas importantes, que ocupam o poder, que escondem o presente, quanto mais o futuro, de todos os neuróticos do sucesso, da figuração, do devir.

Diante dessa antropologia do vencedor de longe, prefiro aquele que perde. É um exercício que eu acho bom e que me reconcilia comigo mesmo. Sou um homem que prefere perder a ganhar de forma injusta e cruel. Culpa minha, eu sei. O melhor é que tenho a insolência de defender essa culpa e considerá-la quase uma virtude."

Pier Paolo Pasolini

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

A Escola é muito mais que o ecrã


Li, com "paciência de Jó", a fuga para a frente do secretário regional da Educação, relativamente à implementação dos "manuais digitais" - Dnotícias / pág. 4 / 17.09.23. Ao Domingo, lá vem a encomenda sobre o que dá jeito abordar. É o dia que as pessoas mais tempo têm para ler, não é? Mas o contraponto não existe. Fala a solo, como se fosse o centro do conhecimento, habilidosamente fugindo às questões de fundo, aos contextos e sobretudo martelando estatísticas susceptíveis de conduzirem os incautos à admissão da sua verdade.



Ao longo da vida habituei-me a corrigir a minha opinião sobre diversos assuntos. Basta ser humilde perante a grandeza do conhecimento, partir do pressuposto que pouco se sabe, ler, ser curioso, estudar e compreender através do cruzamento do que os autores e investigadores trazem sobre um determinado assunto. Se juntarmos a isso uma dose de bom-senso e logo é possível colocar em causa o que antes se admitia como convicção absoluta.

De resto a condução da sociedade não pode ser norteada por "achismos". Se, na escola, é fundamental transmitir o princípio de que é preciso "aprender a desaprender para voltar a aprender", então, no exercício da política, muito mais.

É-me difícil aceitar que assim não seja e, por isso, coloco fora do processo aqueles que se fecham na sua torre de marfim, fugindo ao conhecimento, ao confronto das ideias e tornando a sua verdade numa verdade absoluta. Coitados dos que não admitem o "erro primeiro". Deviam ter presente, entre outros, Gaston Bachellard (1968): "A ciência é um discurso verdadeiro sob fundo de erro" (...) "as construções passadas devem ceder lugar às novas construções". Simples.

Nem de propósito, Francisco Laranjo, numa opinião publicada no Jornal Público (19.06.2023), sintetizou: 

"Numa altura em que as escolas adotam medidas de transição digital sem base científica que as valide, é fundamental recentrar a discussão na educação que queremos, e não nos dispositivos a usar".

Portanto, a questão não está sequer, como enalteceu o secretário regional, na não utilização dos "manuais digitais" no pré-escolar e no primeiro ciclo, mas em saber que educação queremos que seja portadora de futuro. O secretário já provou que NÃO SABE. Não sabe, porque a ela nunca se referiu, concretamente, sobre o projecto educativo a oito, doze ou dezasseis anos. Não se lhe conhece uma ideia para o sistema educativo. O que se constata é que as peças do edifício da educação são colocadas, desajeitadamente, sem uma ordem de precedência em função de um objectivo. Adiante.

Na utilização da tecnologia, o que hoje está a acontecer em função de muitos estudos é um "(...) processo que procura reparar os danos causados pela precipitada transição, na forma de investimento nas novas gerações". Não tem nada a ver com a Covid 19, como li. E este assunto, porque é complexo, deve ser debatido e nunca deixado nas mãos de uma só cabeça política e dos vendedores de tecnologia.


Adriaan Van der Weel, Professor emérito da Universidade de Leiden (Países Baixos), que há mais de uma década estuda a revolução digital, sintetizou: 

"(...) a tecnologia não é necessariamente equivalente a progresso. Temos tecnologias fabulosas, que fazem coisas espantosas e estamos viciados nelas, mas entre tecnologia e progresso nem sempre a relação é de um para um. Por isso, temos de ter alguma cautela quanto aos danos em certas áreas, nomeadamente em áreas tão sensíveis como a educação." (...) “O efeito do tempo passado em frente a um ecrã reforça a clivagem digital secundária (que é cognitiva)". 

Por outro lado, para Andreas Schleicher, director de Educação e Competências da OCDE, "quanto maior e mais frequente for a utilização da tecnologia digital na sala de aula, pior será o desempenho dos alunos no teste de leitura digital", referiu na sua apresentação Van der Weel. Se antigamente se acreditava que era preciso levar os ecrãs para as salas de aulas, para que as crianças socialmente mais desfavorecidas tivessem também acesso a estas ferramentas, essa percepção mudou. (Jornal Público)

Ora bem, o que a síntese de tudo isto quer dizer, é que ao invés de encher umas páginas com palavrinhas distantes da ciência, preferível seria que estudassem, visitassem e abrissem o debate no sentido de colher um melhor entendimento sobre esta matéria. Não basta colocar os manuais em papel dentro do digital, enfeitando-os, mas mantendo, grosso modo, o actual pensamento pedagógico. Julgo poder concluir que, teimosamente, o secretário quer entrar quando outros já estão a sair. Não é apenas a Suécia, mas dos Estados Unidos à Europa que as perspectivas estão a mudar. É claro que não está em causa a utilização da tecnologia no espaço escolar, mas o que se faz com ela. Já se fala num sistema hibrido, até porque, repito, estamos rodeados de tecnologia e seria um grosseiro erro ignorá-la. Mas fazer dos recursos tecnológicos uma panaceia para os males da Educação é que não me parece minimamente acertado. 

O ministro da Educação já recuou, mas, por aqui, segue-se em frente... sem medos!

O problema da Educação não se resume a ecrãs, há a questão curricular, a questão programática, a não segmentação das disciplinas, a existência ou não de turmas e de aulas, a arquitectura dos espaços de aprendizagem, a própria organização e autonomia de cada estabelecimento de aprendizagem, a excessiva burocracia que só inferniza e rouba tempo, a mudança de mentalidade, a adequada formação de professores, rigor, disciplina, eu sei lá o tanto que tem de ser mudado. Mas, para isso, são precisas humildade e coragem. 

Afinal, há medo em debater estas questões? 

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 17 de setembro de 2023

Podemos falar sobre “sucesso escolar”?


É a escola dos trabalhos de casa, do caderno de actividades, dos programas, da ficha, do teste, do exame e do “caladinho/a”, “direitinho/a”, “quietinho/a”.


Por
Autor, dramaturgo. 
Público / 16.09.2023 



Há comissões, grupos de estudo e instituições que debatem este e outros temas conexos. A premissa está quase sempre errada porque se assume que o aluno precisa de se submeter a um processo mais ou menos truncado, no qual o indivíduo é o único convidado à mudança para se poder encaixar num padrão — o do "sucesso escolar". O que é isso do "sucesso escolar"?


Este conceito é algo mais ou menos abstracto, mas que obedece aos ditames de um sistema tão pesado que já não se sabe onde começa ou onde acaba. É uma ponte que casa conhecimento com repetição, numa fórmula muito salazarenta de perceber virtudes e aptidões, deixando muito de fora.

Neste "sucesso escolar", crianças e jovens são dados adquiridos, tratados como tal, sem vontade ou capacidade de perceber o que querem, desejam ou podem. É a escola dos trabalhos de casa, do caderno de actividades, dos programas, da ficha, do teste, do exame e do "caladinho/a", "direitinho/a", "quietinho/a".

O "sucesso escolar" é abdicar do "ser", ficando pelo "existir". É acreditar que há áreas de primeira, de segunda e de terceira e até algumas que não interessam para nada. É normalizar o sacrifício, o stress e a ansiedade, fazendo acreditar que quem não consegue é porque não se esforça, ou não se esforça o suficiente.


Mas esforçar-se para quê, se são corridas que nos escolhem, com as coordenadas fechadas sobre si mesmas?

O "sucesso escolar" resume-se a um emaranhado de números e estatísticas ao qual emprestamos os nossos filhos (enquanto cobaias de uma espécie de darwinismo social), impelidos a subir uma ilusória escada de validação de conhecimento, tendo por ideal roto, e vão ficar à frente ou ultrapassar, num jogo de memória a curto prazo, colegas, amigos e amigas, companheiros e companheiras de turma, escola, etc.

Esta é a raiz de muitos dos males que assolam o mundo, como preconizou Maria Montessori. Não é nada de novo. Está é cada vez pior. Não vivemos uns com os outros: vivemos uns contra os outros, enquanto deixarmos os nossos decisores falarem, à vontade, de "competitividade", "retenção de talentos" e outros termos tão caros a uma certa elite. Pasmo como a esquerda entra nesta cantiga, frequentemente.

Tudo acaba por servir os mesmos de sempre, porque não se aprende verdadeiramente: selecciona-se. Perpetua-se, geracionalmente, o poder e o poiso dele. O que se "inventou" foi uma máquina de normalização, de produção de súbditos, através da incitação e acatamento. Sem grande necessidade de explicações porque a própria roda e os dentes bem oleados oferecem, em circuito fechado, justificativa para os trâmites.
"O que se 'inventou' foi uma máquina de normalização, de produção de súbditos, através da incitação e acatamento."

Há em tudo isto um exponencial abdicar da vontade, essa força animadora do ser humano. A vontade ou é controlada, ou é capturada, em nome de um interesse que passa a ser o do corpo que a habitava, num exercício de dependência forçada.

"Sucesso escolar", com este modelo? Normalização. Abdicar da individualidade (não individualismo), do espírito crítico, da criatividade (a maior arma boa do universo) e da nossa "uniqueness".

sábado, 16 de setembro de 2023

A perda de alunos e a ausência de debate

 

"Escolas públicas e privadas perdem mais de 300 mil alunos em 11 anos" - Jornal Público, 1ª pág. de 11 de Setembro de 2023.



Entretanto, acentuam-se as lutas dos professores, as greves, milhares de alunos sem docente pelo menos numa disciplina curricular, sindicatos em polvorosa, insatisfação dos pais, enfim, um quadro que não é nada satisfatório.

Evidentemente que este é um problema acumulado de muitos anos, onde não houve a sensatez de debater o sistema educativo em todas as suas variáveis. Aos níveis nacional e regional. É uma ilusão admitir que o sistema está melhor nas regiões autónomas. Não está. O sistema é igual do Minho ao Corvo e não é pelos professores terem "garantido" a contagem do tempo de serviço, que se poderá concluir que a Região é um oásis nos desequilíbrios do país. Globalmente, o pensamento estrutural que preside à condução do processo regional não tem qualquer diferença em todas áreas e domínios que possamos analisar.

Na Madeira assistiu-se, também, a uma significativa quebra na natalidade. E este momento, apesar de preocupante, podia ter servido para transformar essa fragilidade numa óptima oportunidade de mudança do sistema em toda a sua complexidade. Não houve essa preocupação. Simplesmente porque não se debate. Há uma sistemática preferência pelo silêncio e pelo controlo dos estabelecimentos de aprendizagem e siga a festa!

Ao ponto de, também por ausência de estudo e debate, quando outros países do topo estão a abandonar os manuais digitais, porque estudaram e debateram as consequências, sublinho, andam, por aqui, em contraciclo, a distribuí-los como uma grande opção enquadrada na tal "escola do futuro". O governo deve explicações.

Nutro o maior respeito pela minha classe profissional. Sei que tem sido, durante anos, desconsiderada, por culpas próprias (é preciso assumir os erros cometidos por omissões e sucessivo "agachamento" ao poder político), que conduziram ao ponto que nos encontramos. A menorização dos docentes vem desde o tempo que nem nas férias recebiam! Só que, daí a minha preocupação, não aceito que, simultaneamente, com algumas lutas pela recuperação da dignidade da função docente, os professores continuem alheados do debate sobre o sistema educativo. A Escola tem de ser debatida, na sua organização e, sobretudo, o seu processo (pensamento) pedagógico. A todos os níveis de análise, no essencial, que escola queremos e que sociedade desejamos construir? Porque esta escola e esta sociedade estão em falência. Esse debate está ausente das preocupações da generalidade dos professores. 

A recuperação do tempo de serviço prestado, a colocação em estabelecimentos próximos da área de residência, os níveis remuneratórios, o flagelo da burocracia inconsequente, a perversa avaliação de desempenho, tudo isto e muito mais constitui uma parte do problema. A outra, mais complexa, é a de determinar o que aprender, como aprender, quando aprender, se o professor é um debitador de matéria ou antes uma espécie de "catalisador" do conhecimento e se é ou não importante rever currículos, programas, conceito de aula, de turma e de ano. Os professores são importantes neste processo; negam o futuro quando se distanciam destas matérias. Aliás, um dos princípios do desenvolvimento é o da "participação", isto é, ou as pessoas participam ou os processos morrem.

Por tudo isto, a diminuição do número de alunos devia constituir uma grande oportunidade para desenhar uma escola para o presente com os olhos colocados no futuro. Se revissem o sistema, estou em crer que não seriam necessários os professores que dizem estar em falta! 

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Deus não dará a bênção!

 

Saiba, Padre Silvano Gonçalves, que nutro o maior respeito por si. Não nos conhecemos no plano pessoal, mas leio e tenho algumas referências dos sete anos que passei no Lombo do Atouguia (Calheta). Portanto, não considere deselegante da minha parte trazer aqui um comentário sobre uma frase que deixou na sua página de facebook. Escreveu: "Peço a bênção de Deus para o ano escolar que se inicia. Vinde Espírito Santo!"



Eu percebo a sua intenção. O Senhor é um Homem da Igreja e, portanto, por mera rotina ou não, as suas palavras, nesse quadro, podem fazer algum sentido. Respeito-as. Porém, entendo que Deus não deve ser para aqui chamado. E porquê?

Não estou a dizer-lhe que "invocou o nome de Deus em vão". Não é isso. O que me parece claro é que se deseja, tal como eu, uma escola verdadeiramente inclusiva, curricular, programática, pedagógica e organizacionalmente autónoma, de excelência e ajustada ao tempo que nos coube viver; se quer, tal como eu, uma escola com menos dependentes da acção social educativa; se deseja jovens e professores felizes no processo de aprendizagem para a vida, obviamente que tudo isto não depende da mão de Deus, mas dos Homens. E, nesta, como em todas as outas situações, não existem intermediários. Tal como a paz no mundo, as gravíssimas questões ambientais (vide a Encíclica Laudato si), as diversas formas de violência, os desequilíbrios e dependências mundiais, a fome, as migrações, a selvajaria económico-financeira mundial, a precariedade no trabalho, os direitos básicos constantes na Constituição da República, os baixos salários vs altos impostos, enfim, tudo o que nos preocupa, não depende de Deus, mas de nós, Homens e Mulheres. Se assim não fosse, parece-me óbvio que, há muito, com tantas bênçãos, pedidos, terços e procissões os nossos desassossegos estariam resolvidos!

Uma melhor escola, Padre Silvano, depende dos políticos e não de Deus. Uma melhor aprendizagem não depende do Espírito Santo. Depende da capacidade dos políticos serem ou não inovadores. E eles, creia, não têm sido. Depende, também, dos professores quererem erguer uma escola de e com futuro, que tenha o aluno e a vida como centro da sua acção. Depende da cultura dos pais e da informação que disponham sobre o que deve ser a escola. Depende de uma sociedade menos assimétrica que, aliás, está assustadoramente reflectida na escola. Portanto, jamais dependerá de Deus, mas dos Homens. Compreenderá, por isso, ilustre Padre que, em aproximação ao Evangelho (da Igreja interessa-me, sobretudo, a Palavra contextualizada com a vida), temos a obrigação de não sermos vazios, não transferindo para Ele preocupações e pedidos de ajuda que não lhe compete "dar despacho". Nem o Pai, nem o Filho, nem o Espírito Santo (Deus Triúno) podem ser responsabilizados pela ausência de projecto político sério e responsável.

Eu Cristão, baptizado, professor durante 40 anos, entendo que Deus não dará a sua bênção ao ano escolar, tampouco o Espírito Santo concederá a inspiração no sentido da concretização das urgentes mudanças que o sector educativo necessita. Essas mudanças dependem da cultura dos Homens, depende da sua vontade, depende da sua inteligência e concomitante capacidade para ver o sistema de uma forma alargada, visionária e integrada no conjunto de todos os outros sistemas. Depende dos políticos não desejarem ser "donos disto tudo", egoístas, centralizadores e castradores do pensamento livre. É por aí que devemos lutar e exigir (o Senhor Padre Silvano devia exigir nos vários púlpitos que dispõe), nunca pela solicitação de uma bênção para um processo que está errado na raiz. Pelo que sei da Palavra, Deus, certamente, não aprova os disparates dos Homens.  

Não me leve a mal o desabafo. Compreendo-o, mas não estou de acordo com a "solicitada" bênção. Mas, quando, até ao momento, mais de 800 pessoas concordaram consigo, inclusive, professores, provavelmente eu é que estou errado.

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

EDUCAÇÃO - O monopólio do poder de governação

 

Quando só 15% das raparigas e 11% dos rapazes dizem, assumidamente, gostar da escola e 84% dos professores manifestam-se cansados da sua profissão e declaram o desejo, se pudessem, de procurar outras soluções de vida, aquelas percentagens tornam-se preocupantes, pelo que deviam fazer soar as campainhas de alarme relativamente ao sistema educativo. Mas não, para quem governa o sistema, tudo continua bem e recomenda-se! São páginas e páginas de auto-elogio. Para os cérebros do sistema, a rotina deve sobrepor-se à inovação. Compreendo que é muito mais fácil, mas, à luz do conhecimento e da vida, a factura virá pesada. Pior que a do passado. Aliás, já existem sinais.



A Região Autónoma da Madeira podia constituir um exemplo. Infelizmente, não é. Com cerca de 40 000 alunos, tem menos 15 000 alunos que o concelho de Sintra. Isto dado significa que, para além de desfrutar de Autonomia Político-Administrativa, reorganizar o sistema afigura-se-me que seria muito mais desafiante e fácil que gizar uma reforma para dois milhões de estudantes matriculados em Portugal. 

Ora, vejo-os a falar tanto de Autonomia e, afinal, num sector vital para o desenvolvimento, não mexer uma palha prospectivando o futuro constitui a primeira opção dos decisores. Talvez, por isso mesmo, se diga que a Madeira dispõe de uma Assembleia adaptativa e raramente legislativa.

Mesmo considerando as limitações constitucionais impostas pelo Artigo 164º, não é a República que define o paradigma organizacional dos estabelecimentos de aprendizagem, a tipologia das infraestruturas, as características da rede escolar, tampouco o paradigma pedagógico. O artigo 164º (Reserva absoluta de competência legislativa - alínea i / Bases do sistema de ensino) tem essencialmente a ver com a estrutura curricular e programática. E apesar de constituir uma notável incoerência com o verdadeiro e desejável estatuto de uma região autónoma, a Constituição não é impeditiva de uma alteração do pensamento estrutural que devia presidir ao processo de mudança organizacional da escola e da aprendizagem. Aliás, não se assiste a um qualquer movimento no sentido de propor as necessárias e clarificadoras alterações constitucionais.

O problema está no monopólio do poder de governação. É esta concentração da decisão que mata os estabelecimentos de aprendizagem, afasta os alunos e os professores e, por conseguinte, todos os actos inovadores, ao fim e ao cabo, a tradução na prática do que tantos pensadores, investigadores sociais, professores, autores e até empresários assumem como determinante para hoje e para o futuro. Tudo tem de passar pela "central" de comando, restando à escola o cumprimento do estipulado. No actual contexto, falar de autonomia dos estabelecimentos escolares constitui uma grosseira mentira.

A comprovar, passados alguns anos, o exemplo da Escola do Curral das Freiras continua a ser paradigmático. De rigorosamente nada valeram os resultados apresentados, dentro das regras-limite do próprio sistema, isto é, respeitando a Constituição e outros normativos. O êxito foi literalmente "castigado". Deram um primeiro passo contra a dinâmica de aprendizagem, impuseram um processo disciplinar e, logo de seguida, "acabaram" com a escola. E agora, os alunos do Curral estão enquadrados num estabelecimento de S. António/Funchal, com a falácia, repito, falácia, do número de alunos ser limitado para a constituição de turmas. Ignoraram que, hoje, existem outros formatos de aprendizagem que substituem (para melhor) o conceito tradicional de turma, de ano e de segmentação das disciplinas.

Aliás, aquele estabelecimento podia ter sido o embrião, a escola piloto de um sistema a dinamizar por toda a Região. Bastaria que predominasse a inteligência e o desejo de "dar gás" ao processo. Porque ali surgiram dinâmicas pedagógicas tendencialmente distintivas. Apesar de situada numa freguesia muito pobre, a escola, que se encontrava, salvo erro, no lugar 1 207 do ranking nacional, saltou, em 2016, para as da frente, com a melhor média entre os estabelecimentos públicos no exame nacional de 9.º ano. Uma peça jornalística divulgada pelo Público, caracterizou desta forma a dinâmica escolar: "O interessante é que tem 300 alunos, não tem campainha, nem trabalhos de casa e os horários das aulas batem certo com os do autocarro". Esta uma síntese compaginada com muitas outras que tornaram possível um melhor conhecimento, "apesar 92% dos alunos terem Acção Social Educativa (pobreza) e a internet não fazer parte das prioridades da maioria das famílias". Sublinho, não tinham tablets, manuais digitais e salas do futuro. E os alunos aprendiam. Não é que não existissem insuficiências ou caminhos alegadamente discutíveis, mas tudo isso fazia parte, também, do processo de aprendizagem dos professores da escola. O decisor político só tinha que aprender e não boicotar.

Este é o exemplo de maior significado do que designo por monopólio do poder de governação. Num processo destes, os professores são apenas meros executores de uma política e os alunos números. Não se lhes pede que coloquem a sua inteligência e o seu conhecimento ao serviço da comunidade educativa, apenas que cumpram o acto político decisor, a norma, o ofício, a circular, enfim, o processo burocrático em toda a sua extensão.

Como na altura escrevi, naquele processo, qual paradoxo, acabaram por matar a escola por "ciúme, traição, jogo duplo, perseguição, intriga, assassinato de carácter, difamação pública, linchamento profissional, medo, eu sei lá, tudo o que um bom argumentista e um realizador, estou certo, precisam para contar uma história subordinada ao título: "como matar, não matando".

Por vezes chego a pensar que não vale a pena continuar com textos que abordem o sistema educativo. Poucos se interessam pelo debate das questões educativas. Desde que os "pequenos" estejam na escola, está tudo bem! Mas vale. Embora o sistema peque por ausência de informação credível, debate público qualificado, inúmeros receios por parte dos professores, reflectindo-se no desinteresse que os estudantes nutrem pela escola que lhes oferecem, continua a ser premente dizer a plenos pulmões que "o rei vai nu".

E assim, esta semana, toma lugar no mais alto patamar do pódio, sua excelência a ROTINA.

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 3 de setembro de 2023

Aulas de 90'!


Por
Ana Catarina Mesquita
Professora e Investigadora na área da Língua e Educação
Revista Visão


Excerto do artigo:

"Há vários elementos que não se compreendem na educação de Portugal, ideias obsoletas, que não fazem qualquer sentido para quem tem dois dedos de testa e que só ignora quem não quer saber do assunto, quem não se esforça por saber mais sobre ele, ou quem, de certa forma, pode sair beneficiado dessa situação, certamente não os alunos nem os professores.

Uma destas coisas do arco da velha são as aulas de 90 minutos, que prevalecem em tantas escolas do nosso país. 90 minutos já são pesados para estudantes universitários, fará para alunos de faixas etárias abaixo. O facto é que não podemos exigir aos nossos alunos que fiquem 90 minutos a ouvir o professor com concentração. Quem é que consegue acreditar que tal é possível?

As aulas devem centrar-se sempre no aluno e não no professor. (...)"

terça-feira, 29 de agosto de 2023

A necessidade de repensar tudo


Dos Estados Unidos a vários países europeus, mesmo aqueles reconhecidos como tendo sistemas educativos de reconhecida qualidade, os manuais digitais e outros equipamentos estão a ser colocados em causa e mesmo abandonados. Não significa isto, como aqui já tive a oportunidade de equacionar, o abandono da tecnologia. Não é disso que se trata, aliás, seria um contrassenso, quando se vive num mundo onde os meios tecnológicos ganham cada vez maior relevância nas nossas vidas.



O problema é outro e muito mais profundo. E esse tem de ser estudado. Por que razão "a Suécia está a planear deixar de lado os computadores nas escolas e regressar ao ensino baseado nos livros? O motivo, explicam, é a diminuição das competências de leitura e escrita dos alunos".

Aliás, "a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, já tinha mostrado dados que levaram a crer "que exagerar nas telas pode levar a: prejuízos na comunicação, problemas no sono e atrasos no desenvolvimento cognitivo".

O plano da Suécia "é dizer adeus aos quadros digitais, ecrãs e dispositivos electrónicos e regressar às ferramentas tradicionais de ensino. A Ministra da Educação, Lotta Edholm, e a Ministra da Cultura, Parisa Liljestrand, consideraram que foi "uma grande experiência", mas anunciaram, planos para regressar ao ensino baseado nos livros". Na Holanda, "os celulares, tablets e relógios inteligentes" serão banidos. E na Finlândia já foi anunciado um projeto quase no mesmo sentido. Nos Estados Unidos, desde há oito anos que se assiste a uma mudança no que concerne à utilização desses meios.

E o curioso desta situação é que, por ausência de estudo prévio, quando os outros já experimentaram e concluíram que existem outros meios de relevância maior na aprendizagem, em Portugal e particularmente na Madeira, estão a ser "investidos" muitos milhões. Quando os outros tendem a abandonar nós começamos. Regresso as palavras de Tony Bates (Microsoft) que transcrevi no meu livro "A Escola é uma seca" (2022): 

"(...) o bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino". 


O problema é esse. Seja como for, a questão central está em debater, com rigor científico, a mudança de pensamento que está a acontecer. Não basta fiar-se nos vendedores de tecnologia. Com o receio de perderem no mercado livreiro, apostam, como alternativa, na integração do manual no digital. Como é óbvio, um vendedor nunca abordará a fragilidade do que vende. Vêm aí, são entrevistados, dizem maravilhas, falam em pioneirismo, simplesmente porque são "vendedores". Quem governa não devia entrar em leviandades e "achismos" desta natureza! Bom seria que apresentassem as conclusões dos estudos, se estes foram, previamente, realizados.

Esse debate tem de acontecer com urgência, envolvendo todos, desde investigadores a professores que, nas escolas, são hoje confrontados com novas populações e novos quadros de aprendizagem. O sistema não deve estar entregue a uma "cabecinha pensadora". E se, eventualmente, concluir-se que existem, com rigor científico, repito, outros caminhos mais consistentes, inteligente será reverter o que pensavam ser a via mais adequada. Às certezas contraponho a dúvida e, portanto, estudem no pressuposto que "só os burros não mudam de opinião; ou só os burros não têm opinião sobre as mudanças dos outros".

Paralelamente, há muito, mas mesmo muito a estudar e a mudar no sistema. A utilização da tecnologia, sobretudo como utilizá-la é, apenas, uma ínfima parte. Os currículos, os programas, o processo pedagógico, a mentalidade, a arquitectura das escolas e a característica centralista como estão organizadas, continuam a ser as grandes chagas do sistema. 

Ilustração: Google Imagens. 

sábado, 26 de agosto de 2023

O conhecimento e a subjectividade das notas escolares

 

Confunde-se o "conhecimento" com "notas escolares" conseguidas através de uma qualquer avaliação. E uma coisa e outra não são compagináveis em todas as suas dimensões. A vida precisa de conhecimento e dispensa o excessivo e frágil foco nas notas (classificação)! O empregador pergunta: "o que sabe fazer" e não a "classificação" que teve na disciplina Y. Note-se que não estou a colocar em causa a avaliação, mas sim as variáveis do processo que conduzem a aprender melhor. Genericamente, salvaguardando as excepções, o que designam por "bom aluno" é aquele que, perante um determinado programa curricular, repete o que lhe foi transmitido pelo docente, o qual, por sua vez, cumpre o que se encontra espelhado no manual. Ora, por essa via, raramente existe uma conexão directa com o conhecimento intelectual, muito menos com o conhecimento científico.



Esta escola oferecida aos portugueses não possibilita o questionamento da própria realidade e não estimula a criatividade nas ideias e conceitos. Trata-se, por isso, de uma aprendizagem que parte, fundamentalmente, do professor e não do aluno. Quase tudo se apresenta repetitivo e estático, cansativo e constrangedor para professores e alunos. 

Aos professores pedem-lhes que elaborem, cumpram as meticulosas "planificações das unidades didácticas" e debitem, escrevam muitos relatórios do extenso e anacrónico processo burocrático e, finalmente, atribuam notas; aos alunos, o sistema preocupa-se em apreciar os dóceis, serenos, não desestabilizadores, por ser mais fácil direccioná-los, desde as primeiras idades, não para a sabedoria, mas para a resposta previamente entendida como certa. Esta lógica de funcionamento diverge de uma aprendizagem consistente, porque mata a curiosidade, não assenta no pensamento, no conhecimento e busca dos porquês, na interpretação das variáveis dos processos, compreendendo-os e favorecendo a transferência para novas situações.

E porquê? Porque a escola que deveria partir do pressuposto da complexidade, continua a preferir uma espécie de prato único, tipo "bife, batata frita e ovo a cavalo" que de tanto engolir causa enfastio, tédio, desinteresse e até rejeição. O que isto significa é que, no mundo que estamos a viver, a aprendizagem, desde início, não deve ser previsível no quadro de uma estrutura clássica próxima do pensamento "industrial". Porque a escola não deve ser entendida como uma fábrica. É um erro admitir que a tradicional segmentação (fragmentação) por disciplinas, mais tarde, as partes se unam no todo. A cognição impõe a opção pela dialéctica, pela capacidade de refutar o que é apresentado como produto acabado. Por aí existe aprendizagem significativa, simplesmente porque as perguntas do aluno devem preceder a resposta constante no manual. Ora, sistema que mata a pergunta é um sistema condenado; sistema que encurrala o aluno, direccionando-o para o que o adulto entende, limita muitas vezes, definitivamente, o conhecimento portador de futuro.


Neste pressuposto a questão parece-me óbvia: que interesse terá a resposta inserta no manual, digital ou não, quando ela não assenta no jogo da curiosidade, da observação e da descoberta? Ou, quando o centro da atenção e preocupação raramente transita do professor para o aluno? Só que o sistema, heterónomo, inflexível, centralizador e cristalizador, prefere manter as rédeas na mão, ao contrário de mostrar-se disponível para olhar de forma sistémica para além dos muros da escola. Não foi com espanto que li, que, da parte governamental, o "planeamento (do próximo) ano lectivo decorre sem falhas". Dir-se-á que a máquina está politicamente oleada e responderá "convenientemente", à semelhança de uma empresa de fornecimento de energia eléctrica. À escola bastar-lhe-á accionar o interruptor! Entretanto, paradoxalmente, falam da autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem!

Ser criativo, inovador, dispor de uma consistente capacidade argumentativa, ser curioso e ter a noção que o manual é o menos importante, quando a possibilidade de aprender está espalhada por tantos meios, tecnológicos e outros, tal devia constituir o foco de toda a aprendizagem, jamais a padronização e cristalização do pensamento ("fixação funcional") que eu designaria por anestesia contranatura. Natural é a estimulação do questionamento, é colocar em causa, é dissecar a pluralidade de opiniões, natural devia ser a preocupação de inter-relacionar, induzir no entendimento das causas e nunca, mas nunca, em decorar centenas de respostas destinadas ao esquecimento após uma qualquer avaliação.

Porque isso é o que encontramos na vida real. Ela não nos pede respostas estanques, antes solicita conglomerados, partes distintas que se ajustam na resposta a uma dada situação. E isso trabalha-se no processo de aprendizagem. As próprias especializações assentam nesse pressuposto que devem excluir tanta tralha que nada acrescenta. Está em causa o conhecimento interligado e com robustez. A propósito, diz-nos Edgar Morin que a fragmentação de saberes constitui um erro, por isso propôs o conceito da complexidade. Sendo assim, é inexplicável a crónica indiferença dos governantes perante o pensamento de um dos maiores intelectuais do nosso tempo. "É preciso educar os educadores", sublinhou. É verdade! 


Sublinhou Mustafá Ali Kanso (1960/2017): "Numa primeira análise, a complexidade é um tecido de constituintes heterogéneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efectivamente o tecido de acontecimentos, acções, interacções, retroacções, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal". É isso. Portanto, "a sua principal proposta é a abordagem transdisciplinar dos fenómenos e a mudança de paradigma (...)".
 
De onde concluo que a Escola deve ser culta e deve estimular a cultura. A voz dos alunos dispensa uma escola redutora, fechada sobre si própria, preconceituosa e feita de crenças, que não consegue evoluir na missão que lhe compete, que não enxerga a vida, uma escola sem pensamento crítico, que sobrevive no meio de múltiplos medos, submetida aos princípios que enformaram o passado, uma escola que olha para ontem e não para o futuro, pedagógica e didacticamente parada no tempo, que não consegue perceber a população a quem se dirige, uma escola que não respeita sonhos e talentos, que não contribui para a felicidade de alunos, dos professores e que se divorcia da cultura geral e específica, repito, dizem os alunos, é perfeitamente dispensável.  É pela cultura e não pelas definições e respostas pré-definidas que vamos. A partir da cultura, no sentido lato do termo, tudo se agrega. Portanto, conhecimento é uma coisa, notas escolares outra, às quais, infelizmente, continuam a dar uma muito discutível relevância. Porque continuam a confundir avaliação com classificação, conhecimento com notas. Daí o surgimento de uma meritocracia balofa que traz para dentro da escola as taras da sociedade! 

Ilustração: Google Imagens.