terça-feira, 13 de agosto de 2019

Fantasmas nas escolas


Por
Armanda Zenhas
Educare

O “fantasma do arquiteto”, corporizado nas caraterísticas arquitetónicas da sala de aula ou de outros espaços da escola paira, assim, sobre todo o edifício escolar e é sentido de diferentes maneiras pelos vários grupos etários/ profissionais que dele fazem uso, conforme conseguem ou não sentir-se bem em cada um dos espaços e fazer deles um uso proveitoso.


“Fantasmas nas escolas”: estranho título para um texto. “Será certamente sobre o Carnaval, já que foi há pouco tempo.” - poderá o leitor pensar. Mas não, não vou dar conta de nenhum desfile de fantasminhas atempadamente preparado nas aulas com a colaboração das famílias. 
Uma notícia relativamente recente (10/11/2019) saída no jornal Público, “A EB de Matosinhos é uma escola nova mas já a precisar de obras”, lembrou-me uma mais antiga (30/09/2016), “Aulas no recreio devido ao calor nas salas”, referente ao Centro Escolar de Rebordosa (Paredes), publicada pelo Jornal de Notícias. A propósito desta última, publiquei então o artigo “Edifícios escolares: ambientes amigáveis e de aprendizagem?”
Nestas notícias consegui registar pelo menos quatro caraterísticas/problemas comuns às duas escolas, situadas em concelhos diferentes, com alguma distância a separá-los, e com localização em zonas geograficamente distintas. Em ambas existe muito vidro nas paredes; em ambas há janelas nas salas que não abrem; em ambas o calor dentro das salas é excessivamente elevado, mesmo no inverno (o que, obviamente prejudica a saúde e as condições de ensino-aprendizagem); ambas foram concluídas em 2011. Diria eu que os dois primeiros problemas dão origem ao terceiro e quase adivinho que a qualidade do ar que se respira nessas salas não é adequada à saúde.
Falei no tempo presente acerca da escola de Rebordosa; deveria ter falado no passado, pois não tenho informação da continuidade dos problemas e espero que eles estejam sanados; o presente referia-se, evidentemente, ao tempo da notícia saída no JN.
Ao ler a notícia de O Público, de fevereiro passado, e ao recordar a do JN, de setembro de 2016, ocorreu-me um conceito curioso e de muito pertinente aplicação nestes dois casos: o de “fantasma do arquiteto”. Debruçando-se sobre “currículo oculto” (aquilo que se aprende na escola mas que não faz parte do currículo oficial), o sociólogo inglês Roland Meighan (1986) diz que as salas de aulas parecem estar assombradas pelo arquiteto que as desenhou e pelos seus conselheiros. Ilustra esta ideia com a dificuldade/impossibilidade de arranjar a sala de um outro modo (mesas e cadeiras formando grupos em vez de filas, por exemplo) que esbarre contra as conceções de quem a desenhou. Fala também das diferentes camadas de sentido comportadas num único espaço, tendo em conta os diferentes tipos de pessoas que as utilizam: os professores veem uma sala de aula de um modo diferente dos seus alunos e será de uma forma diferente que ela será analisada pelos assistentes operacionais que as limparão.

O “fantasma do arquiteto”, corporizado nas caraterísticas arquitetónicas da sala de aula ou de outros espaços da escola (refeitório, recreio, sala dos professores, etc.), paira, assim, sobre todo o edifício escolar e é sentido de diferentes maneiras pelos vários grupos etários/ profissionais que dele fazem uso, conforme conseguem ou não sentir-se bem em cada um dos espaços e fazer deles um uso proveitoso.

Na notícia citada sobre a Escola EB de Matosinhos, refere-se que o vereador da Câmara Municipal reconhece a existência de problemas de excesso de calor nas salas de aula, mesmo no inverno, já desde o início da construção da escola. Acrescenta que de lá para cá (já lá vão 8 anos!) têm vindo a ser aplicadas, sucessivamente, diversas medidas, por falta de resultado das anteriores, tendo já sido gastos cerca de 200 mil euros. No Centro Escolar de Rebordosa, contava o JN em 2016, o Presidente da Câmara de Paredes afirmava ir resolver a situação por meio de ar condicionado. Ainda que tal solução tenha resolvido o problema do calor, terá deixado em aberto outros problemas: alergias ao ar condicionado, gastos associados ao seu consumo, solução pouco amiga do ambiente. Tanto desconforto e tanto dinheiro que se pouparia com escolas construídas de forma bem pensada, adequada aos seus fins e ao clima!
Que poderoso fantasma assombrará estas duas escolas de vidro? Não me parece que seja apenas o “fantasma do arquiteto” de Meighan”. Por outro lado, serão elas exemplares únicos no país? Não sendo, estarão as outras a padecer dos mesmos males em silêncio? E a saúde de quem as habita? E o processo de ensino-aprendizagem e as repercussões no (in)sucesso escolar? 
Meighan, nos seus estudos, concluiu que as crianças/jovens pretendem também ter uma palavra a dizer na construção das escolas. Concordo plenamente. As escolas devem ser concebidas por equipas pluridisciplinares que integrem não apenas técnicos ligados à construção (arquitetos, engenheiros, técnicos de saúde pública, etc.), mas também representantes dos futuros habitantes das escolas (professores, assistentes operacionais, alunos) e devem obedecer a normativos (certamente existentes) que acautelem condições de saúde e segurança - como o controlo da temperatura ambiente, a renovação do ar, a qualidade dos pisos dos vários espaços - e pedagógicas - a adequação do mobiliário aos fins de cada sala e à idade dos alunos, entre tantos outros aspetos. Termino com algumas questões que gostaria de ver respondidas: Serão as escolas alvo destes cuidados nos seus projetos e no acompanhamento da sua construção? Serão as escolas alvo de fiscalização do respeito pelas condições de saúde e segurança obrigatórias antes de entrarem em funcionamento e, regularmente, após o mesmo se iniciar?

Bibliografia
Meighan, Roland. (1986). A Sociology of educating (2nd ed.). London: Cassell Educational.
ARMANDA ZENHAS Doutora em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Mestre em Educação, área de especialização em Formação Psicológica de Professores, pela Universidade do Minho. É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, nas variantes de Estudos Portugueses e Ingleses e de Estudos Ingleses e Alemães, e concluiu o curso do Magistério Primário (Porto). É PQA do grupo 220 no agrupamento de Escolas Eng. Fernando Pinto de Oliveira e autora de livros na área da educação. É também mãe de dois filhos.

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