terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Uma coisa é ser secretário, outra, sectário!


Miguel Esteves Cardoso escreveu, já tem um certo tempo, que "Aprender é ficar vazio. Para aprender, é preciso estar-se insatisfeito. É preciso estar-se à procura de mais. É preciso estar-se aborrecido. Em suma: é preciso estar-se desiludido com tudo aquilo que se aprendeu. (...) Aprender é uma coisa que és tu que fazes. Não é o que acontece quando alguém te ensina. És tu que engoles o pistacho. Não é a pessoa que te diz que o pistacho faz bem, ou que todos temos de comer. (...) Para aprender, nem sequer podes pensar que é só com as pessoas que se pode aprender. Pode-se aprender com os animais. Pode-se aprender com as árvores. Porque aprender é apanhar, aprender é aproveitar, aprender é tirar partido, aprender é transformar, aprender é estar atento, aprender é jogar com aquilo que se tem. 



(...) 
Para aprender, também não podes pensar que tudo se aprende nas aulas e nos livros. Não é só com os que sabem muito que podes aprender. (...)"

As perguntas que coloco, pela enésima vez, são estas: neste contexto, o que seria expectável esperar da Escola, enquanto centro de verdadeira aprendizagem para a vida? E dos decisores políticos? Tenho consciência que os governantes não sabem. Talvez nem queiram saber, porque instalaram-se na doentia e centralista rotina governativa. O que mais gostam é da cadeira, dos salamaleques tolos de quem os rodeia e não da construção de uma sociedade culturalmente robusta. 

O que Miguel Esteves Cardoso enuncia não constitui uma novidade, tantos são aqueles que estudaram e divulgaram a complexidade do processo de aprendizagem, mas uma lúcida chamada de atenção àqueles que pensam que "aprender é acumular", é cumprir currículos e programas, ao contrário de "preencher, trocar uma coisa aprendida, que já não presta, por outra coisa que se aprende". Neste pressuposto, a Escola está a léguas da perspectiva enunciada pelo escritor, porque, infelizmente, continua a matar a curiosidade, a preferir respostas do que perguntas, continua a ter preferência pela avaliação e não pelo conhecimento, continua cega na transmissão enciclopédica que não respeita vocações e sonhos, continua embriagada na busca do "mérito" de uns quantos para promoção pessoal, enquanto deixam milhares no vazio que o crescente desinteresse demonstra. 

Porque a sociedade o exigirá, estou em crer que os políticos amorfos e sem visão, os centralistas no pensamento e na acção, acabarão por ser substituídos por outros que transportem aquilo que Paulo Freire, pedagogo de referência mundial, um dia sublinhou: "eu tenho um gosto em respeitar a diferença que me abre ao mundo (...) jamais me sectarizei e jamais fui intolerante". Ora aí está, o respeito pela diferença no pensamento constitui a "pedra de toque" do desenvolvimento. Só por aí existe abertura ao mundo. Portanto, uma coisa é ser secretário, outra é ser sectário! Miguel Esteves Cardoso complementa: "(...) Para aprender, é preciso revelarmos a nossa ignorância (...)". Nem mais.

Por outro lado, penso ser pertinente a questão: que pensarão os professores e os sindicatos de professores de tudo isto? Pessoalmente parto do princípio que a curiosidade "é uma fome, e para ter fome aquilo que se comeu durante toda a vida já não conta, porque já foi há mais de 24 horas". É por isso que questiono os professores, porque encontro aqui uma convergência com Richard Feynman, Nobel da Física em 1965, quando destacou dois tipos de conhecimento: o que se foca em conhecer o nome que se dá à "coisa" e o conhecimento sobre a "coisa". Continuamos no lado do nome que se dá à "coisa" quando é o conhecimento da "coisa" que transforma, molda, liberta, torna melhores os seres humanos e, na esteira do Filósofo Eduardo Lourenço, faz-nos sábios. 

Ilustração: Google Imagens.

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