sexta-feira, 2 de junho de 2023

Quadros de honra “para inglês ver”










Por
Ana Catarina Mesquita
Professora e Investigadora
Jornal PÚBLICO - 30.05.2023



A diminuição da exigência a que assistimos diariamente no ensino público conduz a situações, no mínimo caricatas, em que, em algumas turmas, chegamos a ter metade dos alunos no quadro de honra. Como é isto possível, pergunto-me? Temos 15 Einsteins numa turma e os outros 10 são os falhados?

Como é do conhecimento geral, os quadros de honra, de há uns anos a esta parte, constituem uma realidade de várias escolas/agrupamentos escolares, gerando polémica. Estes quadros têm como objetivo premiar a excelência, fomentando o empenho dos alunos e um aproveitamento excelente a todas as disciplinas.

Pergunto: mas os alunos têm mesmo de ser excelentes a tudo? Parece-me difícil… Um aluno que, por exemplo, seja ótimo na disciplina de português e exímio na matemática, mas não tenha aptidão para as artes, é menos digno de pertencer a um quadro de honra? Ou o contrário! Os alunos, por natureza, revelam tendência para determinada(a) área(s), sendo que muitos deles demonstram competências brilhantes a áreas específicas. Então, imaginemos que um aluno que redige textos brilhantes, os melhores daquela escola, ou um aluno que revela competências desportivas irrepreensíveis. Estes alunos devem ser excluídos do quadro de honra, porque não tem tão boas notas às restantes disciplinas?

Tudo isto goza, na verdade, de muito pouca lógica. Ou seja, estamos a premiar, no fundo, o quê? Um concurso para ver quem tira melhores notas a tudo? Com que objetivo? O que ganham os estudantes com isso? Definitivamente, acaba por ser fomentada uma competitividade não desejável entre os alunos. A competição connosco mesmo, dentro de limites racionais, pode ser algo ótimo, que nos impele a ir mais longe na conquista dos nossos sonhos e objetivos. Isso é positivo. Mas e a competição desenfreada com colegas, como se de rivais se tratassem? Julgo que só conduz a que se perca a cooperação entre os alunos.


Por outro lado, onde fica a valorização das atitudes diárias, o respeito pelos professores, pelos colegas, por funcionários, enfim, por toda a comunidade escolar? Um aluno que luta com dificuldades para ter boas notas, mas que não consegue a excelência a todas as disciplinas, sendo, no entanto, um exemplo de conduta, deve ser excluído de um quadro de honra, como se da ovelha negra se tratasse? Parece-me que a resposta é óbvia, pelo menos na minha ótica.

Outro aspeto a ser considerado é a existência de desigualdades sociais no acesso a recursos de educação fora do espaço escolar e que estes quadros de honra só evidenciam. Efetivamente, se uma disciplina for muito exigente ou um professor for menos competente, os alunos que tiverem condições financeiras para obter apoio fora da escola terão, certamente, mais facilidade em brilhar nessa área do conhecimento, sendo que os restantes ficarão, logicamente, mais para atrás. O que quero com isto afirmar é que estes quadros de honra acabam por não avaliar conhecimentos adquiridos apenas no espaço escolar, mas envolvendo valências que ultrapassam o mesmo.

Paralelamente, fomentam algo que considero perigoso para o futuro dos alunos: a ilusão de que já fizeram o suficiente e de que não é preciso trabalhar mais para atingir objetivos mais ambiciosos. Na verdade, hoje, em dia, a diminuição da exigência a que assistimos diariamente no ensino público, em relação ao que acontecia no passado, conduz a situações, no mínimo caricatas, em que, em algumas turmas, chegamos a ter metade dos alunos no quadro de honra. Como é isto possível, pergunto-me? Temos 15 Einsteins numa turma e os outros 10 são os falhados? Parece-me muito pouco verosímil… Além de se criar uma ideia errada do que é a excelência e do que a mesmo abarca, podemos levar os 10 alunos que ficaram de fora do quadro de honra a perderem confiança nas suas capacidades, como se valessem menos do que os outros, e isto é inconcebível.

Pelas razões apontadas e por outras que poderiam ser referidas, não consigo encontrar razões sólidas que justifiquem a manutenção destes quadros de honra, que, na minha perspetiva, não apresentam critérios coerentes, apenas promovendo a competitividade e a ilusão, e não contribuindo em nada para a criação de valores realmente relevantes para a sociedade.

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