Na edição de hoje do Público li um artigo de Rita Simas Bonança, Educadora de Infância Especializada e Doutorada em Educação. Eu diria que a semana começou bem. Quantas vezes dou comigo a pensar na eventualidade do erro ser meu e de todos quantos se opõem a este sistema educativo que não respeita nem os talentos nem os sonhos que cada aluno transporta. Mas não, há muitos numa acção contínua a colocar em causa um sistema que mata a curiosidade, o pensamento e o conhecimento. Valeu a pena ler este artigo que começa com duas perguntas essenciais: "Quantas vezes vemos o sorriso de um aluno a esmorecer ao ver a nota? Quantas vezes os olhos de um professor denunciam a tristeza de saber que aquele número não traduz o que viu, sentiu e acompanhou?"
Clarifica a autora: "Estamos numa época em que termos como “personalização” e “inclusão” são quase slogans, usados para vender a ideia de uma escola mais humana — mas será que é mesmo assim? Em teoria, tudo parece perfeito: uma escola que respeita as diferenças, que vê o talento em cada criança, que acompanha os seus ritmos de aprendizagem. Mas chega o momento da avaliação — e, de repente, tudo se desfaz. O aluno deixa de ser aquela pessoa inteira, cheia de sonhos, dúvidas, medos e esperanças, e transforma-se num número frio numa pauta. Um número que pesa mais do que qualquer palavra de incentivo ou gesto de apoio."
E continua a perguntar: "(...) o que estamos a fazer aos nossos alunos quando lhes dizemos, todos os dias, que o seu valor está reduzido a um 12, a um 15, ou a um 18. Como é possível medir a aprendizagem com uma régua tão curta? Como medir o esforço silencioso de quem acorda todos os dias com medo de não ser suficiente? Ou a persistência de quem luta contra obstáculos invisíveis? É trágico — e, ao mesmo tempo, irónico — que a escola que proclama “cada aluno é único” trate todos como se saíssem da mesma fábrica. A nota, impessoal e impiedosa, transforma-se numa sentença final. Apaga histórias que ninguém vê, dificuldades que ninguém nota, pequenos grandes progressos que não cabem numa simples grelha. É como transformar a essência de uma pessoa numa etiqueta que nos diz... qual é o seu valor (...) A avaliação deveria ser um momento de partilha, de escuta, de crescimento — um espaço onde o erro fosse o ponto de partida para a aprendizagem, onde o esforço fosse reconhecido, onde se celebrasse o progresso. Em vez disso, tornou-se um processo mecânico e burocrático. Os professores, que tanto querem ouvir, compreender e apoiar, são pressionados por programas intermináveis e conteúdos demasiadamente complexos, muitos deles sem qualquer impacto na vida real dos alunos. Ensina-se para o teste, aprende-se para o teste, vive-se para o teste. E depois lamenta-se que os alunos não tenham criatividade, pensamento crítico ou paixão pelo saber. Como podem, se errar significa perder pontos? Se sair da caixa significa ser penalizado? Como ousar questionar, se a única resposta válida é aquela que cabe numa fórmula?
Ensina-se para o teste, aprende-se para o teste, vive-se para o teste. E depois lamenta-se que os alunos não tenham criatividade, pensamento crítico ou paixão pelo saber"
E sendo assim, torna-se muito clara a sua posição: "Há alunos que brilham em mil outras coisas: na oralidade, na expressão artística, na solidariedade, na persistência diária. Mas o sistema raramente os vê. O que conta é o teste, o resultado numérico, a resposta certa. O resto é “extra”, invisível e ignorado. O brilho de uma criança que domina a empatia e ajuda um colega, a força silenciosa daquele que vence a timidez para participar, a coragem de quem enfrenta dificuldades — tudo isso desaparece atrás da cortina dos números. Os professores são, muitas vezes, prisioneiros desta lógica. Querem ensinar, querem cuidar, querem dar tempo — mas não têm margem para isso. Avaliar devia ser um ato de coragem, um compromisso ético, uma tarefa humana. Exige tempo para ouvir, para entender, para ajustar. Mas o relógio corre e a máquina de números não espera. Quantas vezes vemos o sorriso de um aluno a esmorecer ao ver a nota? Quantas vezes os olhos de um professor denunciam a tristeza de saber que aquele número não traduz o que viu, sentiu e acompanhou?"
Termina com uma chamada de atenção: "É urgente mudar esta cultura de avaliação. Precisamos de um sistema que valorize a diversidade dos percursos, que reconheça o esforço, a criatividade e a resiliência, que permita errar para aprender, que não condene. Avaliações que sejam um convite para crescer e não uma sentença para desistir. A nota pode existir, sim — mas nunca pode definir um aluno. No fundo, o que realmente importa não é “quanto vale” um aluno numa escala de 0 a 20, mas como o ajudamos a valer-se por si próprio. A escola tem de ser um lugar onde cada criança se sinta vista, ouvida e valorizada. Onde a avaliação seja um meio para libertar potencial, não para aprisionar. Porque aprender é, acima de tudo, humanizar."
Obrigado Professora. Obrigado ao Público.
Ilustração: Google Imagens
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