segunda-feira, 23 de março de 2020

TORNAR A TRAGÉDIA PANDÉMICA EM UMA OPORTUNIDADE DE APRENDIZAGEM


Acabei de ler um artigo assinado por José Pacheco Pereira. Uma delícia. Compaginei-o com o que escrevi no blogue www.gnose.eu e aqui transcrevi, subordinado ao título "A Pandemia e a paranóia escolar". Daí a minha satisfação. Ora bem, vamos ao essencial. Quando os meus netos tiveram a possibilidade de passar uma semana do centro de Nova York, disse-lhes: aproveitem, visitem tudo, vivam e sintam a experiência cultural, porque isso vale mais que três meses de aulas. O "programa" (não curricular) que cumpriram deu-me razão.

Agora, com o Covid-19 e o respectivo confinamento em casa, deveria ser aproveitado para combater a "falta de preparação de muitos portugueses para poderem ter um olhar mais sabedor, ponderado, consciente, eficaz para o que se está a passar", sublinha José Pacheco Pereira. Deveríamos aproveitar este trágico momento para tornar o aluno mais "culto, interessado pelo mundo, curioso, atento, respeitador do saber alheio, e não necessariamente apenas do saber académico. Não é remédio absoluto, mas ajuda", enaltece o autor do artigo. 
E é verdade, de que vale umas quantas páginas dos programas curriculares, debitadas à distância, quando este maldito vírus nos pode transportar para outros patamares do conhecimento? Das ciências epidemiológicas e fisiopatológicas à História do Homem, da Economia à Geografia, das Ciências do Ambiente (a poluição está a diminuir) à organização e responsabilidade social, da Estatística à literatura, poesia e cinema. A este propósito, sintetiza Pacheco Pereira: 

"(...) Quem lê, seja por obrigação, por interesse ou por gosto, está mais preparado para olhar para a pandemia, aprendendo sobre ela mais e melhor. Por exemplo, saber o que é um crescimento exponencial, perceber os gráficos, ler um mapa, ter uma noção sobre os comportamentos humanos em situação de tensão, travar o pânico, entender as informações que recebe, saber distinguir o trigo do joio, conhecer minimamente os mecanismos sensacionalistas da comunicação social e deixar as fábricas de conspiração, intriga e falsidades nos esgotos sociais onde pululam. Como agora se diz, literacias. Não é remédio absoluto, mas ajuda. 

E não se trata apenas de conhecimentos científicos sobre as epidemias, sobre as mutações, sobre os mecanismos de contágio, sobre o que é um vírus e como funciona, trata-se de muito mais. Trata-se daquilo em que ler é único, importar experiência indirecta, viver em si o que o mundo dos livros, ficção, poesia, história, transporta. E na literatura e nos filmes também não se trata de procurar apenas ficções que sejam directamente associadas ao tipo de situações que vivemos, como A Peste, de Camus, ou os contos de Edgar Allan Poe (em ambos os casos, livros que têm tido uma grande procura nestes dias), mas muitos outros, seja o 1984, de George Orwell, seja a Montanha Mágica, de Thomas Mann (onde o lugar da tuberculose, o sanatório, funciona como um microcosmos), sejam as memórias e os contos de Tchekov médico, seja, em bom rigor, tudo. A tese é, para usar um exemplo não-pandémico: quem leu Cesário Verde não vê Lisboa da mesma maneira que se não o tivesse lido. E, por muito vaga que seja essa experiência estética, é provável que defenda melhor a sua cidade pelo voto, pela actividade cívica, pela opinião. Como em tudo, não é regra absoluta, mas mais vale ter lido do que ter passado ao largo. Não é remédio absoluto, mas ajuda. (...)" 
Conclusão: 
Há muito mais para além da "fúria" pelo cumprimento dos programas curriculares e pela doentia obsessão pelos exames. Como se não existisse alternativa, anda o país a despachar capítulos dos manuais, apenas para que os relatórios finais fiquem de acordo com o superiormente estipulado! Lamento, porque a aprendizagem deve estar contextualizada com a vida. E o Covid-19 está aí, na nossa vida.

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