quarta-feira, 21 de junho de 2017

PUBLICIDADE ENGANOSA QUE ESCONDE OUTRAS REALIDADES


Leio declarações de políticos embevecidos com alguns resultados académicos. O presidente do governo regional e o secretário regional da Educação aproveitaram a iniciativa da Escola Jaime Moniz para falar de mérito escolar e do "investimento" de 348 milhões de euros no sistema educativo. Confesso que este tipo de discurso tem o condão de me deixar triste, não só pela sua face repetitiva como também por aquilo que já alguém referiu: "se a educação é cara, experimentem a ignorância". O peso da Educação no conjunto do orçamento é significativo, de resto em qualquer país, tal como o é o sistema de Saúde. São pilares no campo civilizacional dos direitos humanos, pelo que se torna ridículo andar a repetir amiudadas vezes os respectivos encargos.


Mas ao invés de ver o copo meio cheio, isto é, alguns resultados, poucos, que tapam a floresta dos desencantos, dos professores aos alunos, bom seria que o governo visse o copo meio vazio, isto é, os milhares que abandonam o sistema, os milhares com insucesso, as taxas que colocam a Madeira em lugares desprestigiantes no panorama nacional. Quando se olha, apenas, repito, apenas, para o mérito de uns (todos os sistemas, mesmo os estruturalmente maus, apresentam sempre, qual metáfora, uma ponta do icebergue fora de água que esconde a enorme parte submersa) e não se consegue ver os milhões de euros anuais perdidos no escândalo dos números das retenções, não se me afigura sério. Não disponho de números actualizados, mas há dois ou três anos, foi público que 6.000 repeti(r)am o ano. Ora, se cada aluno custa, anualmente, cerca de € 3.500,00 (para mais e não para menos), significa que vinte e um milhões foram ou são completamente desperdiçados. E são esses que nos devem preocupar, se em conta tivermos o que se sabe ao nível da impreparação profissional, a todos os níveis, que acabam por reflectir consequências gravosas no crescimento e desenvolvimento da Região. Os números da estatística provam-no. Por outro lado, ignoram que existem estudos sobre os efeitos de uma intervenção pedagógica precoce, compaginada com um outro paradigma de organização escolar, curricular e programática. Sabe-se, hoje, o que significa, no futuro, o efeito multiplicador de cada euro investido nas idades mais jovens.
Mas há mais, compaginado com este problema. Em 2008 disse-o na Assembleia Legislativa, perante um coro de protestos vindos do lado da maioria, que a Acção Social Educativa era "manifestamente indecorosa". E justifiquei à luz dos 30% de pobres da Região. Nove anos depois vem o governo, quase como dádiva, sublinhar que as famílias vão pagar menos 7,5% nas mensalidades das creches. Paulo Freire Freire (1921/1997) tinha razão. O texto aqui ao lado diz tudo, isto para não falar do que a Constituição da República assume quanto à gratuitidade do acesso ao sistema educativo. Aos olhos  da pobreza, dos baixos salários, do actual custo de vida, constitui uma ignomínia o governo falar de alívio dos encargos das famílias. Propositadamente, esquecem-se ou fazem-se esquecidos que a JUSTIÇA FISCAL faz-se em sede de IRS. Pagar IRS e, depois, pagar a acessibilidade a um sistema que deveria ser gratuito, é, repito, indecoroso, para além de ser passível de ser interpretado como uma dupla tributação.

Uma peça jornalística, publicada na edição do Dn-Madeira de 06 de Setembro de 2008, sublinhava o seguinte:

"Manifestamente indecorosa". É desta forma que o Grupo Parlamentar do PS define a Portaria da Secretaria Regional da Educação que regula os escalões da Acção Social Educativa. Referindo-se à notícia do DIÁRIO de que metade dos alunos matriculados na RAM beneficia de apoio público para alimentação, transportes e manuais, o PS refere que este número explica a dimensão do fenómeno da pobreza, "e a necessidade de políticas integradas de família que não podem se esgotar num apoio de natureza caritativa". Até porque nestes 47%, que beneficiam de apoio escolar, não estão contemplados os agregados familiares com um rendimento 'per capita' igual ou superior a 261 euros. Valor que, à luz do actual custo de vida das famílias, significa "um evidente estado de pobreza". Com estes indicadores, o PS considera que o governo mostra-se cego à realidade económica e social, preferindo distribuir umas migalhas aos pobres e excluídos. "O governo aposta na obra física, em estádios, naquilo que não é socialmente relevante, e deixa de lado a obra educativa que é a base do futuro da Região", salientam os socialistas. Recordam, a propósito, que sempre que o PS defende o princípio de políticas integradas, tal significa a necessidade de um novo olhar para a estrutura familiar, para o modelo económico vigente, para a segurança no trabalho, para a exigente educação dos valores e respectiva co-responsabilização no projecto educativo de longo prazo, para a legislação regional de combate ao consumo de álcool, para o rigor e disciplina que devem nortear as condutas gerais e específicas, criminalizando o que for de criminalizar.Entendem os socialistas que todos deverão estar em pé de igualdade no tiro de partida para a vida. Neste pressuposto, dizem ser indecoroso o governo apresentar uma tabela de Acção Social Educativa quando sabe que os rendimentos familiares são baixos face ao alto custo de vida, e face ao crescimento do número de desempregados. "Há muita miséria escondida ou disfarçada que condiciona o sucesso escolar. Há, no meio de uma aparente vitalidade e bem-estar que os mais distraídos podem ser levados a percepcionar nos pátios das escolas, muita carência a todos os níveis. O telemóvel e o vestuário que trazem no corpo nada significam em relação ao mundo de carências, afectivas, económicas, sociais e culturais que transportam", salientam os socialistas. E é partindo deste pressuposto que dizem ser necessário que o governo tenha em atenção que as crianças e jovens não têm culpa do seio familiar onde nascem. Por isso "devem estar em pé de igualdade quando partem, neste caso, para o conhecimento, e a escola pública existe para garantir essa igualdade de oportunidades. O PS defende, por isso, que a acção social educativa, mais do que um apoio à família, constitui um apoio directo no enquadramento formativo do jovem. E aqui, sublinham, não deve haver lugar a dúvidas por razões orçamentais. "Exige-se rigor na atribuição dos apoios, bons resultados escolares mas, simultaneamente, a convicção da importância do investimento junto de quem teve a pouca sorte de nascer pobre". O que actualmente acontece é que "o Governo está resignado a ver crianças e jovens a viver da esmola e da caridade". Exemplo disso, diz o PS, são as 73 instituições de solidariedade social espalhadas pela Região e que constituem a prova dos constrangimentos familiares que urge combater. "A continuar assim, com este olhar do governo sem contemplações para a pobreza, a Região caminha no sentido da tragédia: abandono escolar e precoce, insucesso, ausência de qualificação profissional, comportamentos desviantes, crime, enfim, insegurança".

NOTA
Em 2008 eram 47% os apoiados pela Acção Social Educativa. Hoje, diz o governo, que dois em cada três beneficia de tal apoio. Isto pode significar que a pobreza está a se tornar paisagem, com efeitos negativos no sucesso escolar.
Ilustração: Google Imagens.

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