segunda-feira, 8 de maio de 2017

"OS ALUNOS PRECISAM DE IR MUITO PARA LÁ DO CONHECIMENTO ENCICLOPÉDICO"


O título constitui uma síntese do pensamento do Dr. João Costa, secretário de Estado da Educação. A entrevista, publicada na revista Visão, conduzida por Sara Belo Luís, constitui uma sacudidela em um sistema absolutamente caduco. Confesso que não me surpreendeu, porque, em outros momentos, li e escutei intervenções que já apontavam no sentido da mudança de paradigma. Quando ele refere que "não há autonomia numa escola se não houver autonomia no currículo", penso que está quase tudo dito. É uma entrevista cautelosa, porque mexer em décadas de rotinas tem muito que se lhe diga. A história do processo diz-nos que o sistema impôs uma hierarquia extremamente rígida, onde o professor é, apenas, o elemento da base da pirâmide, isto é, o operacional que cumpre o programa (tarefa), avalia e remete para os quadros intermédios e para o vértice estratégico os resultados das pressupostas aprendizagens. E sendo assim, esse operacional, tal como na fábrica da Sociedade Industrial, não foi preparado para trabalhar em grupo, para perceber a transversalidade do conhecimento, não foi preparado para perceber, como diz o secretário de Estado, que não faz sentido "fazer tudo igual, à mesma hora, em todos os recantos do país", até porque os públicos são diferentes, os professores são diferentes e os interesses das comunidades idem. Por tudo isto, a entrevista reflecte cautelas, porque, para quem se habituou ao toca-entra-toca-sai, às quatro paredes da sala de aula, a transmitir o programa da sua disciplina, questionará: e agora como é? Como é possível a aprendizagem por temas ou fenómenos complexos? Daí as experiências-piloto em marcha, onde se inclui a formação, porque o que "precisamos é de um ensino orientado para a vida", sublinhou o secretário de Estado.


"(...) Estamos a falar de conseguirem pesquisar, gerir a informação, relacionar conhecimentos de diferentes áreas, trabalhar em equipa, gerir a ansiedade e o stresse... tudo isto se consegue com este tipo de trabalho integrado (...)". Nas escolas os alunos estão a viver rotinas de "memorizo informação, despejo no dia do teste e a seguir esqueço (...)". Se ainda temos uma taxa de retenção elevadíssima é porque alguma coisa está a falhar", acrescentou.
Pois é, eu e muitos aguardámos quase cinquenta anos por esta abertura. Relembro, uma vez mais, um professor, em 1970, que nos disse: "como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente (...) o desencontro é inevitável". Portanto, não se trata de uma aventura, de mais uma alteração sem substância, mas de um primeiro passo (espero) que transporte as nossas crianças para o centro das políticas educativas. O que acontece, neste momento, é que elas foram atiradas para a periferia, porque primeiro tem estado o manual, o extensíssimo e paranóico leque de avaliações e a burocracia que, agora, passou do papel para o computador. Uma entrevista a ler na última edição da VISÃO.
Como nota final, tudo isto não sendo novo, lamento que os sucessivos governos da Madeira, no quadro da Autonomia, nunca tivessem dado um passo naquele sentido. E tem havido propostas sérias. Em uma Região pequena teria sido tão fácil implementá-las. A prova que não existem limitações constitucionais na construção de um paradigma organizacional e pedagógico, está na nova abordagem que o secretário de Estado faz sobre o processo de aprendizagem. Infelizmente, têm preferido as seculares rotinas à inovação portadora de futuro, os lugares institucionais e a burocracia ao encanto do conhecimento, tem preferido, enfim, andar atrás dos outros à dianteira. Angustiante!
Ilustração: Google Imagens.

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