terça-feira, 6 de setembro de 2022

Regresso às aulas ou o regresso à rotina?

 

A pergunta tem a sua razão de ser. Não tolero a expressão "regresso às aulas", porque a aprendizagem é permanente, mesmo em tempo de pausa, mas sobretudo pela carga que ela transporta no quadro do sistema educativo; muito menos me conformo com a "rotina". Ambas, por múltiplas razões tantas vezes aqui equacionadas, constituem a antítese da escola que aos jovens deveria ser proporcionada, enquanto espaço de conhecimento significativo, como, por outro lado, traduz o oposto relativamente a um mundo que não se compraz com repetitivas atitudes tradicionais. De forma absurda e ininteligível, os políticos são capazes de olhar e até compreender a velocidade com que a ciência acontece, mas continuam a preferir encostar os olhos e o nariz numa parede. Ainda ontem, em contraponto, o Papa Francisco, numa entrevista na TVI, embora num outro contexto, alertava para a necessidade de "abrir a janela" para ver o mundo, digo eu, de oportunidades que os novos caminhos sugerem. Abram a janela, disse! Escancarem a janela.



Ora, o tal regresso às aulas corresponde à janela fechada. É o regresso à turma, aos currículos, à "liturgia" programática, ao condicionamento do pensamento através do manual, à segmentação da aprendizagem por disciplinas, logo, sem interligação consistente entre elas e muito menos com a vida, à imposição do que os adultos entendem como importante, à matança de talentos, porque não se respeita a vocação, o regresso ao débito das matérias, aos testes, à nota e ao exame. É isto que configura o "regresso", palavra que significa "retorno à circunstância inicial". Uma escola assim corresponde a salas vazias de significado.

Aos que seguem a leitura deste texto, obviamente que é legítima uma pergunta: então, existirá outro formato de escola? Respondo: existem muitos, mesmo em Portugal, basta que os estudemos. O que tenho por adquirido é que o "modelo português" (trata-se, de facto, de um modelo (estático) e não de um paradigma), ano após ano, afugenta da escola os alunos e os professores. Os primeiros assumem que é "uma seca", vendo nela mais obrigação do que utilidade, e os segundos, na generalidade, não encontram o momento de fazer um corte com a profissão que abraçaram e muitos amaram. Mais grave é que são poucos os jovens candidatos ao exercício da docência. Mesmo no actual sistema, a renovação dos quadros já é deficitária. O retrato da situação é público e notório.

E não é preciso ir lá fora copiar um qualquer paradigma de escola, porque a solução está cá dentro. Há que olhar, obviamente que sim, para aquilo que outros fazem e de forma consequente, há que reflectir e produzir pensamento a partir de experiências vividas, mas sempre com a preocupação de fugir à tentação de criar um "modelo nacional" desadequado das inúmeras circunstâncias caracterizadoras do povo português. 

Ademais, os estabelecimentos de aprendizagem precisam de uma completa autonomia, de gerar a diferenciação entre eles e de deixarem de vez a trela política centralizadora.

Hoje, estamos perante um "cocktail" explosivo de graves consequências para o futuro colectivo. Os penosos resultados desta cega política estão a caminho. Aliás, já são sensíveis e devastadores os sinais em todos os sectores e áreas da sociedade. Cinquenta anos depois de Abril tudo continua estruturalmente igual, apenas com alguns enfeites e muita propaganda balofa. Para quem decide, face às configurações da IV Revolução Industrial, basta responder com os enquadramentos que provêm da I Revolução Industrial. Pergunto, será que ninguém dá conta que estamos a preparar para empregos que não vão existir e, pior ainda, estamos a gerar uma grave carência de especialistas em variadíssimos espaços profissionais? Ainda ontem, cruzei-me com um empresário que foi claro: "preciso de colaboradores que saibam do ramo a que me dedico. Não encontro". Ele não me falou de habilitações académicas, falou-me de pessoas com talento e capacidade profissional. Ora, concluo, há um evidente divórcio entre as duas faces do problema.

Depois, com uma gritante facilidade, oiço por aí frases do tipo: geração de malandros, não querem trabalhar, vivem dos subsídios, eu sei lá o que tenho escutado. Desabafos que caracterizam a situação actual, mas que ficam pela superficialidade, distante da causa dos problemas. E na causa está a estrutura da sociedade em todos os aspectos, a mentalidade enraizada por anos a fio de encolher de ombros, a ausência de rigor e de uma escola desadequada da realidade. Ninguém se questiona para onde vai, ninguém apresenta uma preocupação de sentido prospectivo, trazendo ao presente o futuro que é desenhável. E como quadros iguais resultam em respostas iguais, ninguém espere amanhã outros resultados que não os de hoje.

Preocupam-se, apenas, e este é um mero exemplo local, que este ano o sistema terá menos 800 alunos (como se martelam as estatísticas!), que os professores estão colocados (!), as salas preparadas, os diversos serviços em funcionamento, os apoios garantidos e pronto, tal qual na fábrica, as portas abrirão às 08:00 e encerrarão ao anoitecer. Pobre escola esta! Os de plantão, no topo da hierarquia política, vão-se entretendo na propaganda e nas palavras rotineiras para enganar tolos. Sem qualquer vergonha, dirão, dentro de dias, que as "aulas" recomeçaram dentro "da normalidade". Pois... o que interessa é a eleição seguinte e não a geração seguinte.

Ilustração: Google Imagens

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