sexta-feira, 30 de junho de 2017

CARTA DE CONVIVIALIDADE ESCOLAR OU CARTA REMEDIADORA DOS COMPORTAMENTOS ANTI-SOCIAIS?


Hoje terá lugar o V Encontro da Convivialidade Escolar, uma iniciativa da Secretaria Regional da Educação da Madeira. No DN-M li: "(...) Este encontro contará com um painel de oradores de diversas áreas profissionais, nomeadamente, da educação, psicologia, psicomotricidade e saúde, que abordarão temas relevantes em prol do desenvolvimento psicossocial do aluno, do seu sucesso educativo, da redução da incidência dos vários tipos de comportamentos antissociais que constituem um obstáculo ao adequado desenrolar do processo de ensino-aprendizagem, sendo de destacar os seguintes: aprendizagem socioemocional, relação pedagógica, aproveitamento escolar, bullying, dependências e família, entre outros (...)". É sempre bom discutir estes assuntos, mesmo que de forma unilateral, e ouvir quem a estes temas se dedica. Por isso, nada tenho a obstar. Pelo contrário. O problema é, no entanto, outro e esse preocupa-me: quais os resultados práticos das quatro edições anteriores? Que repercussões tiveram? Terão sido elaborados relatórios de acompanhamento? Mas mais importante que isso, interrogo-me, finalmente: será que é por aí que se gera uma comunidade escolar distante dos problemas apontados, que pela sua real existência, conduzem os especialistas a se debruçarem sobre os mesmos?


Não acredito no êxito de uma tal "carta de convivialidade escolar". Não é a jusante que os problemas devem ser resolvidos ou atenuados. A questão é muito mais profunda e tem raiz nas inexistentes políticas de família, na incapacidade demonstrada para corrigir a mentalidade criada ao longo de muitos anos, a tal que joga para a escola quase todas as responsabilidades da educação, na ausência de princípios e de valores, não os da irreverência, mas os do respeito e tolerância. Neste quadro de preocupações o que fizeram ou têm feito os sucessivos governos? Pouco ou nada, dirá quem no palco da escola actua e que se confronta com múltiplas situações. 
Custa-me ver pessoas, hoje com 40/50 anos de idade, nascidas no pós Abril de 1974, que mantêm os traços desconformes com uma sociedade de muitos direitos, face aos seus elementares deveres, cimentados em atitudes responsáveis. Teria sido possível, estou certo, com outras preocupações de natureza política. Portanto, a "convivialidade escolar" apresenta-se como um penso rápido colocado em uma ferida profunda. Que não resolveu, não resolve, nem atenua(rá) a dor. Não torna a escola em um local mais aprazível "seguro, inclusivo, respeitador e propício às aprendizagens" como salientam os seus promotores. A escola só estará mais bem preparada, a prazo, se existir uma bem sucedida actuação a montante (responsabilidade parental) e, a jusante, em uma política educativa que rompa com o conceito tradicional de aprendizagem, como já alguém designou por política do autocarro: professor à frente e alunos sentados atrás. Metáfora que implica colocar em causa a actual organização da escola, os currículos, os programas, os erróneos conceitos de aula, turma e de avaliação, o próprio número de alunos por escola, a centralização e padronização do sistema como se as escolas não fossem capazes de criar o seu paradigma no quadro da autonomia. Em tempo de tecnologia que todos os dias nos surpreende, deveriam, os governantes de turno, ter presente que se se mantiverem no desadequado modelo de ontem, obviamente que, na linguagem dos jovens, a escola, para muitos milhares, só pode ser uma "seca" e um caminho aberto para os comportamentos inapropriados, para o insucesso e abandono.
Depois, a "convivialidade" discutida por adultos acabará sempre por falhar. Melhor seria se ouvissem as crianças e os jovens e menos os adultos. Elas acabariam, espontaneamente, por dizer na cara dos adultos prelectores, as causas do problema e como deles sair. Ademais, o que parte da base, construído de forma democraticamente consistente, tem sempre melhores hipóteses de sucesso do que tudo aquilo que é produzido por adultos para aplicação na base. Há experiências bem sucedidas em escolas portuguesas, cujos regulamentos internos foram elaborados pelos alunos. Hoje, sabe-se que aquilo que é produzido por eles tem menos possibilidades de ser violado. Porque foram actores do processo. Enquanto assim não acontecer a "carta de convivialidade" manter-se-á como uma "carta remediadora dos comportamentos anti-sociais".  
Ilustração: Google Imagens.

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