quinta-feira, 25 de maio de 2017

A FESTA ANUAL É UM EQUÍVOCO QUANDO FALHAM OS PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA EDUCAÇÃO DESPORTIVA


O problema não reside em montar uma festa, neste caso, do desporto escolar, embora poucos se apercebam do trabalho que isso dá. É muito complicado, sublinho, mesmo existindo uma experiência acumulada, quando os meios são cada vez mais escassos. Sei do que falo, porque pertenci ao grupo dinamizador dos primórdios do desporto na escola. A dimensão é que nada tem a ver com a desse tempo. Portanto, repito, a questão não está na "festa", na "cor", no "tema", no "espectáculo" (se assim deve ser considerado!) e até no número de participantes no acto inaugural e nos jogos que se seguem. Pessoalmente, respeitando múltiplas outras posições, entendo que mais importante é a determinação da sua importância no quadro de um desporto entendido como bem cultural para a vida. O problema, sustento eu, reside aí. E nesse aspecto julgo que não bastam os números e o efeito mediático do tal dito "espectáculo". Interessa-me muito mais as questões de conteúdo, portanto, se o designado "desporto escolar" constitui ou tem constituído o fermento de uma prática prolongada para além da escola.


E a resposta é, claramente, não. Há tantos anos que a semana do desporto escolar acontece, o que deveria pressupor a consequência de um profundo e transversal trabalho ao longo de um ano, articulado nos anos que se passam, com efeitos duradouros, mas a verdade é que, no plano estatístico, os madeirenses se enquadram na média nacional de um péssimo índice de participação desportiva. Mais de 70% entre os 15 e os 74 anos demonstram não ter uma prática física e ou desportiva regular. São, tendencialmente, sedentários. Há estudos sobre esta matéria, inclusive, europeus, que nos deixam, por múltiplas razões, na cauda dos povos. Por outro lado, tenhamos presente, o preocupante estado das crianças obesas ou com sobrepeso, por inactividade e deficiente alimentação, as chamadas de atenção das instituições médicas, algumas que avisam que os os filhos destas gerações correm o risco de morrerem antes dos pais. Salienta a Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil (APCOI): "Em Portugal, uma em cada três crianças tem este problema de saúde. Segundo o estudo 2013-2014 da APCOI que contou com 18.374 crianças (uma das maiores amostras neste tipo de investigação): 33,3% das crianças entre os 2 e os 12 anos têm excesso de peso, das quais 16,8% são obesas. De acordo com a Comissão Europeia, Portugal está entre os países da Europa com maior número de crianças afectadas por esta epidemia." De onde se conclui o aumento das co-morbilidades, problemas sociais e psicológicos. Um dado curioso: "os jovens gastam, aproximadamente, 60% do seu tempo acordado, sentados."
Ora, muito se poderá dizer sobre isto, sobre a organização escolar, onde não deixa de ser curioso, muito curioso, que, teimosamente, se fale de Educação Física e não de Educação Desportiva, e, depois, sejamos confrontados com uma "festa do desporto escolar". O desporto na escola deveria ter, não uma "festa" anual, mas ser uma festa mensal, semanal, diária e de "aula". Deveria constituir-se como a festa da participação séria, opcional, distante do rigor disciplinar em igualdade com outras disciplinas e espartilhada em conteúdos programáticos que negam a livre participação de acordo com vontade dos jovens. Jovens que são sujeitos a aprenderem a teoria das modalidades, as suas regras e a realizar testes de avaliação de conhecimentos, tóricos e práticos, sujeitando-se, depois, à atribuição de níveis ou de notas. Até conta para o cálculo de admissão ao ensino superior. Desde sempre que me manifestei contra esta situação. Não é na igualdade com as outras disciplinas que deve assentar a sua práxis, mas sim na diferença. Obviamente que não é por ali que se ganha o gosto e o sentimento da obrigatoriedade do movimento, seja ele qual for, ao longo da vida. O resultado de assim não acontecer está espelhado na estatística geral e nos aterradores números da obesidade e do sedentarismo com nefastas consequências futuras. Por mim, respeitando o trabalho dos profissionais da Educação e dos seus organizadores, sinceramente, dispenso este tipo de "festa", mas não prescindo de uma EDUCAÇÃO DESPORTIVA que prossiga os interesses do nosso tempo. Não me interessa a "festa" durante quatro dias, mas interessa-me a "festa do desporto para a vida".
Como nota final: "(...) a médio prazo é expectável que 30% a 50% das crianças se tornem obesas na idade adulta, uma realidade possível que se deve à redução do número de horas de actividade física nas escolas do ensino básico, às crianças passarem cada vez mais tempo em frente à televisão ou ao computador e à crise económica que afectou a alimentação. “É necessário aumentar a actividade física das crianças (...) porque uma criança activa é um adulto activo”, acrescentava, há três anos, o presidente da SPEO. Porém, nada continua a ser feito para contrariar esta situação. Pelo menos no campo da actividade física e desportiva. A "festa" é boa para os adultos e para os governantes, já nem tanto para o processo educativo das crianças. Porém, se lhes perguntarmos, obviamente que dirão que foi fantástica!
Ilustração: Google Imagens. 

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