sábado, 18 de junho de 2022

Educar para a vassalagem

 

Preocupa-me o estado da Educação. Num plano mais vasto, todo o Sistema Educativo. Quanto mais procuro interpretar o pensamento dos autores e investigadores de vários quadrantes, directa ou indirectamente ligados a este sector, mais perplexo fico com o estado de apatia e até de insensibilidade que os actores do sistema manifestam. À excepção de uma manifestação, em 2007, onde cerca de 120.000 professores se concentraram em Lisboa, ruidosamente, contra a ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, após sucessivas trapalhadas, daí para cá, há a evidência de um preocupante silêncio. As periódicas manifestações sindicais, os posicionamentos de diversos articulistas, as reportagens, os seminários e outros fóruns de debate, tornaram-se quase irrelevantes no sentido de uma verdadeira sacudidela no sistema. A saudável inquietação deu lugar ao conformismo.



Não sei se devo considerar desânimo geral por circunstâncias várias, se medo ou incapacidade de reagir por fragilidade de pensamento sobre os desígnios de uma Educação portadora de futuro. Talvez um pouco de tudo isto. Para milhares, a instabilidade profissional, a incerteza de colocação, o poder hierarquizado e extremamente centralizado, o receio de uma perseguição por actuação desconforme com a lei, o normativo, a circular, o despacho, as consequências da permanência das mesmas figuras que se eternizam nos lugares de direcção dos estabelecimentos de aprendizagem, etc., tudo isto e muito mais, estou convicto que conduz ao desinteresse. Mesmo sufocados por uma enervante e crescente burocracia, os novos entendimentos sobre como fazer aprender, de uma maneira geral foram colocados a um canto. Há excepções, obviamente, mas o objectivo raras vezes vai além daquilo que configura o superiormente definido. Se está certo ou manifestamente errado o estipulado pela linha hierárquica, tal pouco interessa ao debate. O exercício da docência que, em circunstância alguma, devia ser um acto solitário, está, convicção minha, mergulhado nisso mesmo, na solidão. Cumpre-se o currículo e o programa, adormecendo, serenamente, na almofada de quem está no vértice estratégico. E essa sonolência concede a sensação que os problemas deixam de existir. 

É a escolha entre ser convicto, participativo e a eventualidade de se meter em sarilhos. Eu que vivi uma significativa parte do Estado Novo, que passei por essa escola directiva, selectiva, limitadora e sem horizontes, que apreciei comportamentos e fui docente antes de 1974, tenho dificuldade, naquilo que é essencial, eu diria estrutural, encontrar significativas diferenças na submissão, na vassalagem, no conformismo e na doçura perante a "autoridade" política. O formato da centralização, apetece-me dizer, entre aspas, da "polícia política" é que é outro. Há uma falsa sensação de liberdade, porque é sensível um genérico medo em ditar uma opinião frontal que abale os alicerces do sistema. São poucos os que o fazem. E os que por aí se aventuram, estando no activo, são silenciados de diversas formas. Pela subtil pressão, pela avaliação de desempenho castigadora ou até pela oferta de lugares de algum relevo. Acredito que muitos sintam essa necessidade de pensar alto em função das suas leituras do mundo, do esgotamento em que se encontram, do desejo que chegue a aposentação, porém, o rolo compressor da uniformidade passa, esmaga e neutraliza vontades. Caímos no abismo de uma educação para a vassalagem.

Será que não é preocupante perceber as razões e actuar em conformidade, a montante da sociedade e a jusante na escola, em função dos dados que a estatística oficial nos coloca à frente dos olhos? Por exemplo: que dez em cada cem jovens ficam para trás? Que a Região tem o mais alto índice de risco de pobreza e de exclusão social (32,9%)? Que os últimos censos mostraram que 49,7% dos madeirenses possuem, apenas, o ensino básico e 15,3% não têm equivalência a qualquer grau de ensino? Que 53% da população activa tem apenas o ensino básico e 46% dos desempregados têm menos do que o 9º ano? E que 10.500 jovens entre os 16 e os 34 anos não trabalham nem estudam? 

Já agora, outras perguntas: e na escola, qual a razão para 84% dos professores desejar a aposentação rápida e sem penalizações? O que está na causa de um em cada cinco professores tomar medicamentos e outras drogas para suportarem o dia-a-dia da profissão? Quais as razões de tanta depressão que conduz ao absentismo? Quais os motivos da generalizada desmotivação dos alunos? Qual a relação existente entre o desinteresse, a pobreza, os currículos, os programas e a organização da escola?

Já estamos a pagar, em vários domínios, a factura da irresponsabilidade. E o fosso será cada vez maior quanto mais tempo demorarmos a pensar e propor um caminho baseado no conhecimento trazido por tantos pensadores e autores de diversas áreas. Acordem para a realidade.

Ilustração: Google Imagens.

Sem comentários:

Enviar um comentário