sexta-feira, 26 de abril de 2019

DAVID JUSTINO E A POLÍTICA EDUCATIVA


O facto de uma pessoa ser professor universitário e de ter sido ministro da Educação não lhe confere, automaticamente, competência e reconhecimento público, no plano científico, para falar sobre este complexo sector. Sabe-se como é que, genericamente, alguns chegam a ministro ou a secretário de Estado. A fidelização partidária é determinante. E sabe-se, também, como há gente convidada para isto e para aquilo, conferências, encontros, seminários, eu sei lá, sem nunca terem deixado uma marca distintiva, através daquilo que escrevem(eram) ou, então, na sequência de uma passagem pela governação. Vem isto a propósito do Professor Doutor David Justino. Um Economista, depois doutorado em Sociologia, que foi ministro da Educação entre 2002/2004 (Durão Barroso) e que, há dias, teve um desabafo partidário, absolutamente deselegante, inapropriado e completamente desenquadrado para quem é professor e foi ministro da Educação. Eu diria que o partido cega!  

Como evitar o desinteresse?
Em uma fase de negociação com os elementos das organizações representativas dos Magistrados, o vice-presidente do PSD, David Justino, disse: "(...) A ministra esteve a negociar quanto é que vai receber quando sair do governo". A Drª Francisca Van Dunem, Jurista, ministra da Justiça e ex-Procuradora-Geral Adjunta, devolveu com uma simples frase: "O autor da afirmação está, seguramente, a julgar outrem à luz dos seus padrões comportamentais". E ficou-se por aí.
Sobre o que declarou, passo à frente. Mas serve para dele eu ter uma leitura política. O Professor David Justino foi ministro dois anos e presidente do Conselho Nacional de Educação, neste caso, não sei bem por que artes. De uma coisa sei eu, é que não deixou, nos dois anos que passou pela pasta da Educação, qualquer registo que mereça ser olhado com respeito e admiração. O esquisito disto, ou talvez não, é que se trata de uma figura muito requisitada, como se não existissem académicos com vasto currículo e professores com pensamento e trabalho científico produzido relativamente ao sistema educativo. Ora, é esta figura que irá estar, uma vez mais, na Região da Madeira, agora, entre os dias 9 e 11 de Maio, no quadro da "Escola do Século XXI", tema do IV Seminário de Educação, promovido pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos. 

Quando li o que se segue, interroguei-me, como pode ser conferencista sobre a Escola do Século XXI um político que defendeu, em Janeiro de 2019, que a Educação deve, repare o leitor, "(...) contrariar o fetichismo tecnológico" e rejeitar a tecnologia como "solução mágica" para tudo, contrapondo que deve continuar "assente em relações humanas". Não bate certo, porque uma coisa, a tecnologia, não é fetiche educativo e não impede a outra, o acto pedagógico, que deve ter sempre o professor como mediador !

Aliás, ainda bem que o disse, porque clarificou o que dele penso e aqui escrevo, quando confessou à plateia, a sua, por vezes, "visão excessivamente conservadora em relação à escola" que o levam a rejeitar soluções disruptivas e utopias". Utopias, questiono? Ainda ontem o Senhor Presidente da República foi claro no discurso do 25 de Abril: "(...) a História faz-se sempre de programas, ideias e de sonhos impossíveis". Portanto, ao contrário do que disse, viva a disrupção, viva o rompimento com o passado.
Perante isto, confesso, tenho dificuldade em perceber o Professor David Justino, enquanto pensador, ele que é assessor do Presidente para os assuntos sociais, mas preocupa-me que venha falar para uma plateia de professores. Espero, no mínimo, que seja igual a si próprio, pois consultando múltiplos registos, as notas dominantes que li são marcadas por afirmações em um determinado sentido e quase o seu contrário em outros momentos. O professor David Justino, julgo eu, ainda é Professor Universitário. Respeito que tenha uma opinião conservadora, desajustada do mundo que estamos a viver e das crianças e jovens que nasceram rodeados de tecnologia, porém, por uma questão de elegância e de respeito pelos seus pares, seja qual for o grau de ensino, nunca deveria assumir, por exemplo, com a precisão de um relógio suíço, que "25% dos professores são excecionais, 60% dos professores são bons e 15% dos professores nunca deviam ter entrado" no sistema de educativo. Os professores que estarão presentes na iniciativa "Escola do Século XXI", deveriam questioná-lo: o Senhor Professor vem falar para quem, para os 15%? É que nos 15%, certamente, estão muitos desajustados com a escola dos Séculos XIX e XX e, por isso mesmo, são considerados maus professores. 
Aliás, no programa "Fronteiras XXI", da RTP, transmitido a 04.10.2017, subordinado ao tema "Que Escola Precisamos", no qual participou o Professor Joaquim José de Sousa, da Escola do Curral das Freiras, assisti à diferença de conhecimento prático entre o Professor Doutor David Justino e o Professor Joaquim Sousa, no que concerne ao funcionamento de uma escola do Século XXI. O programa está disponível na RTPPlay. Ora, quem sou eu para tecer considerações sobre as opções dos organizadores, mas tendo, na Madeira, um professor com experiência e resultados, humildemente o digo, que seria de todo muito mais interessante e motivador para uma plateia de professores escutar a voz da experiência sentida e vivida, a tal utopia, o tal direito ao sonho, relativamente a outro que se mostra mais vocacionado para a defesa da escola do passado do que para uma escola portadora de futuro. Aliás, ressalvo, em iniciativas anteriores e mesmo nesta, é justo sublinhar o convite dirigido a figuras de relevantíssima importância na Educação.
Finalmente, são palavras do Professor David Justino: "precisamos de políticos mais qualificados na educação". Concordo. Na Madeira existem vários, embora silenciados. Percebo. Partidariamente, não interessam. Até são perseguidos. Só que a Educação deve dispor uma visão POLÍTICA e não PARTIDÁRIA. O Professor David Justino que foi militante do Movimento da Esquerda Socialista, "emendou-se", dizem, com humor. Daí que seja o orador de serviço, embora, com toda a certeza, pelas suas posições anteriores, não traga na bagagem nada de substancialmente novo. Se eu estivesse na Madeira, inscrevia-me para escutar o Professor Pepe Menéndez: "(...) O problema do ensino é que é muito aborrecido. Nós mudámos o olhar (...) Pode parecer um pouco naïf, mas o modelo é mudar o olhar. Em vez de ver as coisas de perto, abrir os olhos e tentar ver o que no século XXI pode fazer crescer uma pessoa num ambiente de globalização, tecnologia, com tanta incerteza. O filósofo [Zygmunt] Bauman fala de um mundo líquido. Neste contexto, como posso ligar-me ao coração dos alunos, à sua motivação?" Esta é a utopia e a disrupção face às quais o Professor David Justino coloca reticências.
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
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terça-feira, 23 de abril de 2019

Educação -. Quando matam o direito ao sonho, o que restará à Escola?


Começa a ser hora de balanço. Hoje, os estudantes entraram na derradeira etapa do ano escolar. Já escutei, com humor, que se trata de um "período-anão" face ao número de semanas. Se, para os estudantes, o ano corre para as férias mais longas, para o sistema é tempo de deitar contas à vida e de analisar, globalmente, não apenas o que foi realizado em 2018/19, mas no período da Legislatura. O secretário, esse, obviamente, não tem qualquer dúvida: "Quatro anos de progresso na Educação". Ninguém esperaria outra leitura. Para ele foi de sucesso a 100%! Não consegue descobrir uma pontinha de fragilidade. Dizia-me há tempos um político que, até na cadeia, se perguntarmos, a maioria dirá que é inocente! Aliás, a entrevista de auto-elogio, toda ela fez-me lembrar um notável sketch do Herman que, na situação de entrevistado, invariavelmente, iniciava a resposta com um "ainda bem que me fez essa pergunta". 


O secretário teve duas páginas para abordar questões sérias e profundas, mas preferiu uma descabida gabarolice de trazer por casa que, no fundo, acrescenta ao sistema mais um zero à esquerda. Fugir às questões estruturantes, porque não quer ou porque não sabe, tornou-se a sua indelével marca. Não está para aí virado, para a reorganização do sistema que implique uma nova e estruturada visão de toda a sua complexidade, desde a família à escola, passando por todo o sistema de organização da sociedade. Só para o secretário e alguns próximos é que foram "quatro anos de progresso na Educação". Qualquer pessoa que estude, minimamente, o sistema, concluirá que nas suas traves-mestras, o sistema continua aquilo que sempre foi, um sistema acomodado, repetitivo, limitador de horizontes, castrador do pensamento livre, incrustado em uma densa teia burocrática, condicionador da acção dos docentes, sobretudo dos que pretendem seguir e gerar as condições de uma escola com direito ao sonho. Um secretário que, de forma cega, impõe a sua regra, que fecha os olhos ao mundo, que demonstra receio pelo que de bom os outros são capazes de operacionalizar, que vive incomodado com os êxitos que escapam ao seu controlo, que não sabe potenciar as experiências de sucesso, que manifesta o desejo de ter tudo debaixo do seu ávido controlo, que exprime vaidade e necessidade de holofotes, torna-se em um construtor da antítese de quatro anos de progresso. Simplesmente porque não é possível o progresso quando este não assenta em uma estrutura transversalmente consistente e cientificamente substantiva. 

"Pensar é mover-se no infinito" escreveu Henri Lacordaire (1802/1861), padre, jornalista, educador, deputado e académico. Acho interessante esta frase, porque a escola continua a não estar, passe o pleonasmo, pensada para fazer pensar. Esta escola rouba o direito ao sonho e este direito de sonhar não pode ser apenas para alguns, mas para todos. 

Ora, o sistema é mais do que fundir escolas e derramar 25 milhões por ano na educação privada. A arte visionária de educar é muito mais do que horários, campainhas, livros de ponto, cumprimento dos manuais, reuniões e mais reuniões para repetir o óbvio, mofentas burocracias destinadas ao arquivo morto, estéreis paleios sobre a "robotização" ou salas ditas do "futuro". A escola tem de ser vida e dela não pode estar desligada. Os muros que a circundam não devem  obstar o direito de cada um ser culto e de optar pelo futuro que lhe interessa. A escola não pode ser um "fatinho" de padrão e número igual para todos. Preferível seria, ao contrário de uma apregoada escola para todos, dispor de uma escola para cada um. Esta imagem implica que a escola tenha de fugir, de forma integrada, ao pressuposto de remediadora social, à ideia de armazém, para situar-se no plano do pensamento que se move para o infinito. Porque o mundo não termina na Ponta de S. Lourenço, embora o sistema creia que sim. Um sistema que assenta nos princípios do Século XIX, obviamente, que denota descontextualização com o presente e desconectamento com o futuro. Não existe, pois, progresso quando se assiste à morte do pensamento crítico e da liberdade de ensinar e de aprender.
Então, o que restou desta Legislatura, questiono? Lamentavelmente, sobressaiu a vergonhosa sansão aplicada ao Dr. Joaquim José Sousa da Escola do Curral das Freiras. A entrevista ao DN é clara nessa matéria, quando o secretário, sacudindo a água do capote político, afirma ter sido a Inspecção Regional a decidir-se por uma sanção de seis meses sem salário, quando foi o próprio secretário que os aplicou, impedindo desta forma um eventual recurso. Atirou-se a toda a comunidade educativa através de um docente. Ficou limpinho que uma escola que pretendeu ser inovadora, no quadro da sua autonomia administrativa e gestionária, uma escola que, no entendimento político, fez "sombra" ao secretário, uma escola que foi tema, pela positiva, em todo o espaço nacional, uma escola que ganhou prémios nacionais, no fundo estava a mais no quadro das suas regras assentes no excesso de valor que tem de si próprio. O bloqueio à autonomia da escola, consubstanciada na sua fusão, tratou-se de um "crime social", porque quando se coarcta o direito à diferença, com resultados, sublinho, quando a escola é portadora de um sonho para todos e se corta a cabeça do líder, porque infringiu(?) umas regras burocráticas de treta, isto significa que quem está a mais no sistema não é o professor que desejou ir longe, mas o secretário que quer ser o centro da atenção embora com aparência política falsa. Pior ainda, o que fica destes quatro anos, são os reflexos desta sansão como quem quis dizer aos mais de seis mil professores, cuidado, não queiram seguir o mesmo caminho, pois levam! Só acrescentou desmotivação e medo a uma classe já de si dividida e pouco solidária. 
Portanto, o essencial desta Legislatura centra-se na memória que fica relativamente à história das fusões de estabelecimentos de educação e ensino e na ridícula, indecorosa e vexatória humilhação da escola do Curral das Freiras. Sobre a sanção aplicada ao Dr. Joaquim Sousa caberá, agora, ao Tribunal Administrativo pronunciar-se. Há que aguardar. O processo só agora começou e, em Setembro, há eleições legislativas regionais. Porém, politicamente, não partidariamente, o secretário, em jeito de balanço, tem muito que explicar. O que é que o sistema ganhou com a extinção da autonomia da escola do Curral? Que engrenagem (sofisticada) foi montada para matar uma tentativa de uma escola que desejou ser coerente com os novos tempos? Em que está a resultar a "destruição" do seu projecto educativo? Como se sentem, hoje, a generalidade os professores que lá trabalham? Por que permitiu eleições na escola, ganhas pelo Professor Joaquim Sousa e, logo depois, a funde com outra? E o que pensam os alunos, pais e a comunidade em geral? Tem muito que explicar sobre estes quatro anos perdidos e de culto da imagem. Certo, segundo julgo saber, é que o êxito que a escola apresentou no passado recente, poderá vir a ser tema de uma Dissertação de Mestrado ou tese de Doutoramento.
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
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quarta-feira, 17 de abril de 2019

Não dêem às notas a importância que elas não têm!


Há momentos do ano em que tenho medo. Como este, que é altura de notas. Porque muitos pais, orgulhosíssimas dos seus filhos, lhes criam a eles e às outras crianças circunstâncias muito difíceis!


Por favor,
Fiquemo-nos por aquilo que se passa nos quatro primeiros anos do ensino básico. O que se ganha quando se expõem, nalgumas escolas, as notas destas crianças? Na verdade, não se trata de esperar que quer as suas dificuldades como os seus méritos sejam clandestinos, até porque as crianças se comparam entre si. Mas, mesmo assim, o que é que se ganha quando há mães e pais (embora, “regra geral”, os pais vão muito menos ver as notas dos filhos) a anotar as classificações dos amigos dos filhos, a comentá-las e a insurgirem-se com elas, em público, diante das próprias crianças? O que se ganha quando algumas destas crianças - que terão ficado aquém daquilo que as mães entendiam ser justo para os filhos - são severamente repreendidas, à frente de todos, e, muito pior, com o argumento de que o colega A e B tiveram melhores resultados que ele? O que se ganha quando algumas destas mães debatem no WhatsApp as notas das crianças, dando-lhes uma importância que elas não têm? 

O que se ganha quando há pais a premiar com comentários públicos de parabéns no Instagram as notas dos filhos, quando não fica muito claro se se congratulam com os resultados do seu trabalho ou com a forma como parecem alimentar a sua vaidade? E o que dizer quando são as próprias crianças a competir entre si por melhores notas e a chamar aos colegas com mais dificuldades, naquele momento, alguns nomes feios (porque, afinal, não aprendem da mesma maneira e à mesma velocidade)? 

E o que se ganha quando os pais, de forma demasiado passiva, reconhecem que há turmas do primeiro ano (!!) em que as crianças são “muito competitivas” entre si, como se os pais e as escolas fossem estranhos a isso, e nada pudessem fazer para pôr cobro a essa deriva e as escolas destas crianças fossem campeãs dos défices de atenção e não só não entendessem o absurdo que isto lhes representa como não deixassem de o incentivar, mais do que parece?
Por favor, as crianças saudáveis não tiram sempre boas notas! Aprendem com os erros. Precisam dos enganos. E crescem com os insucessos. E, convém não esquecer, que as notas delas são mérito seu, claro, mas também não são estranhas à sensatez dos programas, e à qualidade da escola e do ensino. 
Por tudo isso, o que se ganha ao transformarmos crianças, que todos desejamos que aprendam a aprender, em bons alunos? Haverá, por acaso, bons alunos sem bons professores? E não é, igualmente, verdade que as notas de algumas destas crianças são um trabalho de parceria com alguns destes pais e mães, que estudam com elas, e que, por vezes, prescindem do seu trabalho em nome dos resultados escolares dos seus filhos? E não é verdade que todas as crianças são inteligentes e todas elas têm, nalgum “cantinho” da sua aprendizagem, algumas necessidades educativas especiais?
Por tudo isso, por favor, não atribuam às notas a importância que elas não têm. E não se esqueçam que, na ânsia de as terem a conquistar bons resultados, há pais e escolas a transformar crianças saudáveis em “alunos” com dificuldades…
Eduardo Sá
Fonte: eduardosa

terça-feira, 16 de abril de 2019

Rejeitar a indignidade


"Rejeitamos os novos muros civilizacionais, rejeitamos a escravatura moderna e a exploração dos mais frágeis e indefesos, rejeitamos o egocentrismo esmagador de todas as solidariedades e a indiferença perante o sofrimentos de quem se vê privado dos seus direitos individuais básicos.


Rejeitamos a indignidade de jogar com a fraqueza e a ignorância de tantos para as por ao serviço de alguns, poucos e perversos, candidatos a alcandorar-se em todos-poderosos do mundo e rejeitamos que continue a haver minorias perseguidas ou marginalizadas, que as mulheres não sejam ainda tratadas como, de facto, livres e iguais em direitos e que tantos milhões de crianças, por todo o mundo, estejam a ser privados de alimentação, casa e família...
Rejeitamos a frieza esmagadora do "admirável mundo novo" que Huxley nos apresentou e com o qual talvez tenha querido alertar-nos... Era tão cedo (1932) e deixamos que, de repente, se fizesse tarde e o tempo parecer-se esgotar-se...
No entanto, contra ventos e marés, provaremos que o tempo não se esgotou, e não! Não é tarde de mais! Queremos dar à Democracia todo o virtuosismo e toda a força que pode comportar, anulando o que de sinistro aberrante pode ser gerado a partir dela. Somos profissionais de Educação ou do Ensino e temos em mãos um manancial inesgotável de ferramentas transformadoras, de mentalidades e de práticas.
Queremos perpetuar Mandela - A Educação é a arma mais poderosa para transformar o mundo - em cada momento, em cada dia do nosso caminho, atravessando gerações. (...)"

Excerto da Editorial da revista A Página da Educação, com assinatura de Ana Brito Jorge.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Quatro anos perdidos no Sistema Educativo


Um autêntico navio sem rumo. Navega ao sabor dos ventos e das marés. Guia-se pelas estrelas e não pelos instrumentos ao dispor. Não tem um verdadeiro comandante. Sobe e desce escadas, anda, desnorteado, entre a proa e popa e manda pela borda fora quem não lhe interessa. Apresenta-se risonho, rindo, talvez, de si próprio, distribui diplomas, ridículos prémios de meritocracia e nem conta dá que a tripulação boceja e apenas não tem coragem de o mandar cantar para outra freguesia. Agacha-se, porque precisa do salário, desencantada, cansada, muitos com sinais de "burnout", contando os dias para a pausa pedagógica e as férias. Chegará o dia. Inevitavelmente. Porque nestas águas, mesmo que turvas, os barris de azeite tenderão vir à tona. A tripulação já não aguenta tanta incompetência, tanto papel, tanta grelha, tanta "ordem de serviço" vindas do ineficaz "comando", tanto paleio desconforme com a sua formação na "escola náutica". É sensível que o navio, com 6.500 tripulantes e quarenta e tal mil a bordo, tem a proa bem dentro de água, neste mar de ondas alterosas. E o comandante continua impávido e sereno. Ri-se! Ele e o seu superior hierárquico que, algumas vezes, parece um chefe distraído e sem opinião. 


Deixo a metáfora e fixo-me no assunto mais sério. Apressadamente, caminhamos para mais quatro anos de insucesso no sistema educativo. Quatro anos de paleio, de mistificações, de alheamento das obrigações constitucionais públicas para oferecer, de bandeja,  quase cem milhões ao privado. Quatro anos de um arrepiante faz-de-conta, de algumas perseguições, directas e indirectas, de total submissão dos quadros intermédios, de continuado sequestro da autonomia administrativa, gestionária e financeira dos estabelecimentos de aprendizagem, de sucessivos cinismos e ouvidos de mercador, relativamente ao que é dito em jornadas, congressos, seminários, revistas, livros e outros, onde tudo entra a cem e sai a duzentos, prevalecendo a vontade de um ou de uns que abdicam do conhecimento para seguir os caminhos da ideologia dominante. Não existe(iu) um rasgo de pensamento crítico, de provocação bem intencionada, de colocar, em cima da mesa, sem qualquer receio, os assuntos mais importantes, discutindo-os com humildade, frontalidade e profundidade. Quatro anos onde se continuou a assistir, sensível publicamente, a um divórcio com as instituições universitárias, instituições que investigam, que possuem excelentes quadros, mas que deles o "comandante" parece nem querer ouvir os necessários alertas e conselhos. Mais quatro anos vividos na torre de marfim, escudado em falsas verdades, de palavras de circunstância em fóruns para escutar os aplausos da plateia (normalmente, a plateia aplaude toda a gente), quando nos estabelecimentos de aprendizagem continuam as eternas rotinas de uma máquina velha, ferrugenta e desadequada no tempo. 

Se alguém pensa que compra o voto dos professores com os nove anos, quatro meses e dois dias de tempo congelado, está totalmente enganado. Alguns poderão ficar agradecidos, mas não esquecem os tormentos, as tensões, as depressões, as incompreensões, as ameaças, as intermináveis burocracias, as fusões de escolas, a indisciplina, as faltas de tanta coisa necessária, as violações de consciência e os atentados contra a sua dignidade profissional. 

Não esquecem, porque são adultos, e porque, na cabina de voto, naquele acto solitário, em segundos sobressairá a história das angústias relativamente ao merecido docinho do avanço na carreira. O que aqui escrevo é o resultado de conversas que tenho com vários professores, mensagens que me chegam de pessoas identificadas, que assim pensam e com os quais concordo nas observações globais que produzem. Uma coisa são os direitos salariais, outra é a questão mais profunda e que a milhares preocupa: o sistema educativo. No fundo, que sistema estão a proporcionar para que, daqui por dez, quinze anos, o sentimento que reste seja o de que valeu a pena.

A robótica e as salas de aula do futuro são acenos marginais. Quem por aí caminha está a ver o problema ao contrário ou, no mínimo, não demonstra qualquer sentido de prioridades. E essas são, desde logo, no quadro da Autonomia, as de natureza organizacional, curricular, programática e pedagógica e, a montante, as de natureza social. A robótica não vem resolver nada de fundo. Antes disso há muitos aspectos a rever. Servirá a uns, certamente, servirá algumas empresas interessadas em vender equipamentos, obviamente que sim, mas não servirá de caminho seguro na antecipação do futuro, simplesmente porque é um erro encurtar etapas. Da mesma forma que uma, duas ou três "salas do futuro" de nada servirão quando a lógica organizacional e pedagógica do sistema assenta em uma base de genérica incultura. 

Há medo de mudar, de forma serena e consistente, há medo de questionar, há medo de sair do conhecido e de partir no sentido da descoberta. Há receio em perder a mão e o controlo sobre as escolas e há pavor daqueles que fogem à rotina e tentam ver para além do horizonte. A mentalidade reinante do regime, salvo os contextos e a distância histórica, "é que os jovens não precisam de pensar porque há quem pense por eles". Nem os jovens nem os professores. Isto significa que o sistema enferma de uma genérica falta de inovação e, daí, de qualidade, porque é centralista, não permite espaço à criação, funda-se no repetitivo e em uma pressuposta aprendizagem de assuntos para esquecer, ainda porque está, sobremaneira, obcecado na avaliação e não no conhecimento e na cultura. Vive do anúncio de iniciativas desfasadas da realidade o que me leva a concluir da existência de um espartilho que comprime e sufoca a liberdade de ensinar e o gosto por aprender. E sendo assim, foram mais quatro anos a ver navios... a afundar!
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
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domingo, 7 de abril de 2019

AO SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO... DEITE O AR FORA E SEJA HUMILDE


Li o artigo de opinião da Drª Sara André,ex-Deputada do PSD-M, publicado na edição de hoje do DN-Madeira. A páginas tantas, sobre o processo movido ao Professor Joaquim Sousa, o do Curral das Freiras, a quem o secretário, maldosamente, retirou seis meses de salário, a articulista foi contundente e absolutamente assertiva. Já em Março de 2019, registei uma sua interessante passagem sobre os silêncios, embora em um outro contexto: "(...) Silêncios de quem nada faz. Silêncios de quem pode fazer. Silêncios de quem tem responsabilidade e obrigação de fazer (...)". 

Mas, hoje, o que ela quis transmitir, dedução minha, claro, é que o secretário da Educação deve deitar fora o ar que lhe enche o peito da vaidade e que seja humilde. Porque só é grande quem é humilde.

"(...) Sobre o caso do professor Joaquim da escola do Curral das Freiras, tanto por dizer que se resume a isto, em “bom” madeirense: “deixem-se de p***********, já mete nojo”. Quem deve ter bom senso, acabe com esta novela que já é nacional e só nos envergonha. Para além dos editoriais, artigos de opinião, intervenções na TV ao nível nacional, até motivo de gozo somos pelos humoristas de referência, tendo em conta o ridículo da situação".

Considero esta passagem frontal e sobretudo de BOM SENSO. Parabéns Drª Sara André, pela sua sensatez e lucidez.

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

RANKINGS DAS ESCOLAS - UMA ABERRAÇÃO SOCIAL E PEDAGÓGICA


FRANCISCO SIMÕES
Escultor
JM - 31/03/2019

É absolutamente incrível como não existe ninguém no Ministério da Educação que diga ao Ministro que os Rankings são um erro pedagógico.

É absolutamente inconcebível que não exista ninguém no Governo que diga ao Primeiro Ministro que os Rankings das Escolas são um terrível erro social.
Francisco SimõesÉ absolutamente inacreditável que não exista na Assembleia da República um só deputado que diga ao Governo que os Rankings das Escolas são um erro político.
Todos parecem aplaudir esta competição reles e vil, todos parecem regozijar-se com as escolas que ficam nos lugares do pódio.
Poucos ou quase ninguém se preocupam com as escolas que ficam mal classificadas, ou mesmo, nos últimos lugares do Ranking.
Porque se criaram os Rankings? Para se diminuir e humilhar as escolas públicas e publicitar e promover o ensino particular contra o qual, devo dizer, não tenho nenhuma adversidade.
A realidade demonstra-nos várias realidades:
Primeira realidade – Quem vai para o ensino particular são os filhos de pessoas com bom nível de vida e, eventualmente, bons conhecimentos literários.
Os estabelecimentos de ensino particular, podem seleccionar, rejeitar, um aluno, se este for menos dotado, logo aqui, começa uma selecção elitista profundamente injusta;
Segunda realidade – As escolas públicas ou privadas dos grande centros urbanos têm uma frequência de alunos provenientes de classes sociais, no mínimo, instruídas e com acesso a bibliotecas, museus e outros locais de culto intelectual e/ou artístico;
Terceira realidade – As escolas públicas ou privadas existentes em zonas periféricas ou em regiões rurais, de forte isolamento, terão, eventualmente, alunos de classes sociais menos instruídas economicamente, mais carentes e onde quase sempre se verifica uma grande ausência de estruturas de cultura e de comunicação.
Então, achamos que estas realidades são comparáveis?
O nosso País é, na Europa, o que apresenta maiores desigualdades sociais e, pelo facto, não podemos deixar de responsabilizar os sucessivos governos e os sucessivos ministros da educação, que não se apercebem destas disparidades e destas desgraças sociais. Exige-se pois ao Ministro da Educação algum pudor pelo que provoca de humilhação às escolas, aos professores e aos alunos. Um governo e um ministro da educação que humilha milhares de famílias para poder demonstrar que “os dele” são os melhores, são os primeiros, são os sabichões.
Pudor, senhor Ministro da Educação, tenha pudor, vá para casa pensar, porque será que alguém que nunca deu aulas na vida e nunca teve na sua frente alunos para poder compreender as realidades socioculturais do país, porque será que é ministro?

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Os peões vão derrubar o rei. O xeque-mate anda por aí!


Permito-me transcrever um comentário de Helena Bento, deixado na minha página de facebook, a propósito do texto que publiquei sobre a sansão de seis meses sem salário, aplicada ao Professor Joaquim José Sousa.

"A traição sempre trai o traidor. A professora Sílvia lá terá o que merece. Infelizmente competência, trabalho, dignidade, lhaneza, excelência (e outras tantas qualidades) são vistas por chefes e superiores como uma afronta pessoal. Quem ousa demonstrá-las sempre paga um alto preço (há muitas Sílvias disponíveis para levar a cabo o trabalho sujo de alguém)". 

Há, de facto, em abstracto, muitas Sílvias por aí. Por razões múltiplas. Quando li o comentário, que agradeço, lembrei-me da "Chuva" cantada por Mariza:

"(...) 
Há gente que fica na História
na história da gente
E outras de quem o nome
lembramos ouvir" 
(...)

Pois é. Não ficam na História os protagonistas desta novela de baixíssima qualidade. Sobretudo não gosto(ei) do desempenho de Sílvia Morgado de Carvalho. O papel é tão fraquinho na novela que não dá sequer para reciclar. Estou certo que o realizador, encenador e o "artista" transportarão, ao longo da vida, o remorso pela participação. Nem sei com que à-vontade se cruzarão daqui para a frente com outros actores. Mas vamos ao que interessa, deixando para traz participações que, tal como canta Mariza, no futuro, "de quem o nome lembramos ouvir".   
Para além do Professor Joaquim Sousa há mais casos. Tenho recebido mensagens particulares muito interessantes e até denúncias de casos que, para já, mantenho sob reserva. O que me leva a dizer, porque se trata de assuntos políticos (sistema educativo), daí a sua natureza pública, que o secretário da Educação tem muito que explicar. Por isso, tenho muita dificuldade em aceitar o silêncio desde  os líderes dos estabelecimentos de aprendizagem até à generalidade dos professores. Será por medo? Medo de quê? Medo, quando há Colegas encostados à parede, sancionados com perdas de salário e outros em vias de o serem, por razões que nem ao diabo lembra? Para já fico por aqui. Entretanto, convido a personagem Sílvia Morgado de Carvalho a cantarolar a "Chuva" de Mariza. Vá lá... um, dois, três...

"(...) 
Há gente que fica na História
na história da gente
E outras de quem o nome
lembramos ouvir" 
(...)

Ilustração: Google Imagens.