sexta-feira, 16 de abril de 2021

Uma deliciosa abertura ao mundo face a uma escola "deficiente intelectual"

 

Sabes, avô, "quem engendrou este sistema educativo foi muito inteligente." Pois, tens razão, tanto assim é que ele perdura e ninguém quer alterá-lo, adiantei. E continuou: "isto está pensado para uma sociedade de empregados e não para uma sociedade em que cada um possa seguir o seu sonho". Os que sobrevivem, queres tu dizer, acabam por dar emprego aos outros. Sou capaz de calcular que "mais de 70% dos países são assim", replicou. Setenta? Não, 90% ou mais. Vivemos em uma sociedade de subordinados à vontade de uns quantos. A escola é um fatinho igual para todos. Fazer por medida, meu querido, é complicado pois coloca em causa poderes instalados. E a classe dominante não está para aí virada. E a conversa continuou.



Mais tarde, uma vez mais, fiquei a conversar com os meus botões, cruzando esta deliciosa abertura ao mundo, com outros interessantes diálogos. Há dias, quando a um outro perguntei sobre o "regresso" à escola, disse-me: "mais do mesmo, avô (...) para ouvir o que está nos livros não preciso de lá ir". Pois, compreendo, para responderes às perguntas, basta que leias os livros e procures na net as eventuais dúvidas! Respondes e já está! Outro, ainda, falou-me, recentemente, de uma "santa vida" que a pandemia lhe trouxe, onde não deixou de estudar e compreender as diversas matérias, mas com liberdade para organizar o dia.

São alunos que, dentro deste sistema, cumprem exemplarmente. Mas, tal como outros, insatisfeitos. Ora, o que isto significa é que, para muitos, arristo dizer para a maioria, a escola é limitadora e estática. É uma maçada. Os pais libertam-se para poderem trabalhar, ficam descansados, mas a escola para eles é geradora de desagrado. Não responde aos seus anseios, porque os seus mundos estão para além dos muros da escola. É socializante, sim, isso é, factor de extrema importância, mas falta o resto. Aliás, são tantos e tantos os testemunhos dos jovens. Felizmente, vários programas de televisão, inclusive, séries, têm vindo a testemunhar o desajustamento, o descontentamento e a concomitante necessidade de romper com esta escola desconfortável, repetitiva, eu diria, deficiente intelectual.

Regresso ao neto "mais velhinho" como, carinhosamente, lhe chamamos. Sou assinante da revista Exame. O último tema de capa foi: "Bitcoins - Para onde vão as criptomoedas". Um bitcoin vale € 52.988,28 - cotação de ontem. Como ele dispõe de uma boa informação, disponibilizei-lhe a revista. Mal folheou, disparou: "avô, devias ler isto". Dei uma gargalhada. Então ofereço-te e tu mandas-me ler? Tens razão, eu nada ligo e devia inteirar-me, pelo menos para conhecer o funcionamento do "ouro digital", disse-lhe. Mas, já agora, explica-me. A nossa diferença de idades é de 54 anos. Para mim foi um regalo ouvi-lo desbobinar o seu conhecimento.

Mas à medida que o "explicador" me dava a aula, tintim por tintim, a minha cabeça, mais virada para outras coisas do que para as criptomoedas, alertava-me para o conhecimento de que era portador e que não provinha da escola. Aqui está um exemplo, por ínfimo que seja no contexto geral, da falência do sistema educativo. Muitos sabem mais do que o manual. Mas é perante o manual que são avaliados. É por isso que a escola, são eles que o dizem, é desinteressante, porque coarcta e não faz a ponte com a vida real. O ciclo eterniza-se, ano após ano: matéria, "estudo", teste, avaliação e regresso à matéria. 

No início do ano escolar, julgo que há dois anos, um dos meus netos chegou à escola e cumprimentou um colega. Sabes, avô, o que ele me disse: "bem-vindo ao inferno". E ele tem razão, complementou. Ora bem, se eu, adulto, racional e friamente, conjugar o que oiço no meu "laboratório familiar" com aquilo que acompanho em várias séries televisivas e, ainda, com os notáveis textos e entrevistas de autores e investigadores, tenho de concluir que o sistema educativo é um desastre ou próximo disso. Não tem ponta por onde se pegue, por melhor que seja o empenhamento dos professores. É um sistema que, intencionalmente, olha para o passado e desvia os olhos do futuro. Demonstra medo, porque está, de facto, vocacionado para formar "empregados" e não pessoas cultas. Escolas com 1.000, 1.500 e mais de 2.000 alunos não são escolas, são fábricas. Por outro lado, a escola continua a ser o ponto de encontro das gritantes desigualdades sociais. Depois querem criativos, inovadores e empreendedores! Uma falácia. A escola continua incapaz de olhar para as novas gerações, salvo raríssimas e boas excepções, com tudo o que preocupa, mas também com todas as virtudes. A escola não tem voz. Os professores não têm voz. Os alunos não têm voz. A escola que deveria ser fantástica, motivadora e favorecedora da curiosidade, acaba por não corresponder e satisfazer os múltiplos interesses (vocações) do que se entende por verdadeiro e duradouro conhecimento. 

Tantas vezes imagino uma escola que, neste complexo momento que estamos a viver, decida esquecer muita da tralha dos programas e resolva abordar o tema: "pandemias". Reflictamos um pouco sobre quantas "matérias" estariam envolvidas de forma integrada e transversal. Quase inesgotável. E o professor só precisava de ser moderador. 

Para continuar a reflectir.

Ilustração: Google Imagens.

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