quarta-feira, 6 de março de 2024

A Educação não é um negócio

 

Não tenho qualquer reserva relativamente à criação de estabelecimentos de aprendizagem de natureza privada. Quem se predisponha a criá-los que cumpra as regras e se responsabilize pelos seus encargos. Criar escolas para, depois, ser o sector público a suportar uma boa parte dos seus custos, isso não. 



Sempre defendi ser uma treta o poder político assumir que os apoios se enquadram no princípio de possibilitar às famílias a livre escolha. Uma total falácia. Todo o orçamento público para a Educação deve ser canalizado para a escola pública que constitui uma responsabilidade prevista na Constituição da República Portuguesa. Por isso, não é admissível que o privado, cobrando mensalidades, receba apoios significativos (na Madeira tem rondado os 30/35 milhões por ano - Dnotícias/ALRAM/15.11.2023), ficando, depois, condicionado às lógicas do sistema público, inclusive na colocação de professores e em muitos outros aspectos organizacionais e até de natureza pedagógica. O financiamento à escola privada só se justifica quando o sistema público não consegue dar resposta adequada às necessidades da procura. Aí sim, podem ser necessárias parcerias de interesse bilateral.

Vem isto a propósito da abertura de uma escola privada, prevista para o próximo mês de Setembro,  a Internacional Sharing School. Vamos por partes:

1. Os promotores adquiriram à Diocese o antigo edifício do Seminário da Encarnação (muito discutível a alienação deste património), estão em curso obras de recuperação e de adaptação a uma aprendizagem assente num pensamento distinto do sistema público e vão realizar uma apresentação do projecto, aberta ao público, no Centro de Congressos da Madeira. No conjunto, estarão em causa, pressuponho, muitos e muitos milhões de euros.

2. Dizem os promotores, segundo li, que a nova escola está projectada para cerca de 500 alunos.

3. Não disponho do valor das propinas, mas numa rápida consulta na internet, os encargos na Internacional Sharing School Taguspark, em Oeiras, para o ano 2024/25, os valores oscilam desde  € 10 980,00 (fora uma taxa única de € 1 200,00) para crianças de um ano e € 25 780,00 no 12º ano (encargos anuais). A publicidade que tem sido feita na Madeira admite "protocolos de propinas especiais para a comunidade local". Portanto, aqueles valores só podem ser interpretadas como valores de referência de uma dada escola. Na Madeira os encargos podem ser diferentes. Certo é que não se trata de uma escola privada acessível. Destina-se, apenas, a alguns. Para os que podem!


Não está em causa o paradigma organizacional e pedagógico seguido pela Internacional Sharing School. Nunca visitei uma escola deste grupo. Em abstracto, apenas pelo que li, trata-se de uma "escola que tem como objetivo desenvolver alunos ao longo da vida inquiridores, conhecedores e de mente aberta que aspiram a construir um futuro melhor, através de um ambiente de apoio, respeito e cuidado que promova a aprendizagem através da partilha (...) proporciona a melhor experiência educacional aos alunos, reconhecendo que cada criança é diferente e única (...)  e que os espaços de aprendizagem são flexíveis e projetados para atender às necessidades individuais de cada aluno (...) e, ainda, que mais do que ter um currículo baseado no aluno, é uma escola baseada no aluno, organicamente pensada para os  alunos, proporcionando uma experiência educacional inovadora para os alunos explorarem a aprendizagem e alimentarem a sua criatividade e imaginação (...)". Sublinha uma professora: "Com este ambiente de aprendizagem inovador, reconheço que os meus alunos são mais capazes de serem eles próprios, alunos descontraídos e de mente aberta." 

Repito, em abstracto, nada a dizer. Há muitos anos que defendo que a escola pública, como ainda a concebemos, tem de mudar radicalmente. Assino por baixo os princípios orientadores, pois, mesmo sem conhecer o processo pedagógico e as limitações impostas pelos currículos e programas, agrada-me quem assim pense, isto é, quem veja a escola como espaço de aprendizagem para a vida e não como edifício que massacra, condiciona e não concede espaço ao talento e ao sonho. 

Porém, num outro nível de análise, outras questões sugerem-me dúvidas. Desde logo:

1. A Madeira é uma região com uma altíssima taxa de pobreza, onde milhares de alunos contam com o apoio da acção social educativa.

2. Tem sido, infelizmente, negativo o saldo entre a natalidade e a mortalidade. E por aí, explicam os decisores políticos (embora discorde desta justificação), tem havido a necessidade de encerrar estabelecimentos de aprendizagem. 

3. Ora, conjugando estas duas variáveis, a pobreza e o saldo natalidade/mortalidade, com o nível médio/alto dos salários, pode-se concluir que a capacidade de recrutamento, na Madeira, de interessados na frequência daquela escola seja limitada. Porém, ressalvo, sendo uma escola internacional, provavelmente, o recrutamento ultrapassará a esfera da região. Aliás, presumo que, antes de se lançarem nesta escola, terão feito os necessários estudos de viabilidade nesta região. Ainda na edição de ontem do Dnotícias, li: "Escolas privadas sufocam e públicas com dívidas. Formadores, alunos e fornecedores sem receber".

4. Em síntese, para além dos princípios que norteiam a escola, coexistem dois aspectos que destaco: por um lado, se esta escola, pelas suas características, entrará no rol dos beneficiários de apoios públicos da região. Pessoalmente, repito, não aceito que uma fatia do Orçamento Regional seja destinado ao sector educativo privado. Que faça o seu "negócio" é uma coisa, outra, é a Região comparticipar no "negócio". Porque a missão da Região é outra. Não faz sentido que um cidadão pague impostos para que se cumpra a Constituição e volte a pagar para que uma minoria tenha acesso a uma aprendizagem assente em um paradigma distintivo; por outro, e isto para mim é de uma relevância maior, é-me incompreensível que o sistema público, paulatinamente, não caminhe no sentido de uma "escola que tenha como objetivo desenvolver alunos (...) inquiridores, conhecedores e de mente aberta que aspiram a construir um futuro melhor, através de um ambiente de apoio, respeito e cuidado que promova a aprendizagem através da partilha (...)". É preciso, senhores governantes, que o privado venha a assumir isto, quando tantos, de investigadores a autores, desde há muitos anos, já o disseram até à exaustão? Então, a escola pública não tem de ser aquilo que um privado vem dizer?

Ilustração: Google Imagens.

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