sábado, 15 de julho de 2017

"AI SENHORITA, QUEM ME DERA TER OS PROBLEMAS QUE A SENHORA TEM!"


Um sistema, por pior que seja, produz sempre alguma qualidade. O antigo sistema educativo, anterior a 1974, também produziu licenciados e doutores em tantas áreas do conhecimento. Ao tempo, muitos, excelentes. Alguns foram, até, homens e mulheres de ciência que deixaram marcas ainda hoje reconhecidas. Portanto, não há que engalanar em arco com os resultados dos últimos exames finais nacionais do ensino secundário. Parece-me ridículo. Obviamente que, dentro do actual sistema, não há que diminuir ou ignorar o esforço e a dedicação de professores e alunos no sentido da obtenção de resultados ditos de "excelência". Pelo contrário, há que dar os parabéns. Mas isso não significa que o sistema, de alto a baixo, esteja adequado ao tempo que estamos a viver. A questão que se coloca é esta: quantos não teriam atingido tais resultados ou mesmo melhores seguindo caminhos distintos? E quem são e quais as origens familiares dos alunos? Seria interessante um estudo desta natureza.



Aliás, ainda há poucos dias foi público, uma vez mais, o altíssimo e preocupante número de alunos que, na Região, "chumbaram" logo nos primeiros anos. A Madeira registou, em 2015/2016, 10,3% de retenções e/ou desistências no 3º ciclo do Ensino Básico. A pior taxa nacional. Mas apresenta tantos "vintes" no final do secundário. Esquisito ou talvez não. A peneira funcionou! Ora, não é pela minoria que apresenta "bons resultados" que este sistema, repito, este sistema, deve ser avaliado, mas pelos milhares que nunca lá chegarão. Interessa determinar quais as razões mais substantivas, a montante e a jusante do sistema que contribuem para o insucesso, o abandono e a falta de qualificações profissionais. Um sistema, que transporta a inflexibilidade, que continua a se basear na memorização e na reprodução do manual programático, é um sistema desconectado com o futuro, isto quando se sabe que uma larguíssima percentagem do que é referido como "aprendizagem" se destina ao esquecimento. Dir-se-á que nasce na aula, vive algum tempo até ser debitado em uma folha de exame e morre. Talvez em linguagem informática seja mais apropriado falar "reciclagem" ou "lixo". Delete!
Percorre-me a tristeza quando leio essa espécie de "guerra" entre escolas, porque uma teve mais vintes que a outra! Quem a promove faz por necessidade de afirmação, certamente, pressuponho que não pelo processo seguido. Simplesmente porque o processo, desde as primeiras idades, está inquinado, dizem-no tantos investigadores de várias áreas do conhecimento, autores, um sem número de dissertações e teses. E os adultos, governantes, direcções executivas e professores ficam felizes com os resultados, porque a tal excelência, no fundo, promove um apagão no mundo de desencantos, sentidos por alunos e professores. Nesta trágica sequência, ninguém fala, até, do matraquear até à exaustão das "explicações" particulares, o que me lava a concluir, se o sistema tivesse tanta excelência, naturalmente, os que podem, não se socorriam do trabalho extra! Ou não será assim?
Há uma pergunta que trago, diariamente, nas minhas reflexões: entre o "conhecimento" transmitido, aquele constante dos programas, e a resposta exemplarmente adequada à pergunta, a que consta do manual, o que resta de conhecimento relevante, aquele que pode ser retido, partilhado e com efeitos multiplicadores? Não é, certamente, um vinte a todas as disciplinas que torna um jovem globalmente desperto para a vida, verdadeiramente culto e disponível para cruzar os conhecimentos.
A este propósito, questionava-se Deborah Stipek, da Faculdade de Educação de Standford, em um estudo transversal realizado ao longo de 35 anos. A editorial da revista colocava em título: “A Educação não é uma corrida”. A investigadora é clara: “o sistema de exames produz especialistas em provas enquanto prejudica vidas que poderiam ser promissoras” (…) O sistema actual, baseado no desempenho em testes pode prejudicar muito a formação de grandes pensadores” (…) “Este ensino promove um verdadeiro extermínio de grandes mentes” (…) A maneira como a Educação está estruturada faz com que potenciais vencedores do Prémio Nobel sejam perdidos antes mesmo do final da educação básica”. 
Finalmente, há dias, transcrevi partes de uma entrevista ao Professor Miguel Santos Guerra, Catedrático na Universidade de Málaga. Regresso a essa entrevista e a uma pergunta do Jornalista de A Página da Educação: "Esta edição inclui uma reportagem sobre a pobreza infantil. É um dos muitos problemas e das realidades sociais com que os professores se deparam. As escolas estão preparadas para lidar com estas questões?" Respondeu o Professor: "(...) Há aqui um problema - a Escola está separada da vida, está distante dos problemas da realidade. Eu vejo aí um problema: os livros, os conhecimentos inertes que, por vezes, não têm que ver com a realidade. A Escola não pode permanecer separada dos problemas da vida, porque a Escola é para a vida. Há um artigo que conta a história de uma professora de Biologia que pergunta a uma adolescente quantas patas tem um artrópode. E a adolescente, suspirando, diz-lhe: "ai senhorita, quem me dera ter os problemas que a senhora tem...". Pensemos nisto e não na guerra de quem teve mais vintes!
Ilustração: Google Imagens.

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