sexta-feira, 22 de março de 2024

Educação transformadora

 

A formação, sobretudo a pós-graduada, só tem sentido quando ela é transformadora. Quando obriga à profunda reflexão de posicionamentos assumidos como certos e/ou inquestionáveis. Neste contexto, juntar pessoas porque a progressão na carreira implica um dado número de horas, associadas ao comprovativo da presença, deixa-me a olhar como para a chuva no molhado. Pior, ainda, quando a intenção é a abordagem de uma "Estratégia para uma escola transformadora", em fóruns desta natureza, pelo menos por agora, a formação devia distanciar-se da erudição académica, optando pela prioridade que se apresente como oportuna.



Não é possível falar-se de "pedagogia transformadora", quando se teoriza tanto e profundamente sobre temas que poucos dominam. Isto preocupa-me, não pelo interesse das palestras e capacidade científica dos palestrantes, mas pela oportunidade das mesmas, absolutamente desadequadas do patamar em que o sistema educativo se encontra. E a pergunta surge, com toda a naturalidade: o que restou das edições anteriores no sentido de um contributo para a reclamada mudança? Nada. O sentido único da política educativa continua, teimosamente, no seu rumo avesso ao mundo que estamos a viver.

Parece não haver consciência disto. Há alguns anos, relembro, o Filósofo francês Edgar Morin, hoje com 103 anos, questionava-se "sobre as novas fronteiras da pedagogia. No manifesto Ensinando a viver, ele imaginou uma revolução educacional do século XXI, uma “metamorfose”, diz ele, que podia reconstruir as bases do ensino, em sintonia com a nossa civilização, cada vez mais interligadas e multidisciplinares". Ele foi muito claro: "É errado privilegiar uma cultura científica, tecnocrática, sacrificando uma cultura humanista". E neste aspecto, acrescentou: "Se a autoridade dos professores está em crise é porque a escola não tem conseguido adaptar-se à nova autonomia dos jovens".

Ora, a nova realidade, sobretudo aquela que despontou nos últimos cinquenta anos, não é compaginável, numa aproximação a Tofller, por exemplo, com a tendência para meter nos cubículos conceptuais de ontem, todos os sectores e áreas do conhecimento (a segmentação das disciplinas do currículo). Não é compaginável, socorrendo-me, novamente, de Morin, com uma "escola que ensina muitas certezas, quando a vida é feita sobretudo de incertezas". Por isso, na aprendizagem, devemos educar para a incerteza, que faz parte da existência, para que sejam "capazes de reconhecer erros e ilusões. A melhor forma de fazer isso é ter uma abordagem multidisciplinar do conhecimento (...) porque "todo o erro deve ser analisado e entendido: é uma oportunidade extraordinária de progredir". 

Ora, isto conduz-nos à necessidade, entre outros, de um novo olhar para a rede escolar e a respectiva arquitectura dos espaços (estabelecimentos com mil ou dois mil alunos não são escolas, mas sim fábricas), para a dinâmica organizacional da escola e sua verdadeira autonomia, para o novo posicionamento do professor na aprendizagem, para os currículos, para os programas, para a avaliação, para a formação inicial de professores, para os conceitos de sala de aula e de turma, tudo isto em simultâneo com a necessidade de analisar e actuar a montante, no que concerne à realidade social. É aí que reside a potencialidade transformadora, que jamais se conseguirá com teorizações académicas desconectadas da realidade. Por melhores que sejam, e disso eu não duvido, mas que apenas interessam como momento de deleite de quem fala ou de quem escuta. A tal "pedagogia transformadora" tem de ser esmiuçada e substantiva, de tal forma que conduza os decisores políticos a mudarem a agulha na perspectiva do encontro com o conhecimento. Já é tempo de colocar na roda do prato a ideia que é necessário "mexer em alguma coisa para que tudo fique na mesma".

Ilustração: Google Imagens.

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