sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

MERITOCRACIA - FUI MEDIANO, GRAÇAS A DEUS!


A honra constrói-se na aprendizagem democrática, na solidariedade, nos princípios e valores humanistas que operam o crescimento interior, na cidadania, na cultura, no desporto, no respeito e na compreensão do saber estar com e não contra.


"Quadros de honra". Felizmente, não me lembro de ter pertencido a esse grupo de eleitos. Fui aluno mediano, graças a Deus! Algumas vezes abaixo da média. Participei, sim, em muitas outras situações informais e opcionais, as quais, hoje, reconheço a importância fulcral que tiveram na minha vida. Licenciei-me, fiz um Mestrado, trabalhei em diversos âmbitos, abracei a escola pública e sempre fui feliz. Esse percurso deu-me consistência, responsabilidade e abertura ao Mundo. Conheço tantos assim. Isto a propósito do que venho a assistir, sobretudo nos últimos anos, a essa proliferação de prémios a crianças por mérito escolar. Em alguns casos, até, pecuniários. Discordo. Que no final do secundário, já em uma condição de jovem-adulto, se distinga a capacidade técnica, científica, humana e cultural, aceito. Nas primeiras fases, em função de programas curriculares, não, obrigado. Não é da meritocracia que necessitamos. Nem entre crianças, nem entre escolas com os famigerados "ranking´s", tampouco entre professores através de um indecoroso, porque burocrático, pressionante e gerador de conflito, sistema de avaliação de desempenho!
Considero inaceitável que tragam para dentro da Escola, ou que dela façam o espelho das taras e doentias práticas empresariais. Esse mundo cão da competição desenfreada deve ficar à porta, como exemplo negativo de uma sociedade desestruturada que corre e corre não sabendo para onde. A escola não deve assumir uma concepção mercadológica, uma valorização precoce e obsessiva quando a perspectiva que a deve nortear é a da formação global, o gosto pelo conhecimento, a abertura ao pensamento universal e à descoberta. Não se constrói o futuro com prémios, mas com humildade e com uma permanente pedagogia pelo saber, rigor e responsabilidade. Está em causa a diversidade na origem das crianças, as culturas que chegam à escola, tudo quanto se esconde a montante, as questões económicas, financeiras e sociais. Portanto, a questão central está em perceber como se pode falar de uma escola integradora quando se percorre o caminho contrário. Ao mito do quadro de honra de uns opõe-se, parece-me óbvio, o quadro da desonra dos demais. Depois, queixam-se, entre múltiplas variáveis, é certo, do "bullying", porque uns são os dotados e outros os menos favorecidos. A honra constrói-se na aprendizagem democrática, na solidariedade, nos princípios e valores humanistas que operam o crescimento interior, na cidadania, na cultura, no desporto, no respeito e na compreensão do saber estar com e não contra. Por aí se percorre o caminho da excelência. 
Durante muitos anos, através da prática desportiva, cruzei-me com milhares de crianças e jovens. Nunca precisei de lhes facultar “incentivos”, quando, estando com os outros, dessem o melhor de si, respeitando-os. As internacionalizações e os Jogos Olímpicos foram atingidos com naturalidade e sem marginalizações. Esse o exemplo que incorporei e que transfiro para as etapas determinantes da motivação, o alicerce sobre o qual, a prazo, paulatinamente, se edificam os pilares e as traves-mestras dos andares superiores do conhecimento. Lamentavelmente, até já destacam o mérito escolar de crianças e jovens institucionalizados. A correria pela pseudo-excelência anda desenfreada: são entidades bancárias interessadas, são governos, são autarquias, são instituições diversas e são conselhos pedagógicos que se movimentam nesse sentido. Assisto, na competição desportiva com crianças e jovens, à reprodução de quadros contrários à educação para os mais estruturantes valores. Para que servirá essa desnorteada correria? Para as crianças nada, para o mediatismo dos adultos, certamente que sim. Vaidades que, em muitos casos, se pagam bem caro ao primeiro tropeção. Ocorre-me questionar: e quantos ditos "excelentes" se tornam em medianos profissionais, enquanto outros se afirmam pela diferença, pela criatividade e inovação? A vida, dizem-me os anos que transporto, é muito mais que currículos formatados, exaustivo cumprimento de programas, testes e prémios...

NOTA
Sou colaborador da revista A PÁGINA da Educação. Na edição de Inverno de 2016 que agora me chegou, publiquei um artigo baseado em um outro que escrevi este blogue, a 20 de Outubro, sobre os "prémios por mérito escolar". Peço desculpa aos leitores pela repetição do tema, todavia, com um novo olhar. 
Ilustração: Google Imagens.

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