sábado, 9 de agosto de 2025

Nota máxima… a que preço?


Por
Afonso Brazão
Académica da Madeira

Vivemos numa sociedade em que a excelência é medida em números. Quanto maior a nota, maior é a expectativa. Será, porém, que esta “equação” é assim tão simples?



Muitas vezes nós, estudantes, dizemos que nos fartámos de estudar para obter um certo resultado numa determinada avaliação. Que tivemos de priorizar o tempo de estudo sobre outras coisas que, muito provavelmente preferiríamos ter feito. Tomamos estas escolhas para que possamos alcançar a desejada “nota máxima”. Contudo, até que ponto ter nota máxima num exame implica a nossa exigência máxima?

Um primeiro aspeto importante a salientar é a pressão pela classificação máxima. É inegável tratar-se de um fator benéfico ao estudo, por nos manter focados. Todavia, essa pressão também influencia vários aspetos menos positivos ao nível do ambiente educativo. Gera-se uma cultura de competição por médias altas e de comparação entre os colegas. Esta pode chegar a um ponto não saudável em que o próprio estudante começa a sentir-se insuficiente e impotente, e, por isso, trabalha em dobro. Há uma pressão social que nos obriga a sermos os melhores para não colocar em risco um plano predestinado para o nosso sucesso profissional. Ela pode resultar num esgotamento mental e físico que não afeta apenas o desempenho escolar, como tudo o resto no seu quotidiano.

Tirar 20 valores não significa dominar tudo. Há sempre algo que nos escapa por maiores “génios” que sejamos. Além disso, é possível que sejamos bons na teoria, mas se na prática não soubermos aplicar os conhecimentos conceituais que adquirimos, de que é que nos serve sabê-los de cor? A realidade é que a aprendizagem vai além do número.


O impacto desta exigência desmedida na saúde mental é um problema que afeta uma grande quantidade de estudantes. A ansiedade, o burnout e o medo de falhar são os principais resultados de toda esta demanda académica, muitas vezes descartados e ignorados. A pressão para se ser perfeito resulta num estado de ansiedade, que afeta não só o foco mas também o bem-estar geral. Além disso, o próprio medo constante de falhar pode servir como uma fonte contínua de stress que, por sua vez, implica maiores níveis de ansiedade. Já o burnout, um esgotamento físico e emocional do estudante, resultante da sobrecarga de esforço e de expectativas utópicas, leva a que o próprio jovem perca a motivação e a energia para aprender de modo consciente.

É fulcral estabelecermos um equilíbrio. A dedicação é bastante importante, mas sem descanso não vale de nada. Há que aprender com os erros e com a experiência e não nos devemos condenar por isso. Todo o esforço é importante e todo o tempo de estudo é fundamental, mas temos de zelar pelo nosso bem-estar acima de tudo. O corpo e a mente precisam de recarregar energias para que possam trabalhar a 100%. 

Não é passar o dia inteiro com os olhos colados ao ecrã ou ao livro que nos vai ajudar, temos que estudar, isso é óbvio, mas o segredo é não fazer disso a nossa vida até à data da avaliação, é preciso continuar a fazer aquilo de que gostamos e que nos traz lazer e paz pois são esses momentos que posteriormente ajudam-nos a estar mais focados e aptos para tirar melhores resultados.


Assim, a pergunta mantém-se: nota máxima, exigência máxima? A resposta é não. A excelência académica deve servir de gatilho para novas aprendizagens, não como uma prisão sufocante. Temos de encarar a aprendizagem como um processo, não um número.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Secretaria de Educação: A Farsa dos Cem por Cento.


Por
Nuno Morna
agosto 06, 2025

Quando a propaganda educativa atinge os níveis de Saddam e o fracasso se mascara com tablets



É evidente que só uma criatura moldada no barro mole dos gabinetes governamentais, onde se respira o ar parado dos corredores sem livros e o cheiro a tonner barato, poderia olhar para aqueles quadros com percentagens a escorrer perfeição e declarar, com a solenidade dos que confundem propaganda com pedagogia, que a transição digital melhorou os resultados dos exames nacionais. Melhorou, dizem eles. Como se o sucesso brotasse do toque de um ecrã, como se o conhecimento viesse embutido no alumínio do tablet, como se o raciocínio lógico, a capacidade de interpretação, o espírito crítico se pudessem instalar por bluetooth. Melhorou, e pronto. Não se discute. Não se pensa. Publica-se. Com fotografia, citações emolduradas e aquela euforia de fim-de-semana prolongado nos serviços centrais da Secretaria.

A verdade, claro, está ali diante dos olhos, como uma piada triste mal contada. Cem por cento. Noventa e nove vírgula qualquer coisa. Aprovações em bloco, uma muralha de êxito, um desfile de notas positivas como se de repente tivéssemos entrado num regime de milagre pedagógico. E o mais absurdo é que ninguém se espanta. Ninguém estranha que os resultados de Filosofia, Biologia, Economia ou Física se pareçam mais com os resultados eleitorais de Saddam Hussein do que com a distribuição normal de uma população estudantil minimamente heterogénea. Cem por cento, meu Deus. Cem por cento como nas ditaduras de opereta, onde os mortos votam e os vivos não se atrevem a não aplaudir. Cem por cento como se errar tivesse sido abolido por decreto. Como se a dúvida, a falha, a dificuldade fossem agora fenómenos arqueológicos.

E no centro deste teatro, o senhor Secretário da Educação, que de tão repetidamente entusiasmado com os milagres estatísticos que ele próprio promove, começa perigosamente a parecer-se com Mohammed Saeed al-Sahhaf, o tristemente célebre ministro da propaganda de Saddam, aquele que garantia que o exército americano estava a ser esmagado mesmo enquanto os tanques passavam por trás dele. Aqui, o inimigo é outro: é a realidade, que teima em não coincidir com os gráficos; é a evidência, que insiste em contradizer os discursos; é o estado miserável da literacia funcional que resiste à cosmética das manchetes. Mas como al-Sahhaf, o Secretário prossegue, impávido, a declarar vitórias em todas as frentes, entre colunas de fumo e escombros pedagógicos, como se bastasse dizer que tudo está bem para que tudo estivesse mesmo bem. O ridículo, porém, é que há quem aplauda. E a ignorância oficial tornou-se contagiante.

O problema não está no sucesso. O problema está no exagero. No excesso. Na farsa. Estes resultados não revelam progresso, revelam encenação e encenação terceiro-mundista. E por trás da encenação, o velho vazio de sempre: exames sem rigor, critérios de correcção diluídos, ensino orientado para a repetição automática, para o reconhecimento de padrões, para o papaguear manso que não incomoda. Nenhuma destas notas mede a verdadeira compreensão. Nenhuma destas percentagens diz alguma coisa sobre o futuro. O que estas notas medem é a eficácia do disfarce. E é nisso que nos tornámos: especialistas em disfarces. Em fingir que somos bons. Em montar o espectáculo da excelência sobre os escombros da exigência.


Para que se perceba melhor: é como se o Governo Regional tivesse montado um cenário de teatro em ruínas, mas com cortinas novas. Lá dentro, a estrutura apodrece, os alicerces estão podres, os actores esquecem o texto. Mas como cá fora há luzes bonitas, cartazes reluzentes e comunicados de imprensa escritos por gente que já não distingue uma sala de aula de uma sala de reuniões, toda a gente bate palmas. Só que depois os miúdos saem dali e não sabem preencher um formulário, interpretar uma notícia, escrever uma carta de motivação. E quando chegam à universidade, para os que chegam, os professores têm de reaprender-lhes o básico: como pensar, como escrever, como raciocinar. A verdade é esta: estamos a aprovar por decreto. Estamos a fabricar notas como se fossem senhas de talho. E os alunos, os nossos filhos, os nossos sobrinhos, vão pagar por isso.

Não se trata aqui de um erro de avaliação. Trata-se de uma perversão do princípio educativo. O ensino foi tomado por políticos que precisam de números, não de alunos. De quadros estatísticos, não de pessoas. A introdução dos manuais digitais, esse nome pomposo para um amontoado de PDFs em ecrãs tácteis, foi desde o início mais uma operação de cosmética do que de reforma. E como todas as operações de cosmética, vive do reflexo no espelho, não da substância. Querem que os números fiquem bonitos. Que o relatório chegue a Bruxelas com sorrisos. Que os jornais publiquem em corpo 48 o milagre. Que os jornalistas repitam como papagaios domesticados o milagre da Madeira digital. Que ninguém pergunte nada.

O que sobrou disto tudo foi uma ficção. Uma ficção bem embalada, vendida com os selos da modernidade e da inovação, mas uma ficção. Os alunos continuam sem ler. Continuam sem escrever. Continuam sem saber ligar duas ideias, distinguir uma premissa de uma conclusão, interpretar um texto com mais de três parágrafos. Mas têm tablets. Têm aplicações. Têm gráficos coloridos. E, claro, têm notas. Notas belas, puras, cem por cento aprovados como nas repúblicas onde os ditadores ganham por unanimidade e os cidadãos batem palmas com medo de desaparecer. A diferença é que aqui desaparece a verdade. E desaparece o futuro. E desaparece a dignidade da escola, substituída por este teatro de fachada que se apresenta, com orgulho, como sucesso.

E agora, expliquem isto a uma criança. Expliquem-lhe que estudou, que se esforçou, que aprendeu a pensar, mas que vale o mesmo que quem decorou dois resumos e copiou tudo do colega. Expliquem-lhe que as notas são todas iguais porque é mais fácil fingir que ninguém falha do que enfrentar a vergonha de termos deixado a escola tornar-se um cenário de mentira. E quando essa criança crescer e perceber que foi enganada, que não lhe ensinaram nada de verdade, não se admirem que perca o respeito por tudo o que lhe disseram ser "educação". Porque a verdade, por mais que se disfarce, acaba sempre por regressar. E cobra juros.

NOTA
Agradeço ao Amigo Nuno Morna a autorização para a publicação deste seu artigo. Revejo-me, totalmente, no seu pensamento. Parabéns, Amigo, precisamos, cada vez mais, de vozes lúcidas.