quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Temos muitos chefes. Faltam-nos líderes.

 

A Escola só pode ser entendida como centro libertador. Estou cansado de ouvir por aí, gente com responsabilidades políticas, a falar da escola como "elevador social". Uma conjugação de palavras que traz no seu bojo uma outra expressão: "com a verdade me enganas". Mas qual elevador? Para alguns sim; para a maioria, para os das margens, não. Basta ler as estatísticas e as baixas qualificações dos candidatos a um emprego. Aliás, o elevador tanto sobe quanto desce. E muitas vezes pára, nem para cima nem para baixo! Eduardo Lourenço, no Expresso de 02.07.2017, clarificou esta situação: "(...) hoje, a Humanidade está dividida não só entre os que dominam e os dominados, mas sobretudo entre os que sabem e os que não sabem. É um paradoxo: ao mesmo tempo que o saber é cada vez mais universal e eficaz, isso não se traduz numa Humanidade mais humana e mais sábia."



Ora, aí está. A pergunta justifica-se: porquê? Amélia Veiga, na última edição de A Página da Educação, trouxe à colação Richard Feynman, Nobel da Física em 1965, para destacar dois tipos de conhecimento: o que se foca em conhecer o nome que se dá à ‘coisa’ e o conhecimento sobre a 'coisa'. O nome que se dá à 'coisa', em uma leitura sistémica, portanto, mais alargada e abrangente, significa o enciclopedismo da escola, onde fazem crer que tudo é relevante. Daí a repetição até à exaustão da 'coisa', para que ela seja objecto de avaliação e atribuição de um nível ou de uma nota. O conhecimento da 'coisa', paradoxalmente, torna-se irrelevante. E ele é, indubitavelmente, fundamental. Ele transforma, molda, liberta e torna melhores os seres humanos e, na esteira de Eduardo Lourenço, mais sábios.  

Nessa mesma edição, Henrique Vaz, acentua: "(...) A retórica das soft skills, hoje profusamente difundida no mundo empresarial (...) constrói-se a partir de um pressuposto, amplamente e/anunciado, segundo o qual o mercado de trabalho e as novas exigências do trabalho já não se circunscrevem ao âmbito das hard skills (...), requerem, agora, já não (apenas) um conjunto de saberes, mas, adicionalmente, um conjunto de atitudes ou habilidades particulares que posicionam o sujeito em posição de privilégio (ou não) no acesso ou circulação no mercado dos empregos (...)". Concordo.

O ininteligível está na persistência (política) da escola traduzida na preocupação em saber o nome da 'coisa', quando a vida exige outros saberes e competências. Nesta perspectiva, conhecer a 'coisa', muda ou deveria mudar, quase radicalmente, os princípios organizacional, curricular, programático e pedagógico de uma escola. Trago em memória o que li em Kathleen Eisenhart, na revista Executive Digest, que colocava a questão entre organizações consideradas lentas e as rápidas. As lentas repetem os processos, iludem, fazem desesperar a maioria dos colaboradores (neste caso, leia-se professores) e os clientes (leia-se alunos), enquanto as rápidas adaptam-se e ganham futuro com isso. As rápidas constroem alternativas múltiplas a partir de informações em tempo real. E esse tempo real é aquele que estamos a viver, não é o tempo dos séculos XIX e XX; esse tempo real não admite rotinas enervantes, antes exige coragem para desafiar o(s) poder(es), demonstrando iniciativa, inovação, criatividade e autonomia. O drama é que continuam fixados na 'coisa' e passam ao lado do conhecimento duradouro e multiplicador.

E tudo isto porquê? Porque temos muitos "chefes" e faltam-nos líderes. Faltam-nos os designados VLM (verdadeiros líderes da mudança). Porque os líderes têm um sonho; os chefes vão resolvendo os problemas do dia-a-dia. Os líderes têm uma história persuasiva para contar; os chefes apenas obedecem à hierarquia. Os líderes influenciam; os chefes, em surdina, assumem que não vale a pena. Os líderes inspiram pensamentos, comportamentos e sentimentos; os chefes são submissos e sem ambição. Os líderes têm visão e seguem o caminho da utopia; os chefes não vêem a hora do regresso a casa. Os líderes apostam na gestão da confiança; os chefes encolhem os ombros; os líderes transmitem aos outros o sonho que lhes vai na alma; os chefes dizem, lá vem este com conversa. E atenção: os líderes também sabem que em momentos de tensão e crise, tal como enalteceu Peter Drucker, não existe gestão partilhada; só que na crise os chefes são especialistas em atirar as culpas para cima.


É um pouco por tudo isto que regresso ao princípio para sublinhar que só entendo a escola como centro libertador, não castrador. A  este propósito li, há dias, um texto muito interessante assinado por Jaime Silva que abordava, na esteira de Richard Feynman, "A vida na Educação e a Educação para a vida". O problema, diz o autor, resume-se a "reconhecer a importância do que se está a aprender". O actual sistema, pelo contrário, para a vida, coarcta, desmotiva, impede a realização dos sonhos, reduz o interesse pelo conhecimento, gera, no máximo, chefes.

Como salientou Ana Brito Jorge na notável revista que serviu de inspiração a este texto: "(...) Libertemos amarras, puxemos os fios" por (...) um “pensamento [particularmente exigente e crítico] eivado de esperança, fundamentada e prudente, que nos ajude a perspetivar o futuro para além do imediato e da contingência”, de que nos falou Isabel Baptista na editorial do Verão (...)". Não nos esqueçamos que a escola só pode ser entendida como centro libertador. 

Ilustração: Google Imagens.  

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