segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Na esteira de pensadores... “Há qualquer coisa de podre na Educação”


NOTA
Este é um meu artigo de opinião, publicado na revista A Página da Educação (216) e que hoje  me chegou. Trata-se de uma síntese de algumas posições que, entretanto, por aqui fui publicando. Talvez possa servir de reflexão!

É inaceitável um processo de aprendizagem que não comece no aluno. Porém, permanece o princípio da hierarquia que se inicia no decisor político e termina no professor. O político, segundo as suas convicções, determina, e ao professor compete o rigoroso cumprimento das tarefas. E para que tudo decorra com normalidade, sobre as suas cabeças deixa a espada da avaliação de desempenho. Os alunos, esses, genericamente, são os que menos contam neste processo, embora o discurso político enfatize que eles estão no centro das preocupações educativas.



Segui a série televisiva "Merlí". Deliciei-me de episódio em episódio. Da sinopse da série destaco: "Merlí Bergeron é o novo professor de filosofia. Um professor desajeitado, irreverente e irónico, com uma personalidade forte e pouco convencional. Merlí irrompe pela escola, como um elefante numa loja de porcelanas, determinado a mudar a vida de estudantes e professores com os seus métodos revolucionários. O seu lema é: "Os adolescentes não são tolos, estão simplesmente adormecidos", e o seu objetivo é despertá-los. As suas armas são: Kant, Aristóteles, Platão... filósofos clássicos para ajudar os jovens a enfrentar os grandes desafios da atualidade. Do que podem estas crianças ser capazes se pararem de agir como parte do rebanho e começarem a pensar pelas suas próprias cabeças? Como professor, Merlí faz com que Sócrates, Hume, Nietzsche e outras figuras da história da filosofia ganhem vida para os seus alunos, de modo a ajudá-los, não sem conflitos, a resolver os problemas do quotidiano".

Merlí é apenas um exemplo de como é possível sair do convencional, de um sistema que olha, de forma
cega para os rígidos currículos, programas e exames, distantes de um olhar sobre a vida. Contextualizando-a, a atitude de Merlí permite romper com o passado e seguir uma característica transversal com aprendizagens significativas, duradouras e portadoras de futuro. Ora, o atual sistema pode satisfazer o interesse político, mas não serve os desígnios de um conhecimento interligado e transferível. "Há qualquer coisa podre na Educação", diz Merlí. Obviamente que sim!

Em um episódio de uma outra série, "Outra Escola" - RTP, o ex-Ministro da Educação, Guilherme de Oliveira Martins, sintetizou: "Hoje os estudantes dizem que a escola é uma maçada. Para garantir que a escola não seja, temos de perceber, exactamente, que a escola é um lugar de aprendizagem e a aprendizagem tem a ver com a vida. Não há uma realidade lá fora, que é a vida, e a escola que está cá dentro, na sala de aula".

Pergunto: de que vale, então, um professor papaguear o manual, se ele não se encontra integrado em uma dimensão maior da aprendizagem? Nesse episódio escutei um aluno: "(...) Nós andamos sempre na pressa da próxima (matéria) que não dá tempo para assentar a última". Socorro-me do que disseram nesta série documental: por um lado, o Dr. Laborinho Lúcio: "(...) o que hoje se pede às sociedades modernas é cada vez mais cooperação para podermos viver aquilo que é a sociedade do risco (...) perante isto, nós não podemos ter uma escola que faz exatamente o contrário (...)"; por outro, a Professora Maria de Assis, Promotora de Práticas Colaborativas - Arte, Cultura, Educação: "(...) nós só aprendemos o que queremos, porque quero ou porque sou levado por alguém que me inspire. Mas depois aprendo por mim mesmo. O conhecimento é uma construção própria. Não é algo que eu fixei e que não sei aplicar em diferentes contextos. Portanto, esta coisa que há um especialista que transmite conhecimento é uma falácia. É fantástico que exista o especialista (...) mas o conhecimento constrói-se por cada um".

Termino, regressando a Merlí: "(...) Estou farto de pessoas que dizem que a Filosofia não serve para nada. Parece que o sistema educativo esqueceu as perguntas: quem somos, de onde vimos e para onde vamos. O que interessa é que empresa criaremos e quanto dinheiro ganharemos. A Filosofia serve para refletir sobre a vida e sobre o ser humano. E para questionar as coisas. A Filosofia é virar do avesso tudo quanto damos por sabido. (...) quero-vos acordados, com as antenas ligadas ao que se passa à vossa volta. Preparados para assumir as contradições e as dúvidas criadas pela vida e para enfrentar as adversidades e aprender com as derrotas (...)”.

Até onde tudo isto nos levaria...

Ilustração: Capa da revista A Página da Educação.

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