sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Henrique Afonso - o "Pirata da Madeira" e António Barroso Cruz o "Cidadão do Mundo"

 

Não sei velejar mas gosto do mar. Delicio-me quando nado em águas calmas e nutro um enorme respeito por aqueles que o enfrentam, entregues a si próprios, com aquela coragem e determinação que não tenho. Segui a aventura do velejador Miguel Sá e tenho acompanhado com interesse a volta ao mundo de Henrique Afonso, carinhosamente conhecido pelo "Pirata da Madeira". Não o conheço no plano pessoal, mas tenho por ele uma enorme admiração.

Ao ver este vídeo, recordei o que li de um outro navegador solitário, o Ricardo Dinis: 

"(...) sofri muito quando percebi que o mar não era aquele ser absoluto e romântico que imaginava, mas consegui uma frieza que me ajuda melhor a sobreviver quando estou a navegar durante tanto tempo (...) aprendi a ser indiferente às temperaturas, deixei de me compadecer com as debilidades (...) sou um ser humano normal, que tem sentimentos e tirita quando tem frio mas, ali, no meio do oceano, consigo ser um bicho estranhíssimo que desliga as emoções e toca a fazer o trabalho. Vem aí uma tempestade? Que venha ela!" 

Digo eu, só com coragem! Ao longo do testemunho de Henrique Afonso recordei-me do que, em tempos, escrevi sobre Miguel Sá, ao mesmo tempo que fui compaginando as suas experiências no mar e junto dos povos, com as de António Barroso Cruz um cidadão do Mundo. Tal como as significativas experiências de João Rodrigues, outro que conhece todos os continentes e com seis presenças em Jogos Olímpicos, ou, então, do meu velho Amigo Rui Marote, fotógrafo, viajante compulsivo por inimagináveis lugares. E fui-me interrogando sobre o quanto figuras como estas poderiam e deveriam ser aproveitadas no sector educativo!

Curiosamente, um pouco antes de ler as peripécias de Henrique Afonso, desde Timor-Leste até à ilha da Reunião, durante 32 dias ao longo do Índico, onde muitas vezes se sentiu dentro de uma "máquina de lavar" no seu "Sofia do Mar", tinha seguido mais um excelente vídeo de António Barroso Cruz sobre o Butão, pequeno reino budista no extremo leste do Himalaia, um país que dispõe, curiosamente, tenhamos presente o significado, um Ministério da Felicidade. E fiquei a imaginar as riquíssimas experiências destes dois cidadãos, entre outros, transformadas em enriquecimento cultural de quem vive aprisionado na ilha.

Ora, quando bastas vezes tenho defendido a existência de uma escola de aprendizagem vista pelo ângulo da cultura, encontro nestas figuras o sobressalto de consciência necessário para romper com o pensamento estagnado e resignado aos manuais escolares. No essencial, o que elas teriam para transmitir sobre as múltiplas culturas, sobre os espaços geográficos, históricos, os das ciências naturais, das artes, da poesia, da literatura, das ciências sociais e culturais dos povos, enfim, sobre uma imensidão de aspectos, que ultrapassam, em muito, a desarticulação dos programas! 

Esta, para mim, seria a escola da verdadeira aprendizagem, porque aquela que temos é a escola do ensino, onde muito se "estuda" para esquecer.


Apesar da minha idade, estou certo que ficaria horas a ouvir o Henrique Afonso, como ficaria outras tantas a escutar o António Barroso Cruz sobre as centenas de viagens, algumas aos sítios mais recônditos do planeta.

Ficaria horas a escutar o "Pirata" que, em Timor, fez amizade com o Prémio Nobel da Paz, Ramos Horta, sobre toda a arte de navegar, sobre a coragem, os riscos, as angústias e o estar só no meio da tormenta; ficaria horas a ouvir o António Barroso Cruz, em uma outra vertente, cruzando experiências e particularidades culturais na vastidão do mundo. 

Se eu fosse criança ficaria a olhar e a beber aquele sumo que 
nem os manuais nem os professores conseguem oferecer. Quantas perguntas faria...

O problema que se coloca é que o sistema educativo não está para aí voltado. A ordem é para cumprir o programa, mesmo que seja para esquecer. A ordem é para consumir os livros das editoras. A ordem é que o professor "dê aula", escreva o sumário, avalie e cumpra o ritual. A ordem é de obediência cega à hierarquia, mesmo que, muito do que na escola acontece, nenhuma relação tenha com a vida.  

E naquelas viagens estão todas as disciplinas curriculares. Basta a inteligência de cruzá-las e integrá-las no que é essencial, daí partindo para o conhecimento mais específico, sempre de acordo com os sonhos e interesses de cada um. Tudo pode ser aprendido, tudo, o processo é que não pode ser aquele que predomina com a matriz de há duzentos anos!

Ilustração: Google Imagens / Youtube

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