sexta-feira, 27 de abril de 2018

COM QUE INTENÇÃO? NÃO SEI!


Da edição de ontem do JM: "171 professores a faltar às aulas (...) Com o ano letivo a entrar na reta final, há 171 docentes fora das salas de aulas na Madeira. Entre esses, mais de 100 estão de baixa médica e há 33 com licença de parentalidade". É óbvio que são reduzidas as possibilidades dos jornalistas de contabilizarem tais números. Alguém os facultou e esse alguém, até prova em contrário, poderá ter sido a própria secretaria regional da Educação. Se foi, com que intenção, não sei! De qualquer forma, considero anormal que, descontextualizadamente, possa constituir um ataque aos professores, da mesma forma que fico "com a pulga atrás da orelha" quando aquela notícia surge no dia seguinte a uma manifestação de professores à porta da Assembleia Legislativa, onde o secretário foi confrontado com o problema da vinculação de professores. Há muita coincidência. E se se confirmar, isso não é bom para um sistema que necessita de serenidade. O tempo dirá os motivos subjacentes desta notícia.

Entretanto, o Sindicato de Professores da Madeira produziu e divulgou o seguinte comunicado:


"O Sindicato dos professores da Madeira repudia quaisquer notícias alarmistas que pretendam pôr em causa o profissionalismo dos docentes, pois não tem dúvidas de que esta é, claramente, uma classe constituída, na sua esmagadora maioria, por profissionais dedicados e abnegados, como têm mostrado sucessivos estudos nacionais e internacionais que têm analisado os índices de confiança da população portuguesa em relação a vários setores profissionais. O mesmo tem acontecido com o reconhecimento em relação aos docentes de várias organizações internacionais, como a OCDE.
Por outro lado, o SPM não pode deixar de emitir os seguintes esclarecimentos:
· É um erro crasso (partindo do princípio que se tratou de um ato inconsciente) considerar como “faltas ao serviço” ausências por doença, licenças de parentalidade e de casamento, gravidezes de risco, assistência a filhos e acidentes de trabalho.
· É manipulação da informação, que deveria ser, sempre, isenta, recorrer a títulos bombásticos sem qualquer rigor, como acontece quando se lançam números supostamente escandalosos em que se misturam situações díspares como atestados médicos, gravidezes de risco, assistência a filhos, acidentes de trabalho e licenças de parentalidade e de casamento.
· É demagogia escrever artigos em que se trata como incompetência profissional direitos consignados não só na Constituição da República Portuguesa mas também em várias leis de proteção dos cidadãos.
· É desviar a atenção dos problemas quando, no dia a seguir a uma manifestação que reuniu dezenas de docentes contratados, prejudicados por sucessivos governos regionais, se divulgam números adulterados que mais não pretendem do que justificar opções políticas contrárias à promoção do emprego estável e justo.
Por fim, o SPM chama a atenção para a irrelevância da percentagem dos docentes de baixa por doença (apenas 1,6%) e desafia a comunicação social a realizar investigações sérias comparativas para que se desmistifique, de uma vez por todas, a ideia de que os docentes abusam dos atestados médicos. Na verdade, o que os docentes desejavam era estar imunes a doenças, acidentes e quaisquer outros problemas que os impossibilitam de desempenhar a sua profissão em certos períodos".
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

EDUCAÇÃO - MAIS UMA LEGISLATURA PERDIDA


A Legislatura caminha para o final. Não é tempo de balanço, obviamente. Mas é tempo de deitar um olhar sobre os decorridos três anos e observar se alguma coisa foi realizada ou, no mínimo, gizada. Lamento dizê-lo, a Madeira perdeu mais uma legislatura. Daqui até ao final já não há margem para inverter este quadro de trágica letargia. A política educativa regional encontra-se bloqueada por uma constante e enervante sonolência. Foram três anos de rotinas, sem qualquer rasgo de inovação, sem um discurso sustentado do que pretendem para o futuro, portanto, marcados por uma atitude apática difícil de entender. Entre não ter projecto e a definição de um caminho de ruptura com o passado, a todos os níveis, mesmo que sujeito às diversas análises e eventuais críticas, o secretário regional preferiu a primeira. No seu cantinho, nada de ondas, umas idas aqui e ali, umas palavrinhas de circunstância, uns diplomas no quadro da meritocracia, uma presença institucional em conferências e chega! Aquilo que é substancialmente ESTRUTURAL, como hei-de dizer, a manifestação do desejo de colocar o sistema a nu, discuti-lo e, com coragem, virá-lo de pernas para o ar, foi coisa que para aí o governante não esteve virado.



De facto, o sentimento que transporto é que a secretaria da Educação preferiu não colocar em cima da mesa, de forma honesta, profunda e frontal, as questões organizacionais do sistema, questionando, como enquadrá-las e operacionalizá-las, no sentido de um novo paradigma. Uma postura de estudo e motivação, distante da habitual centralização.
Poderiam os responsáveis políticos começar por uma simples interrogação: estabelecimentos de ensino ou instituições de aprendizagem? Logo por aí, provavelmente, as respostas seriam muitas. Porém,  porque envolto em um manto de silêncio, o dignitário acabou por tornar a sua política absolutamente redutora, com escolas cada vez mais dependentes e subservientes e pior, ainda, acabou por mandar a regionalização e a Autonomia às malvas. Enterrou-as ao invés de gerar ambientes promissores de um sistema educativo próprio. E esse desiderato é possível, lutando por uma futura alteração constitucional (Artigos 164º e 165º - Reserva absoluta de competência Legislativa vs Reserva relativa de competência legislativa), embora essa ambição não fosse nem seja circunstância impeditiva que, no âmbito da Constituição em vigor, sejam dados passos importantes em vários domínios.
Sejamos claros: não é a Constituição da República que impede, por exemplo, um formato organizacional diferente; a verdadeira Autonomia, Gestão e Administração dos ainda designados estabelecimentos de ensino; uma outra concepção arquitectónica dos espaços escolares; o número de alunos por escola; a diferenciação e autonomia pedagógica; uma nova visão em matéria de avaliação, hoje, absolutamente caricata e obsessiva; a capacidade de dizer não aos exames no Ensino Básico; o respeito pela competência dos professores; a escola vista pelo ângulo da cultura; o desmantelamento da pesada estrutura institucional da secretaria, enfim, a Constituição não impede esse trabalho extremamente complexo, como não impede uma actuação inteligente no quadro de uma acção a montante da escola, de forma compaginada, obviamente, com a Inclusão e Assuntos sociais.
Não foram dados passos consistentes nesse sentido, daí que o sistema educativo na Região se encontre, atrevo-me a dizê-lo, à deriva. Anda de subterfúgio em subterfúgio, entre palavrinhas mansas e garras afiadas, entre zangas e processos disciplinares. Eu diria que é consequência de muitos anos de constante sonolência que acabou por contagiar um político jovem. Qual metáfora, sofre do efeito "clearasil", o tal medicamento que a publicidade dizia produzir a sensação de absorção das borbulhas. Lembram-se? O sistema é a borbulha. Dir-se-á que foi absorvido pelo sistema. Ainda ontem, com cravos na mão oferecidos pelos professores, disse que, devido a aposentações tardias, o sistema não podia dar resposta à vinculação de tantos professores que, há anos, desesperam por ver a sua vida mais estável. Faltou alguém dizer-lhe, olhos nos olhos, que "não existem professores a mais, mas sistema educativo a menos". Era o  momento de lhe dizer: que é tão legítimo propagandear algumas iniciativas como únicas no espaço nacional, como é criticável, na Madeira, serem necessários mais anos de serviço do que no Continente para conseguir um vínculo profissional! Dizer-lhe, ainda, que o sistema evidencia tantas carências básicas por resolver e que, para já, muito antes do paleio de circunstância da robotização, deve, primeiro, cuidar dos professores e dos alunos.
O sistema está paralisado por anos e anos de erros acumulados, por gente que não se deixou fecundar pelo conhecimento, paralisado por macrocefalias e decisões desajustadas, consequência, também, dos quadros intermédios, muitos que por ali se arrastam, esquecendo-se que tudo tem o seu tempo! É preciso ter sempre presente que a inovação está do lado de fora e que, raramente, tem origem dentro das instituições, sobretudo naquelas que olham mas não conseguem ver, facto que os leva a perpectuar o erro. Não conseguem ver o mundo através da janela dos gabinetes, restando-lhes o pequeno mundo dos corredores e salas, o mundo dos papéis e da comunicação social, como se ali morasse o centro de tudo. É, por isso, que, desencantados, alguns preferem mandar o sistema às malvas.
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 24 de abril de 2018

A ARTE DE MANIPULAR


O Secretário Regional de Educação tem demonstrado habilidade na arte da manipulação dos factos, pelo modo como os comunica e divulga a informação. Aliás, se não evita tomar ou adiar decisões, não assume a discordância e impopularidade das mesmas, quando as toma, optando por usar uma linguagem eufemística ou a manipulação informativa.


Um dos exemplos mais recentes, bem propalados, foi a questão da contagem integral do tempo de serviço docente para efeitos de progressão nas carreiras. Depois de muitas reuniões e compromissos, o Secretário assumiu publicamente, antes da greve e marcha marcadas pelo Sindicato dos Professores da Madeira, que os docentes recuperariam os mais de 9 anos de tempo de serviço congelado. Para alguns docentes, este período é maior, pois já não progridem desde 2004, por inércia legislativa. Todos criaram boas expetativas, naturalmente, mas passados quatro meses, nada se sabe de concreto. Ou seja, quando sai notícias da secretaria são sempre positivas, mas a realidade é bem diferente.
Outro exemplo, ainda mais atual, é a propósito da alteração ao regime de concursos na RAM. Os títulos noticiosos levam-nos a crer que as alterações aos diplomas foram bem recebidas pelas organizações sindicais, quando se veio a saber que era uma informação falaciosa e atentatória da credibilidade dos sindicatos. As propostas substanciais dos sindicatos não foram acolhidas, o que significa que pouco se alterou das propostas que foram a base de negociação.
As notícias dão conta que passará a haver apenas duas zonas pedagógicas, mas não diz que implicações isso terá, incluindo a dispensa de docentes contratados. Anuncia-se a eliminação da bolsa de substituições, mas não se diz que havendo apenas duas zonas e a criação de uma reserva de recrutamento, retira-se a necessidade da bolsa. Aliás, com a reserva de recrutamento, não se entende porque se reduz o número de zonas pedagógicas. O governo propõe mais uma vez fazer um concurso de vinculação extraordinária, quando o diploma de concursos prevê a vinculação dos docentes em funções durante 5 anos ininterruptos com horário anual e completo, pressupondo que se realizem concursos externos anuais. Para não se cumprir estes pressupostos, interrompeu-se a sucessividade de contratos a largas dezenas de docentes que se viram impossibilitados de vincular e agora, como benesse, vincula-se extraordinariamente. Fica melhor nos títulos.
Sr. Secretário, assuma as suas decisões, sem manipulação.
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
Artigo de opinião, da autoria da Drª Sofia Canha, publicado na edição de hoje do DN-Madeira.

sábado, 21 de abril de 2018

SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO DECLARA GUERRA


Carta do Leitor, publicada na edição de hoje do DN-Madeira, que pelo seu interesse aqui reproduzo


"Foi com muita estupefação que os professores receberam a proposta da Secretaria de Educação para o próximo ano letivo. Entre as inúmeras barbaridades destaca-se, de forma descarada, o fato de o Sr. Secretário da Educação (que infelizmente como tantos outros dos seus antecessores) esquecer-se completamente de que também já foi um professor e querer “despachar” professores contratados que desesperam há 15, 12, 10 anos pela ilusão de entrar numa carreira, que foram barbaramente injustiçados há 4 anos atrás quando lhes foi cortado, propositadamente, o vínculo (contratando-os apenas em Outubro em vez de Setembro) de forma a impedi-los de vincularem. Agora, e quando no Continente já é cumprida a vinculação aos 3 anos, como exige a lei, na Madeira mantém-se, inacreditavelmente, a vinculação aos 5 anos consecutivos, especialmente porque já está em ação um plano para voltar a tramar os mesmos professores que foram “roubados” e impedi-los de chegar de novo à vinculação necessária e merecida. Há quatro anos atrás, numa das maiores vergonhas feitas aos professores madeirenses, digna de um país de terceiro mundo, com regras ridículas feitas à medida para “amigos” e “sobrinhos”, impediu-se professores com dez anos de carreira de vincularem, enquanto outros, com o mínimo de anos possíveis de serviço entraram na carreira. Agora, essas mesmas pessoas, que inacreditavelmente continuam nos mesmos cargos (ou rodam entre eles), “cozinham” um novo atentado aos professores contratados, um plano que visa sobrecarregar os professores de quadro existentes e assim cortar o maior número possível de professores contratados e voltar a evitar que eles atinjam (de novo) os 5 anos consecutivos. Todo o país e os Açores vinculam aos três de serviço consecutivo, só a Madeira recusa-se a repor a legalidade. Mais uma vez de FORMA DESCARADA. O Sr. Secretário, repete, vez após vez, que os 400 contratados atuais apenas suprem necessidades temporárias mas nunca refere que esse número é sempre mais ou menos constante nos últimos 15 anos e que muitos desses professores suprem “necessidades temporárias” há mais de 10 anos. Apenas são mão de obra barata e precária? Como poderia explicar isso? Infelizmente deixa de dar aulas, deixa de ser professor e torna-se político profissional. Em vez de aproveitarem a oportunidade de reporem a injustiça feita há 4 anos, preparam-se para cometer de novo a mesma imoralidade. Sr. Presidente Miguel Albuquerque, não é assim com estas jogadas do seu Secretário que se ganham eleições. Relembro que as cores partidárias no Continente são outras e repuseram a legalidade dos 3 anos. Os professores, junto com seus familiares, valem muitos milhares de votos e têm boa memória. Seria bom ter isso em conta antes de tentarem fazer passar os professores por parvos. No dia 25 de Abril, dia de celebrar a liberdade, os professores contratados vão mostrar que têm voz. Apelo aos colegas que se juntem na manifestação junto à Assembleia. Chega de precariedade e injustiça ditada por aqueles que se eternizam na nossa secretaria com os mesmos vícios e jogadas de favorecimentos que para beneficiar alguns prejudicam muitos outros. Tem pessoas naquela Secretaria que deveriam ter-se demitido 4 anos atrás e continuam em cargos de realce. Acabem com esta vergonha. Reponham as injustiças que têm caído sempre em cima dos mesmos."
Dina A.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

GOVERNO, PARTIDOS, PROFESSORES E PAIS, OIÇAM TONY WAGNER


TONY WAGNER é Diretor do Laboratório de Inovação da Universidade de Harvard. "Os bons professores devem mudar o papel que desempenharam até agora para se tornarem a força motriz por trás do talento dos seus alunos. A curiosidade e a criação artística, diz ele, estão inscritas no DNA do ser humano, por isso devemos perguntar-nos o que fazemos de errado com as crianças para que percam essas inquietudes quando se tornam adultos". O Professor acaba por repetir a grande vaga pela mudança que deve consubstanciar uma educação para hoje com repercussões no futuro. Ao longo dos anos tenho assistido a tantas manifestações naquele sentido, são conferências, palestras, formações, gabinetes de estudo, eu sei lá, mas tudo permanece igual. Os mesmos que promovem as iniciativas são os mesmos que, no dia seguinte, nada fazem para alterar o sistema. É pena. Por isso, oiçam Tony Wagner.

     

segunda-feira, 16 de abril de 2018

SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO INCOMODADO... COM "URTICÁRIA" POR RESULTADOS QUE NÃO SÃO SEUS


Um político, com um mínimo de juizinho, desde que siga os pressupostos de uma boa liderança, resolve as questões das equipas com quem trabalha, através do diálogo e da persuasão, nunca através da perseguição e do peito cheio de ar. 


FACTO

A 20.03.2016 escrevi um texto a partir de um trabalho do jornalista Márcio Berenguer publicado no Jornal Público. Eis um excerto:
"(...) Na Escola Básica 123 do Curral das Freiras que há alguns anos se situava nos últimos lugares (1207º) do ranking nacional de escolas, saltou, no último, para as da frente, com a melhor média entre os estabelecimentos públicos no exame nacional de 9.º ano. O interessante é que “tem 300 alunos, não tem campainha, nem trabalhos de casa e os horários das aulas batem certo com os do autocarro”. Uma escola onde 92% dos alunos beneficiam da Acção Social Educativa (...)".

COMENTÁRIO

01. Na edição de hoje do DN-Madeira, o jornalista Élvio Passos, página 4, colocou em título: "Acusação a director da Escola do Curral prevê pena de suspensão". De facto, arrisca, porque o secretário da Educação anda incomodado e com sinais de "urticária" por resultados que não lhe pertencem.
02. A exposição mediática nacional que o "acusado" teve (em nome de toda a Escola), provocou a necessidade política de o travar, ao jeito de, "aqui, quem manda sou eu". Por exemplo, constou que a participação do Professor Joaquim Sousa, no programa da RTP "Fronteiras XXI", causou uma péssima digestão. 
03. Ao invés de gerar as condições para potenciar, ainda mais, uma escola tendencialmente diferente e com resultados, na perspectiva de multiplicar as boas práticas por toda a Região, a mesquinhez política começou a esgravatar com a ajuda da acéfala lupa da inspecção, para descobrir, aqui e ali, coisitas onde lhe pudessem cair em cima. 
04. Alegadas falhas administrativas serviram de mote para um processo disciplinar e condenação, para já, pública, onde até o presidente da Junta de Freguesia se arrogou no direito de meter a foice! 
05. Sobre tais falhas administrativas acresce questionar se, de facto, serão, ou se não será o sistema, em função dos resultados, que deve ser corrigido?
06. Significa este processo a confirmação que o secretário da Educação se apresenta como defensor da existência de docentes "mangas-de-alpaca", não de pensadores, criadores e inovadores, isto é, é uma entidade que repudia docentes que coloquem as crianças e jovens no centro da política educativa.

PERGUNTA

O que estará primeiro: os resultados da aprendizagem ou os procedimentos de natureza burocrática?

NOTA FINAL

Um político, com um mínimo de juizinho, desde que siga os pressupostos de uma boa liderança, resolve as questões das equipas com quem trabalha, através do diálogo e da persuasão, nunca através da perseguição e do peito cheio de ar. É feio, muito feio, por isso, há colaboradores desencantados e que se afastam. Saberá o secretário o significado de "liderança partilhada"?
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 15 de abril de 2018

HAVERÁ CLASSE DOCENTE?


Colega que muito estimo, há dias, conversando, desabafei sobre o ambiente de desmobilização entre professores, a todos os níveis que se possa enquadrar. De pronto ripostou: sabe, não existe classe docente! De facto, para existir uma classe, não no sentido da estratificação social e de tudo o que daí decorre, mas de um corpo de pessoas, no âmbito em que falávamos, preocupadas no plano profissional (salvo excepções) necessário se torna que estejam imbuídas dos mesmos princípios, de pensamento crítico, livre e de valores solidários. Nesta linha de raciocínio não basta cumprir o horário e o programa, participar neste ou naquele projecto, elaborar todos os relatórios e preencher todas as minuciosas grelhas, embora inconsequentes, solicitadas pela hierarquia, enfeitando os documentos com palavras melosas, enaltecendo ou batendo palmas às chefias, como quem aguarda algum benefício na próxima curva. Para o êxito de uma Escola ou de um sistema, isso valerá zero. Existe sentido de classe quando se lança um olhar e é sensível que uma larga maioria sabe onde está e onde quer chegar, luta por tais desideratos, não se acobarda, antes, democraticamente, faz valer a sua voz nos sítios certos, desde o conselho de turma à assembleia de escola, demonstra conhecimento e argumenta, sem receio, seja lá com quem for. Mais, ainda, é solidário com os colegas, não silenciando injustiças e pressões várias.

Caros professores: a Escola não tem dono específico. A Escola brota da sociedade, logo, é pertença e responsabilidade de todos. Ninguém tem, no plano político ou de circunstancial gestão de um estabelecimento de educação ou de ensino, o direito de subverter ou condicionar o pensamento e os diversos posicionamentos, apenas para agradar e demonstrar subserviência de A a Z da hierarquia política. Uma coisa é cumprir, escrupulosamente, os deveres estatuídos, outra é gerar e, subtilmente, impor, pelos diversos canais, o silêncio e um ambiente de cega obediência a uma só cabeça. Como se ela fosse portadora de uma qualquer "verdade absoluta". Portanto, se o "vértice estratégico" está errado ou emperrado, uma classe que se dê ao respeito, enfrenta-o com determinação. Se o sistema educativo está errado, tantos o dizem, a classe tem o dever e o direito de corrigi-lo. Não afrontar porque se beneficia de teias criadas e de alguns euros, porque se está à espera de um sim financeiro ou de horas para o projecto x, y ou z, significa isso demitir-se das causas maiores. No essencial o que está aqui em causa é um dos princípios do desenvolvimento: o da participação. O que equivale dizer, ou as pessoas participam ou os processos morrem. Tão simples quanto isto.
Confesso que nunca me dei mal com esta forma de estar e com a frontalidade. Fi-lo porque a batalha da Educação não se faz com silêncios e tolas subordinações. Faz-se no respeito por ambas as partes. O saldo, pelo menos na minha leitura, foi positivo. Questionarão, se adiantou alguma coisa, uma vez que tudo continua na mesma? Talvez, considerando que o exercício da cidadania activa implica, no respeito pelos outros, o permanente questionamento. No mínimo, não atraiçoei a minha consciência. Houve quem não gostasse, obviamente, mas a coluna falou mais alto. Porque sempre entendi que a classe devia se livrar das amarras impostas, dos erros grosseiros que caiem em cascata por incompreensão da realidade; devia sobrepôr-se, com humildade, à incompetência alardeada, em voz baixa, nos corredores e à mesa do café, entre uma e outra aula; devia estudar os diversos dossiês como pressuposto fundamental para desenvolver a capacidade de saber dizer NÃO. Lamento dizê-lo, mas essa saudável luta, feita de paixão e amor aos outros e à profissão, está cada vez mais distante. Daí que regresse à pergunta inicial: haverá classe docente? Convictamente, NÃO. Talvez, por isso, estamos onde estamos.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

PELO MEU DISTINTO COLEGA JOAQUIM JOSÉ DE SOUSA


O Dr. Joaquim José de Sousa, director da Escola do Curral das Freiras, foi formalmente "acusado" pela Inspecção Regional de Educação. Eu diria, frontalmente, desde logo e sem rodeios, porque estou cansado de ver uma certa ignorância altifalante, que o professor foi visado pelos medíocres do costume. Aprenderam pela cartilha partidária, a tal que estabelece a hierarquia à qual todos devem curvar-se, daí que, nada melhor do que seguir o "chefe", não o líder, optar pela rotina e não pela inovação, pelo nariz junto ao joelho e não pela coluna erecta, pelos salamaleques de concordância e não pelas atitudes que demonstram paixão pela formação de todos os que frequentam a escola. Por isso, repetem a cartilha, qual argamassa feita de tolice, medo e insipiência. Apresentam-se, assim, como importantes no meio da vulgaridade, quando, se estivessem atentos, perceberiam que "a ignorância só se combate com educação", não com saloias perseguições.


E assim, pergunto, quem são, que sabem de Educação e de Sistema Educativo? Quem são essas figurinhas, que assinam por baixo, dando cobertura a situações marcadamente partidárias? E quais as razões do silêncio de todos quantos, há anos, por ali andam? E quem é essa "inspectora" que descobriu as acusações plasmadas na nota de culpa? Quais os seus passados, o que trouxeram de novo ao sistema, que livros ou artigos de ciência escreveram e que pensamento expressaram, que valores defendem, que escola desejam? Desconheço.
A caracterização que faço é a do "chefe" que caminha pelos corredores do poder, com a ambição inversamente proporcional à competência; a daqueles que fizeram toda a vidinha naquele espaço, saltitando de serviço em serviço conforme os interesses; e, já agora, da "inspectora", pasmo em saber, que esteve a contas com um processo disciplinar antes de ascender aos olhos e ouvidos do "chefe". O alegado "crime" foi compensado! De "ré" passou a "juíza". Está tudo dito.
É este quadro que me deixa triste e revoltado. Eu que, aposentado, mas com 40 anos dedicados à Educação, bem poderia estar caladinho, vendo a tristeza passar, borrifando-me para o que vejo, porém, confesso, não consigo. Porque entendo que, com a EDUCAÇÃO ninguém deve brincar no plano partidário. A Educação é um desígnio da comunidade, que deve ser politizada, sublinho, nunca partidarizada. Quando não se aproveita as pessoas de valor que estão no activo e, ao contrário disso, persegue-se e boicota-se o diálogo, talvez porque se sintam diminuídas pelo êxito de outros, patente no facto da Escola do Curral ter tido mediatismo nacional, tal denuncia uma sintomatologia de inveja e de provocação que atenta contra a dignidade profissional do(s) visado(s). Em um quadro destes só pode existir uma resposta, a da cidadania, a do combate sem tréguas contra a prepotência e a maldade disfarçada com sorrisos, para que não avancem, julgando que fazem aos outros o que querem e entendem.
A Escola precisa de serenidade e esse aspecto não é possível com atitudes centralizadoras, de perseguição e chantagem; a Escola necessita de plena autonomia e isso não se consegue como bem caracterizou o Professor Licínio Lima: "sejam autónomos nas decisões que já tomámos por vós"; a Escola precisa de financiamento para que as dívidas acumuladas não sufoquem o projecto educativo; a Escola tem de sair dos seus muros convencionais e projectar-se na vida real, interagindo, no meio de todos os outros sistemas, analisando-os e compreendendo-os com o necessário pensamento crítico; a Escola não pode ser a mera repetição que prepara exames, quando, hoje, os alunos interagem com o conhecimento de forma diferente das gerações passadas; a Escola não precisa de um fatinho de tamanho único, mas do respeito pela diversidade cultural, expectativas e potencialidades de cada um; a Escola não pode ser professores, por um lado, alunos, por outro, auxiliares que cumprem ordens, pais distantes, antes uma comunidade em aprendizagem permanente, onde todos dão e recebem; a Escola não deve caracterizar-se pela imensidão de pequenos projectos desarticulados no tempo, antes pela existência de um só projecto, aglutinador e portador de futuro; a Escola não deve ser conservadora e reprodutora de modelos sociais, com um currículo e disciplinas desconjuntadas no tempo, antes um espaço de criação, inovação, de cultura, de auto-estima e de afectos, capaz de gerar, paulatinamente, os pressupostos da curiosidade; a Escola não deve fundar-se na burocracia, nos papéis, muitos papéis que circulam e enervam, tarde ou cedo destinados ao arquivo morto, à prateleira final de circulares e normativos, a maioria repetitivos e desnecessários, mas que justificam os lugares que a hierarquia política ocupa; a Escola é muito mais que sumários e pormenorizadas grelhas de avaliação, com percentagens para tudo, encaixotando a diversidade social entre 0 e 100%, antes a disponibilidade para o conhecimento, produção de saberes consistentes e fermento para a vida; a Escola não pode ser um local triste e enfadonho, antes um espaço de prazer pelo estudo, pela descoberta e pelo desenvolvimento da curiosidade que conduz ao conhecimento sustentado; a Escola não pode caracterizar-se por um sentido individualista, quando as áreas de intervenção profissional fazem apelo ao trabalho em grupo; a Escola não pode assentar em exaustivos programas e conteúdos para esquecer, antes o foco da sua missão deve centrar-se no pensamento, questionamento de tudo e descoberta de caminhos. Ora, tudo isto dá muito trabalho, ora se dá! Romper com o passado e com as rotinas assentes na lógica do toca-entra-toca-sai, é complexo. Eu sei que é difícil, depois de dezenas de anos, de uma classe docente envelhecida, assumir que educar é muito mais do que transmitir conhecimento enciclopédico e que o papel do professor deve ser hoje a de mediador e potenciador da descoberta. Mas é por aí que o caminho tem de ser trilhado. Para que o êxito aconteça e baixem os números do abandono e do insucesso.
Li, já tem uns anos, uma posição que me cativou, a de Izabel Sadalla Grispino, hoje aposentada, que desempenhou funções de supervisora de ensino: "(...) antes de colocar a educação numa vala comum, é recomendável examinar cada indivíduo, cada anseio, cada desejo embutido na personalidade. Escola é um suporte pedagógico vital para o crescimento individual, crescimento de valores voltados ao ser singular (...)". A tal "inspectora" e acólitos percebem a dimensão deste pensamento?
É este o erro do Professor Joaquim Sousa e dos que o acompanham na Escola. O erro da comunidade educativa do Curral assenta na luta contra o marasmo, contra o deixa andar, descobrindo, precocemente, as fragilidades, os transtornos de aprendizagem e actuando em consonância. Daí terem chegado ao reconhecimento nacional. Há erros de percurso? Pois, quem dirige, sem excepção, não está isento de falhar. Até a "inspectora" já falhou. Houve documentos que não foram preenchidos? Pois, até pode ser verdade. Agora, será que os burocratas não entendem que tais alegados incumprimentos valem zero perante a grandeza de querer partir da escola real para a escola ideal?
Mudem de registo e parem com intervenções revoltantes, abusivas e que transmitem o sentimento da perseguição e da maldade. Revejam a vossa "gramática" de escola. Se não conseguirem, mudem de profissão.
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

POLÍTICA EDUCATIVA - MADEIRA APRESENTA O PIOR NÍVEL DE ESCOLARIDADE DA PENÍNSULA IBÉRICA


Fonte DN-Madeira: "entre a população dos 25 aos 64 anos, apenas 16,6% tinham escolaridade média" - conclusão do estudo Península Ibérica em Números - 2017. Curiosamente, dita o estudo que, em Espanha, o valor mais alto foi atingido nas Ilhas Baleares com 28,5%. Interessante a diferença entre as duas comunidades autónomas. Na parte ibérica, a área Metropolitana de Lisboa apresenta o melhor resultado, com 27,3% e, em Espanha, o mínimo foi verificado na Extremadura com 17,2%. A Região da Madeira apresentou resultados piores que em 2015, no que concerne à escolaridade média, de acordo com os níveis 3 e 4 da classificação ISCED (ensino secundário e pós-secundário não superior - 12º ano ou profissionalizante. Uma situação que se reflecte no emprego, obviamente. Salienta o excelente trabalho do jornalista Francisco José Cardoso: "Na Madeira, actualmente, entre 17.300 desempregados inscritos, 62,3% têm, no máximo, o 3º ciclo do Ensino Básico (...) por grupos etários, 65,4% têm idades compreendidas entre 25 e 54 anos".


Se analisarmos esta síntese, uma palavra pode caracterizar a situação: desastre. É um desastre na política educativa, económica, social e cultural. Desastre que já estamos a pagar, face a um mundo global, competitivo e exigente. Aliás, estes resultados não são fruto do acaso. Há uma história de causas sectoriais na estrutura de construção da sociedade, onde tudo, ao invés de se encontrar interligado, mostra-se desarticulado, portanto, sem uma linha orientadora e portadora de futuro. É, também, a derrota da centralização. Quatro estruturas em falência explicam a situação: a familiar, a laboral, a escolar e a mentalidade de governantes e de governados. Podemos aduzir ou compaginar outras, mas, talvez estas, constituam o núcleo central do problema.
Durante os últimos 40 anos a prioridade não foi o ser humano como "obra" prioritária, esse investimento capaz de enfrentar os desafios de um futuro que, sublinho, sabíamos vir a tornar-se de uma enormíssima complexidade. Prevaleceu, exageradamente, como se não houvesse amanhã, a obra física, como designou Edgar Silva, a "fúria inauguracionista", que tomou conta da consciência de quem foi governo. A percentagem de cimento ou de carros vendidos caracterizou o crescimento. Hoje, qualquer cidadão atento sabe que essa política foi mortal para o desenvolvimento equilibrado, feito de acordo com a  cadência do tempo. Corolário: a eleição seguinte foi sempre fonte prioritária relativamente à geração seguinte. Perderam-se no labirinto dos interesses e de uma visão estrábica do desenvolvimento, onde a qualidade deveria ser a pedra de toque a todos os níveis. E assim criaram duas sociedades, a endinheirada, capaz de possibilitar aos filhos uma formação de topo; a pobre, tendencialmente escrava dos contratos a prazo, dos recibos-verdes e do salário escasso. Se isto não foi intencional, então, qual a outra justificação para aqueles pobres resultados?
E falam, de boca cheia, do sucesso, acenam com o empreendedorismo, com os incentivos à robotização, do Brava Valley, de projectos e mais projectos que encantam os distraídos, esquecendo-se, como há anos me disse o meu Amigo Engº Arlindo Oliveira, ao longo de uma cavaqueira, que permanecemos "vestidos de smoking, mas descalços". Não falam, nem desejam equacionar as grandes questões, a empresarial e laboral (há um estudo, que já tem uns anos, que prova o desequilíbrio, por ausência de planeamento, entre uma oferta para um milhão de habitantes, quando por aqui somos 250.000); não falam nem desejam equacionar as questões a montante de uma sociedade com mais de 30% de pobres e uma larga percentagem em pobreza persistente; não falam nem desejam falar da estrutura escolar, completamente ultrapassada na sua organização geral, no plano curricular, programático e pedagógico; não falam nem desejam falar sobre as características idiossincráticas que marcam, negativamente, o povo (nada tem a ver com aspectos de natureza cultural). Tudo isso tem sido paleio, abstração, porém, o resultado é aquele. Pergunto: por este caminho haverá futuro? Bastará chutar para Lisboa, como alívio da consciência, todos os erros estratégicos de uma terra Autónoma, com Estatuto Político-Administrativo próprio, com uma Assembleia Legislativa própria, com  um governo próprio e um Orçamento próprio?
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

NÃO DEIXAR ALUNOS PARA TRÁS?


Não deixar ninguém – mas ninguém mesmo – para trás é agora, como há 17 anos, um objetivo desafiante e que precisa de visão e apoios para se poder cumprir.



Em 2001 foi aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos uma lei designada por “No Child Left Behind” que se poderia traduzir em português por: “Não deixar nenhum aluno para trás.” Não cabe aqui evocar as muitas avaliações que foram feitas desta lei, mas sobretudo evocar o seu propósito maior de organizar o sistema educativo de forma a que pudesse servir – e bem – a qualquer e a todos os alunos. Basicamente, este programa procurou identificar um conjunto de conhecimentos e competências básicas que todos os alunos deveriam desenvolver ainda que eventualmente em graus diferentes.
Este propósito de organizar o sistema educativo de forma a servir todos e cada um dos alunos continua a ser – passados que são 17 anos da publicação desta lei – um objetivo ambicioso e um “estaleiro de obras”. Entende-se bem porquê: existem muitos alunos que não conseguem ter sucesso na escola e, por este motivo, reprovam ou abandonam precocemente a escola e a hipótese de a terminar com sucesso. Tem sido repetidamente demonstrado que a escola serve melhor uns alunos do que outros e não se encontra preparada para servir todos, para conduzir todos, sem que muitos sejam deixados para trás. Por este motivo, continua a ser muito radical e ambiciosa a meta que noutro contexto até poderia parecer óbvia e evidente: uma escola deve ensinar e educar todas as crianças que a ela recorrem. Ninguém ignora – professores, pais, comunidades, políticos – que o desenvolvimento da escola a afastou e afasta muito deste objetivo de educar todos os alunos. A forma unificada de transmissão de conteúdos resulta em benefícios para os alunos que aprendem da forma como a escola ensina e em prejuízo dos que precisariam de outras estratégias e metodologias para aprender. Por outro lado, a complexidade e a extensão dos programas leva a que muitos alunos não sejam capazes de acompanhar o galope implacável da cadência dos programas. E, se algum leitor tiver dúvidas sobre isto, passe algum tempo a ler os manuais que são feitos para os alunos do ensino básico e depois pense como é que uma criança de dez ou 13 anos pode entender e responder ao que é pedido.
Perante esta dificuldade da escola para ensinar programas complexos a populações muito diversas, procurou-se instituir nas escolas um sistema de apoio pedagógico. Este apoio procuraria compensar, recuperar os alunos que só por ação das aulas regulares não seriam capazes de atingir a fasquia – lá em cima – que o sistema instituiu; seria, assim, a forma de diminuir o fosso entre o desempenho dos alunos com mais dificuldades e os ambiciosos objetivos dos programas. Muitas expectativas se geraram sobre estes apoios: seriam eles certamente que poderiam fazer com que “nenhum aluno fosse deixado para trás”. Mas o certo é que estes apoios, se quiserem ser efetivamente úteis, têm de ser concebidos e organizados de forma bem diferente do que são feitos agora. Sinteticamente esta diferença poder-se-ia conceber em três pontos:
Em primeiro lugar, um apoio não deve ser uma pura extensão das aulas regulares. O apoio não é para voltar a dizer e a fazer exatamente o mesmo que se pede na aula regular. O apoio, pelo contrário, tem de explorar a sua potencialidade de personalizar a aprendizagem e identificar formas de aprender que devem que ser respondidas com diferentes estratégias de ensino. Conceber um apoio como “mais do mesmo” só serve, em muitas situações, para aumentar o tédio e a desmotivação para aprender. Depois, é importante que o apoio não seja um recurso que é acionado sem que tenham sido exploradas outras formas de o aluno aprender e estar incluído no ambiente de aprendizagem comum a todos os colegas. A primeira frente para combater o insucesso é a própria aula: o seu interesse, a motivação que implica, as estratégias que usa, os diferentes níveis de participação que implica, as diversas formas de trabalho que podem confluir para a aprendizagem de todos os alunos. Remeter alunos para o apoio sem esgotar todas as possibilidades que são exequíveis na sala de aula não contribui, por certo, para que todos os alunos possam aprender. Uma última questão sobre o apoio prende-se com o facto de todos os alunos precisarem de apoio. Muitos alunos usufruem de um apoio “invisível” (pais, centros de estudos, explicações) e outros têm um apoio “visível”, aquele que está no horário e é proporcionado pela escola. Todos os alunos podem precisar em algum momento da sua vida académica de apoios e isso é parte integrante do seu percurso.
Construir uma escola em que nenhum aluno seja deixado para trás é uma questão de Direitos Humanos. Ninguém ignora as dificuldades que se enfrentam para cumprir este desiderato: as escolas confrontam-se com dificuldades que muitas vezes – e no melhor da sua vontade e competência – não conseguem resolver. Por isso é tão importante insistir na relevância das condições de trabalho, na presença de recursos materiais e humanos, na centralidade do trabalho da escola na aprendizagem e na educação de todos os alunos.
Não deixar ninguém – mas ninguém mesmo – para trás é agora, como há 17 anos, um objetivo desafiante e que precisa de visão e apoios para se poder cumprir.

NOTA
Artigo de opinião de David Rodrigues
Público - 4 de Abril de 2018.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

segunda-feira, 2 de abril de 2018

O SISTEMA EDUCATIVO DEVE LIBERTAR-SE DA CARGA IDEOLÓGICA


Li, no DN-Madeira, edição de ontem: "24 escolas da Região com futuro incerto" (...) "Ensino privado compete com o público: o primeiro tem excedente de alunos e para o segundo não restam estudantes". O trabalho do Diário é fundamental para percebermos os contornos da política educativa regional. A 24 de Novembro de 2017, o mesmo matutino divulgou: "(...) os 25 milhões de euros que o Governo Regional reserva para apoio aos 69 estabelecimentos de ensino não públicos da Região, dominaram a sessão plenária de ontem, na Assembleia Legislativa". O que isto significa, na prática, é a crescente desresponsabilização do sector público nas políticas educativas. Daí que aquelas duas situações acabem por ser compagináveis, isto é, se, por um lado, atravessamos uma fase de saldo natural negativo (embora se assista a uma ligeira recuperação), por outro, o governo investe no sector privado, logo a incerteza quanto ao futuro de muitas escolas públicas.


A solução não está, por exigência Constitucional, no encerramento de escolas públicas e na dispensa de professores, mas no reajustamento da rede e na limitação dos subsídios ao privado. Estes  só devem beneficiar apenas nos casos onde o sector público não consegue dar resposta. Trata-se de um princípio, repito, Constitucional. E se, para alguns, a nossa Lei Fundamental está errada, então atrevam-se a mudá-la! Do meu ponto de vista, com o devido respeito que tenho pelo sector privado, enquanto direito à livre opção das famílias, não pode sobrepôr-se ao que a Lei determina. E não tem fundamento o argumento que, para o Estado, tanto faz onde se realizam as aprendizagens. Porque subsiste o interesse público e até uma lógica de escala. Não sendo assim, os impostos acabam por suportar os encargos derivados de ambos os sectores. Este é um aspecto, porventura o principal, mas existem outros. Por exemplo, não creio, até prova em contrário, que, na Madeira, os financiamentos ao sector privado, sejam desvirtuados nas suas aplicações. Mas, ainda hoje, o Jornal de Notícias, trazia em primeira página: "Colégios, cada gestor chegou a gastar € 824,00 por refeição". Isto a propósito do grupo GPS cujos alegados desvios estão a ser investigados pelo Ministério Público. 
No sistema educativo regional, obviamente, os que desempenham cargos políticos dirão que a rede escolar está bem e recomenda-se. Dirão, também, que no plano curricular, programático e pedagógico não há volta a dar. Dirão, ainda, que os subsídios ao funcionamento da rede privada se justificam, para além dos compromissos em obras de construção e ou manutenção dos estabelecimentos. Para esses, o processo não merece reparos. O que serve de base à argumentação são princípios ideológicos. E aí só as eleições poderão resolver. Mas há quem pense o contrário, que com a Educação em geral e o sistema educativo, em particular, não se deve brincar, até porque é o futuro que está em causa. E andam a brincar, claramente! 
Ilustração: Google Imagens.