terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A MENTIRA DO DÉFICE DE ATENÇÃO E HIPERACTIVIDADE: "TUDO ESTÁ PERFEITO. OS ÚNICOS QUE ESTÃO DESAJUSTADOS SÃO AS CRIANÇAS!"


Querem os alunos sentados, totalmente obedientes, com boa postura, com pouco direito à palavra, não questionadores, convertidos ao manual, enquanto "bíblia" indiscutível, e com a resposta na ponta da língua ou da esferográfica. Grosso modo, apesar das excepções, a mentalidade existente é essa. O professor está ali para ensinar da mesma forma como foi ensinado. Ponto final. Muitos desejam ser inovadores, é certo, buscando outros caminhos, mas o sistema, heterónomo, verticalizado e espartilhado, não lhes permite grandes veleidades. Até são, em alguns casos, olhados de esguelha. Fazem "projectos", disto e daquilo, como fuga à imposição que culmina no teste e no exame. Tudo porque o sistema esquece-se que as crianças deste novo tempo não são as crianças de ontem.


Ora, de um lado temos a espantosa revolução tecnológica, e ainda aqui vamos, a informação e a comunicação que circulam de forma estonteante pelos mais diversos canais, gerando culturas e predisposições completamente diferentes; por outro, o sentido estático do sistema educativo, incapaz de qualquer adaptação ao mundo que envolve as crianças e os jovens. Ao contrário de uma atitude pró-activa, colocando-se na dianteira, o sistema continua a preferir e a teimar na "bíblia" do passado, qual vaca sagrada imutável às transformações do mundo e das mentalidades. Como sói dizer-se, incapaz de agarrar o "touro pelos cornos" para desenhar uma escola que acompanhe os novos desafios. E tanto assim é que falam de crianças com défice de atenção e hiperactividade. Apesar de Leon Eisenberg, psiquiatra, criador dessa mentira (1968), antes da sua morte, ter sublinhado isso mesmo: "o défice de atenção e hiperactividade é um exemplo marcante para uma doença fabricada". 
Lembro-me de minha mãe, recorrentemente, dizer-me que eu tinha "bicho-de-pêssego", face à minha irrequietude. Hoje, digo-o, abertamente, bendito desassossego, pois fez-me crescer, ser curioso, no respeito pela minha personalidade (a identidade do eu) que moldou o meu carácter (enquanto característica da minha personalidade). O pior que se pode pedir a uma criança em uma idade marcada pelo naturalíssimo desejo de movimento e pelo jogo, muitas vezes excessivo aos olhos do adulto, é condicioná-la, é exigir que se mantenha quieta, quase imóvel, dando atenção àquilo que não lhe desperta interesse. Umas, obviamente contrariadas, obedecem, outras, porém, não conseguem reprimir esse desejo de expandir o que sentem. Genericamente, não por má educação, mas por inadaptação à oferta que a escola proporciona. Os adultos esquecem-se do seu tempo de criança. Assoberbados de trabalho, pouco tempo lhes resta para compreenderem o complexo mundo da infância, educando para os novos tempos, ainda por cima, quando são confrontados com o lamentável desagrado da escola, as avaliações e a possibilidade de uma retenção. Pressionados, resta-lhes a consulta médica e a fuga para a prescrição do "metilfenidato" (Ritalina), presumo, com uma tripla intenção: artificialmente sossegarem, travar a crítica da escola e por admitirem que, por essa via, a criança, "paralisada", será então capaz de desenvolver as competências exigidas. Passam ao lado, por ignorância, julgo eu, do extenso rol de consequências, do curto ao longo prazo, a que tais tomas diárias conduzem. 
Mas, como parar este crime contra a criança? É muito difícil, quando o sentimento que existe é que isto faz parte de uma enorme roda dentada, cuja máquina, ignorando as consequências do medicamento (em Portugal, sete milhões de comprimidos por ano), porque o mercado é certo, faz crescer as receitas das farmacêuticas (provavelmente, de outros agentes), atenua a "dor" dos pais e conduz os professores ao cumprimento dos obesos programas. Docentes que, também, estão sujeitos às acéfalas determinações, a uma insensata avaliação de desempenho docente e às características que enformam o sistema, totalmente impermeável a uma nova organização escolar, curricular, programática e pedagógica. Diz, com ironia, o Psicólogo Eduardo Sá, com o qual estou totalmente de acordo, "(...) Tudo está perfeito, os únicos que estão desajustados são as crianças". Será que ninguém se questiona sobre os porquês de, em Agosto, o consumo de Ritalina baixar para um terço? As crianças só apresentam tais sinais quando chegam à Escola?
Finalmente, e se colocassem em cima da mesa para debate, entre muitas outras, as quase 55 horas semanais de ocupação da criança que lhe retira o tempo necessário para ser criança, a organização social, mormente o tempo de trabalho dos pais, os gravíssimos e constrangedores défices que as famílias se confrontam, os de natureza económica, financeira e cultural, as designadas "aulas" de 90' expositivas, os recreios cronometrados ao  minuto, a luta pelos ranking's, o Português e a Matemática como exigências primeiras da formação... se discutissem isto antes de andarem por aí, pasme-se, a estabelecer, até, normas curriculares para o pré-escolar? Não é, portanto, de admirar que crianças dos 3 aos 5 anos já tomem a dose diária. Um CRIME!
Ilustração: Google Imagens.

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