sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Senhor ministro, seria bom que falasse claro!


As ditas "aulas" estão suspensas por duas semanas. Disse o ministro que esta paragem será recuperada na "designada "pausa lectiva" do Carnaval, no período de Páscoa e, ainda, provavelmente, no acréscimo de mais uma semana no final do ano lectivo. Ora bem, julgo que o ministro Tiago Brandão Rodrigues não está a ver o mesmo filme que uma grande parte da população está a assistir. Por ele, apesar da pandemia, as escolas não encerravam, mas enfim, a dita "estirpe inglesa" e o conselho de vários especialistas impuseram a necessidade do encerramento. São dele estas palavras: o "custo do encerramento das escolas é bem superior ao risco".



O Senhor ministro da Educação parece-me obcecado pelo cumprimento dos programas e dos exames, em um quadro pandémico avassalador e de morte. Só ontem morreram 234 portugueses e surgiram mais 23.987 infectados. Caminha-se para os 10.000 mortos. E o pior, dizem, ainda está para chegar. 

Portanto, é ininteligível esta compulsão que ignora factores lógicos e que a sensatez deveria travar. Repito o que ainda há dias sublinhei: não é possível conjugar o melhor dos dois mundos, isto é, travar a pandemia e desejar que a escola cumpra, integralmente, os programas, como se nada estivesse a acontecer. É abstruso, totalmente incongruente compaginar os dois interesses. 

Ao contrário do que disse o primeiro-ministro e o próprio ministro da Educação relativamente aos gravíssimos transtornos na aprendizagem, trago aqui as palavras do pneumologista António Diniz: "Quinze dias, três semanas... o que é isso na vida de uma pessoa?". Aliás, tudo leva a crer que não haverá condições para o regresso à escola no início de Fevereiro. A batalha que o país tem pela frente, com mais de duzentos mortos por dia, hospitais no limite, incapacidade de resposta a todas as outras patologias não Covid, dramatismo no que concerne à opção entre quem tem e não tem possibilidades de  recuperação, profissionais de saúde esgotados, empresas  em situação de angustiante penúria, milhões em confinamento, pais em polvorosa, enfim, perante isto, Senhor ministro, a escola não constitui a prioridade primeira. Não constitui um atraso "irreversível", quando, ainda por cima, a escola está desfasada da vida real.

Obviamente que deve constituir a preocupação de atenuar o quadro das desigualdades sociais (não apenas no acesso à tecnologia, mas a todas as outras, porque a pobreza existe), ao lado de uma tentativa de esbatimento das aprendizagens não presenciais, onde se incluem a parte prática de algumas disciplinas e os diversos apoios, em várias áreas, a quem deles necessita. E isso passa, naturalmente, como já referi em um outro texto, no que concerne à esmagadora maioria dos alunos, pelo cumprimento de "programas mínimos", daquilo que, na articulação dos anos, possa ser considerado como nuclear. Isto exclui a obsessão pela avaliação tradicional e pelos exames, simplesmente porque para uma situação dramática como esta, a resposta deve ser sensata. Repito: "quinze dias, três semanas... o que é isso na vida de uma pessoa?".

O ministro da Educação anda, claramente, aos papéis. Fechado no seu ministério parece desconhecer o drama do país. Fico com a ideia que ele quer resolver o "seu problema", não o do país. Melhor seria que aproveitasse esta fragilidade para repensar todo o sistema de aprendizagem que se apresenta caduco. 

Ou será que alguma coisa está a acontecer que não é descortinável pela população. Seria bom que falasse claro!

Ilustração: Google Imagens.

sábado, 9 de janeiro de 2021

Confinamento vs funcionamento dos estabelecimentos de aprendizagem

 

Por princípio não gosto de escrever sobre o que não domino. Não fiz esse esforço para perceber, no plano científico, embora com todas as lacunas da minha parte, a posição que o governo pretende assumir: confinamento geral, porém, com o normal funcionamento dos estabelecimentos de aprendizagem. Confesso a minha dificuldade em compreender a lógica desta posição, embora só Terça-feira, na reunião a ter lugar no Infarmed, esta questão fique esclarecida.



"Não bate a bota com a perdigota", pelo menos para mim, com todas as ressalvas da minha ignorância. Até porque, ainda ontem, no programa "Antena Aberta" da RDP, programa conduzido pelo jornalista António Jorge, escutei um académico Carlos Antunes, Professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que, face aos dados, assumiu ser completamente desaconselhável a abertura dos estabelecimentos de aprendizagem. Os leitores podem seguir o seu depoimento a partir dos 28'12" até aos 32'00, ou então, todo o seu esclarecedor depoimento entre os 10'24" e 36'15". Fiquei esclarecido. Por isso, é  de difícil entendimento as dúvidas do(s) governo(s). 

Ademais ninguém deseja um confinamento, mas creio, à luz dos dados, que o Sistema de Saúde não vai conseguir suportar.

Relativamente à aprendizagem, a 27 de Agosto de 2020 escrevi aqui um texto onde salientei:

"(...) perante uma situação de pandemia que nos ataca por qualquer lado, por maiores que sejam os cuidados, não entendo que os governantes queiram o melhor dos dois mundos: isto é, compaginar as preocupações da pandemia com o cumprimento dos exaustivos programas escolares, desejando, por extensão um normal funcionamento da escola. Como se nada estivesse a acontecer. Não é possível tal conjugação, por melhores que sejam os actos de limpeza/desinfecção dos espaços e todas as práticas de segurança pessoal. (...) no "actual sistema de ensino", implicaria uma substancial redução dos programas, interligando-os ao longo dos anos, de tal forma que o ESSENCIAL fosse separado do ACESSÓRIO. (...) Que ninguém se esqueça que existe muita "tralha" programática que poderia e deveria ser evitada".

Aguardemos por Terça-feira! Do meu ponto de vista, tal reunião já deveria ter sido ontem. Haja bom senso, porque a morte espreita.

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

No dia do regresso que não será!

 

Há certos textos que mais parecem obras ou sermões de encomenda. Em todos os sectores de actividade, dependendo, claro, dos interesses entre as partes, ou da relevância política, os leitores confrontam-se, a par de assuntos sérios, com arrazoados que oferecem uma ideia de paraíso, de lugar único e multicolor, onde não existe mácula e onde todos parecem satisfeitos. Os próprios dignitários assumem a voz da plateia dizendo, com palavras doces, que os subalternos os acompanham e demonstram uma felicidade contagiante. Vão até mais longe, em acto paternalista, que o próprio "caderno de reivindicações", dos sindicalistas, claro, todo ele é resolvido em "paz social, estabilidade e segurança". Espantoso.



Constata-se isto porque há sectores da actividade política que a população não demonstra conhecimento e sentido de análise crítica. Desde que os filhos estejam na escola, tudo bem. Aliás, o Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, em Novembro de 2017, no decorrer do encerramento do 1º Congresso das Escolas, em um trabalho de Isabel Leiria, publicado no Expresso, sublinhou: 

(...) Não há nenhuma família que não tenha alguém próximo integrado no sistema de ensino. Mas, estranhamente, a Educação está longe de ser a principal preocupação. (...) Quantas famílias votam, nas diferentes eleições, dando primazia à Educação? Tenho para mim que muito poucas". 

Ora, se o sistema proporciona uma boa organização, se os alunos dispõem ou não de currículos adequados, se os programas são os mais desejáveis face ao mundo que estamos a viver ou se, pedagogicamente, a escola ficou parada no tempo, desde o Século XIX, estes aspectos, genericamente, pouco ou nada dizem aos pais e encarregados de educação. Da mesma forma aos professores, porque sujeitos a uma hierarquia que impõe e limita o diálogo, preferem actuar no campo do cumprimento das tarefas ditadas por outros. É como vulgarmente se diz: "o meu está feito!"

E assim dou comigo a ler histórias de treta, sem rasgo e profundidade, de um auto-elogio bacoco e costumeiro, coisa pavorosa, que sintetizo como sendo papel com letras. Como me diria um académico, por quem nutro elevada consideração, tudo aquilo é "timex", porque não adianta nem atrasa. Aliás, a escrita ali pouco interessa, nem o título da "obra" - Regresso em Segurança a exemplo do 1º período" - quando passadas algumas horas, os estabelecimentos de aprendizagem do Funchal, Câmara de Lobos e Ribeira Brava, por decisão do governo, verão adiado o tal "regresso em segurança". Uma vez mais, o fundamental não foi o texto, mas a fotografia. 

Na minha idade já não desespero. Espero. Espero que a ciência os ilumine ou, na esteira do meu Amigo Doutor Manuel Sérgio, se deixem fecundar pelas ciências para que excreçam a mediania. O problema é que "os portugueses, de facto, verdadeiramente, não dão primazia à Educação como prioridade nacional", considerou o Presidente da República. E assim, tal como nos versos de uma musiquinha do meu tempo, "lá vamos cantando e rindo, levados, levados"... e de que maneira, digo eu!

A própria pandemia, tenham isto presente, poderia ser uma oportunidade e não uma ameaça.

Embora respeite os critérios editoriais, julgo que nem tudo deveria ser matéria de publicação, sobretudo porque dá a entender que se escondem motivos comerciais. Qualquer coisa ao jeito de "pega lá, dá cá". Eu, como leitor e até assinante, interessa-me muitas outras posições divergentes que ajudem a compreender toda a problemática, o mundo que se vive e as respostas mais adequadas, as questões organizacionais, curriculares, programáticas e pedagógicas, a questão da formação e valorização dos professores ao logo da carreira, a autonomia das escolas e dos professores, a excessiva burocratização do sistema, as razões que conduzem a centenas de sinais de ansiedade e depressão por esgotamento mental e físico, a disciplina vs indisciplina, os indicadores de pobreza, material, cultural e outras, a todos os níveis, que chegam à escola, as questões da natalidade e a necessidade de tornar esta fraqueza em uma oportunidade, o paulatino esvaziamento dos direitos da criança que a escola, aos poucos, vai surrupiando, os famigerados "TPC", a desadequada arquitectura dos estabelecimentos de aprendizagem, a questão obsessiva pela avaliação, pelos exames e ranking´s, a falsa meritocracia, a questão da escola pública vs privada, o tal perfil do aluno à saída do sistema, quando não se fala do perfil à entrada, a tecnologia ao serviço da aprendizagem, o bloqueio à inovação e criatividade, a muita tralha dos manuais, as razões das taxas de abandono e insucesso, o dramatismo das pobres qualificações profissionais, a noção de aula, a existência ou não de turmas, ou sobre uma escola fechada nos seus próprios muros, teimosamente agarrada ao manual como se a vida fosse aquilo ou apenas aquilo, que não interaje com todos os outros sistemas, que mata a curiosidade, o interesse e o sonho individuais, enfim, centenas de itens a desenvolver, com rigor e profundidade, de tal forma que, regresso ao início, valha a pena ler e formar uma população para os desígnios da educação. Mas é o que temos. 

NOTA

Em complemento:
Deixo aqui excertos de uma grande parte do que escutei em um programa da SIC - Geração 15/25. É a palavra dos jovens.

"O sistema olha para o aluno como um simples recipiente onde se introduz conhecimento (...) as pessoas ali não pensam, as pessoas ali decoram (...) estamos a estudar para ranking's não para o conhecimento (...) há muito esta pressão para ter notas, custe o que custar (...) a escola está desenhada em torno da matéria e em torno das necessidades dos professores (...) os alunos têm muito pouca importância, esse é um ponto chave (...) gosto de um ensino estimulante, que dê responsabilidade sobre o que queremos aprender, maior valorização da oralidade, da criatividade, menos débito de matéria numa folha de exame e mais exploração das diferentes áreas do conhecimento (...) o mundo mudou menos a escola, a sala de aula, a forma como está organizada é a mesma (...) o espaço para reflectir é fundamental e é daí que vem o nosso crescimento pessoal. Quando não existe este espaço... por isso, culpo as pessoas que fazem os planos curriculares, que fazem os horários e que acham que tem de ser assim e que nós temos de ser tratados como máquinas com o dever de trabalhar para ranking's e não para o conhecimento (...) nós temos professores que não queriam ser professores e isso cria ali um problema: eu quero mesmo fazer isto? (...) há muitos professores que não têm essa capacidade de perceber com o que estão a lidar (...) os alunos precisam hoje de mais motivação para ir para a escola, era melhor irmos para a escola com um propósito (...) a maior parte das coisas que aprendi na escola, se não esqueci já, pelo menos considerei-as inúteis e desinteressantes (...) o sistema educativo foca-se em coisas que não são fundamentais para a vida (...) estamos a criar alunos que não têm qualquer tipo de interesse relativamente à vida que os rodeia... a escola deveria contrariar isso, abrindo o mundo porque há mais vida para além daquela que vivem diariamente (...) nós saímos da escola com muito poucas capacidade para sermos resilientes, para enfrentarmos desafios (...) eu não sou preparada para pagar impostos, para fazer um currículo, uma entrevista de emprego, como posso obter todas as informações para exercer o voto consciente... falta muita coisa (...) muitos alunos não vêem a finalidade daquilo (escola) (...) os programas estão desenhados, por exemplo, para dar gramática... quando o objectivo não deveria ser que as crianças soubessem gramática... o objectivo do Português é que sejamos bons falantes da língua e que se saiba escrever. Saem do ensino e não sabem escrever e muito menos sabem falar e, definitivamente, não sabem olhar para uma obra literária (...) o bom professor é o que nos consegue cativar, que nos estimula constantemente (...) as notas não definem ninguém. Um curso com média de 18 não é melhor que um curso com média de 12. Há quem entre com 18 e esteja contrariado e há quem entre com 12, mas com paixão porque é mesmo aquilo que querem (...) nós já não vivemos num mundo onde faça sentido o professor abrir o manual, ler o que está no manual, fechar o manual, fazer uma ficha e acabou. Estamos a desperdiçar tantas qualidades que os alunos têm, portanto, não faz sentido uma resposta uniforme para a diversidade (...) decoramos para os testes e para os exames e raramente essa matéria fica retida (...) haver debate de ideias e várias perspectivas sobre o mesmo assunto, é muito, muito raro. Eu tive poucos professores que me dissessem: temos este assunto e aqui no livro temos esta solução. Mas vamos lá pensar em mais soluções. É raro, quase não acontece em Portugal (...) a nossa formação é demasiado quadrada, demasiado formatada. É quase um ritual (...) não são os currículos que interessam tanto, pois precisamos de pessoas inovadoras, pessoas que consigam se auto-construir (...) vão-nos retirando a criatividade e a curiosidade. O sistema educativo está muito condicionado por uma força de poder que quer manter a socidade estagnada (...) a EDUCAÇÃO continua a não ser uma oportunidade. Nós deveríamos mudar as coisas antes de se tornarem um problema."

Ilustração: Google Imagens.