sábado, 4 de fevereiro de 2023

Ausência de memória


Quem passou pelo exercício da política, sobretudo por cargos de enorme responsabilidade governativa, deveria ter a memória, sempre fresca, do que fizeram e do que ficou por realizar. A mim, enquanto observador, no sector a que me dediquei, deixa-me um rasto de perplexidades quando assisto ao discurso de ex-ministros a perorarem sobre assuntos face aos quais não tiveram nem engenho nem arte para mudar o curso da História. Lembro-me de todos eles e a poucos, muito poucos, reconheço a tentativa de gerar caminhos dissonantes com a “liturgia” de uma escola marcada pela rotina.



Fazem-me lembrar um meu professor, envolvido até ao pescoço com o Estado Novo, que uns tempos depois de Abril de 1974, em conversa de circunstância, disse-me: “André, sabes que nunca tive nada a ver com aquela gente”. Respondi-lhe: “pois... é verdade”. De que valia dizer-lhe o contrário! Ele ficou feliz e eu não deixei de fazer a leitura histórica. Assim me fazem lembrar esses ex-ministros que surgem a falar de Educação (e não só), sem memória do que foram, do que disseram e do que não produziram.

É a história da metáfora de um prédio que ruiu: areia, cimento e ferro foram chamados a tribunal. Perante o juiz, a areia defendeu-se dizendo por a+b que era da melhor e mais consistente; o cimento argumentou a qualidade provada nos laboratórios e através de inúmeras obras; chamado o ferro à presença do juiz, começou por dizer: senhor dr., pergunto-lhe, o que faço aqui? Eu nem lá estava! Ora bem, há ex-governantes que falam como se lá nunca tivessem estado.

Falam de cátedra, agora, sobre o que o governo devia fazer, criticam, severamente, quem ocupa a cadeira onde outrora se sentaram, sem que a memória do que não fizeram os perturbe. Isto quando é sabido que qualquer investimento estratégico, no caso em apreço, no sector educativo, só alguns anos depois produz efeitos. Se os professores estão na rua em protesto justo, essa manifestação tem, pois, origem em trinta e tal anos de políticas erráticas e dos melhores da sociedade nunca terem sido chamados a repensar o sector. Esta não é uma questão exclusiva dos sindicatos. É, sobretudo, dos grandes pensadores da Educação. É uma questão de Filósofos, que os há no nosso país, com uma extensa produção científica e obra publicada. Chegámos aqui por via da incompetência, da mediocridade partidária, da ausência de pensamento que possibilitasse desenhar e antecipar o futuro, do domínio das crenças e do “achismo” que sempre foi preferível ao pensamento portador de futuro.

Pior ainda, quando os pregadores de circunstância ultrapassam as generalidades e caem nas banalidades. Ainda anteontem escutei a palavra de um ex-ministro da Educação. Sei que só esteve dois anos como ministro e, portanto, um tempo que não deu sequer para aquecer a cadeira. Mas dois anos são suficientes para perceber onde um governante deseja chegar. A par de tantos outros, desse não me recordo de uma única medida devidamente enquadrada num projecto a doze/dezasseis anos, porém tem o desaforo de aparecer na televisão para dizer umas coisas, ainda por cima, do meu ponto de vista, completamente desfasadas de uma política educativa de resposta aos grandes desafios deste século.

Estamos a viver um tempo de irracionalidade, atrevo-me a dizer, de mediocridades, de discursos para entreter, de paradoxos entre o que dizem e a prática, de mentira dita com a tez séria, de acentuada partidarite em desfavor do pensamento dos que podem alumiar o caminho, de rotina e mais rotina como se este sector não tivesse de ser reinventado na plenitude desta palavra, de desconfiança e atropelos na dignidade na nobre missão de fazer aprender, de governantes impreparados que trazem apenas em memória a sua experiência alimentada pela frase “no meu tempo é que era bom”. E assim repetem, não acrescentam pensamento.


Desta vez, não mudei de canal, mas para com os meus botões, acreditem, vociferei revoltado. Há pessoas a quem o Pai Natal lhes deveria oferecer um espelho! Porque, tal como o ferro… parece-me que ele nem lá esteve!

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