sábado, 14 de março de 2020

"Sejam autónomos nas decisões que já tomámos por vós"


Faz hoje quatro meses. Li na edição do JM de 14 de Novembro de 2019: “(...) Já que estamos no início de um novo mandato, queria assumir, junto da comunidade educativa desta escola, toda a disponibilidade, por parte da tutela, para continuarmos a colaborar e a apoiar aqueles que são os projetos educativos de cada escola e, neste particular, o projeto educativo da Escola Dr. Ângelo Augusto da Silva (...)” - Dr. Jorge Carvalho, secretário Regional da Educação.


E li mais: "(...) Nós entendemos que só assim, respeitando as especificidades, os diferentes contextos e os diferentes ambientes de aprendizagem é que é possível conseguirmos dar resposta letiva, mas também uma resposta individual” (...) “Ou seja, termos a capacidade de proporcionarmos as condições para que cada um, à sua medida, possa atingir o sucesso (...)". 
Guardei o documento e, serenamente, aguardei. Passaram-se quatro meses e regressei ao arquivo para tomar o pulso a tão extraordinárias preocupações. De um fatinho de tamanho único para todos, característica do sistema educativo desde a Revolução Industrial, finalmente, o secretário desejava e apontava para um fatinho à medida de cada um. No essencial, uma resposta individual de acordo com os interesses e expectativas de cada jovem. Por outras palavras, o que ele quis dizer é que o "sonho comanda a vida" e que é o sistema que tem de se adaptar às novas circunstâncias e não o aluno à imposição vertical que determina tipos de organização, de currículos, de programas e de toda a zona pedagógica. O que ele, naturalmente, quis dizer é que a noção de estabelecimento de ensino seria alterada para um conceito de estabelecimento de aprendizagem. E o que ele, deduzo, ainda quis transmitir aos professores é que, sendo o aluno prioritário, iria tomar medidas para acabar com a excessiva burocracia que monopoliza e inferniza os docentes.

Cheguei a pensar que o secretário, finalmente, seguiria o que tantos investigadores e autores de diversos sectores e áreas do conhecimento há muito têm vindo a salientar. E pensei mesmo que aquela esclarecida posição vinha na sequência de um qualquer roteiro sobre o que de bom vem sendo realizado em vários países, mesmo em muitas escolas de Portugal, na sequência, até, dos alertas de tantas instituições. Mas não, erro meu. Passados quatro meses, aqui sentado frente ao teclado, perpassa-me, uma vez mais, as palavras do Professor Doutor Licínio Lima "sejam autónomos nas decisões que já tomámos por vós". 
O resto é paleio circunstancial para entreter incautos.

As rotinas mantêm-se e a escola continua a ser aquilo que, por um lado, a ausência de pensamento determina, por outro, o espelho de uma centralização que evita ou mesmo bloqueia diferentes formatos organizacionais e concomitante pedagogia diferenciada. E nisto, lamento, há um ruidoso silêncio, uma submissão irritante, uma abdicação do pensamento, perseguições e mensagens subliminares nesse sentido, o condicionamento e o medo de uma qualquer mudança, um incentivo à desconfiança nos e dos professores, agravada pela avaliação do desempenho docente que tem gerado muitas incompatibilidades. 
Eu diria que a engrenagem é perfeita. No mau sentido, mas é! Até sob a capa da democracia muitos eternizam-se nos executivos dos estabelecimentos, como se fossem "correias de transmissão", incapazes de assumir que tudo tem um tempo, que "uma escola sem pensamento crítico não é escola" e que tantos outros poderiam fazer muito mais e melhor do que aqueles que, ilusoriamente, julgam ser os portadores de uma escola com futuro. 
Há dias dizia-me uma pessoa por quem nutro uma enorme consideração: há especialistas em "juntar palavras". E isso não chega. É preciso ser consequente. Passados quatro meses tudo continua enervantemente igual. E continuará, certamente.
Ilustração: Google Imagens.

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