quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O que há muitos anos tantos andam a dizer


O SISTEMA EDUCATIVO TEM DE MUDAR
OU IMPORTANTE TEM SIDO MANTER O ESTADO DE IGNORÂNCIA?


Os dados são claríssimos Senhor Ministro e Senhora Secretária Regional da Educação. O meu Amigo Nuno Morna desenvolveu um texto exemplar na caracterização das razões do estado a que chegámos. Vale a pena lê-lo.
 
Tem faltado conhecimento e coragem política para que a escola não seja analisada pela capacidade dos alunos em debitar as respostas prontas, mas a de gerar os pressupostos da curiosidade, do pensamento e do conhecimento. O que estamos a viver caminha para um desastre colectivo.
 
E a Madeira, com 40 000 alunos, podia ser um exemplo de uma estratégia inteligente, inovadora e portadora de futuro.
 
Leiam, por favor, este texto do Amigo Nuno Morna.

𝗤𝘂𝗮𝗻𝗱𝗼 𝗮 𝗲𝘀𝗰𝗼𝗹𝗮 𝗳𝗮𝗯𝗿𝗶𝗰𝗮 𝗽𝗮𝗽𝗮𝗴𝗮𝗶𝗼𝘀 𝗲𝗺 𝘃𝗲𝘇 𝗱𝗲 𝗰𝗶𝗱𝗮𝗱𝗮̃𝗼𝘀



Este gráfico, com as suas cores inocentes de feira barata, não é estatística: é o retrato de um cadáver. Cada barra uma lápide, cada percentagem uma derrota. Décadas de ministérios e secretarias entretidos a carimbar papéis, a inventar reformas que nunca reformaram, a fabricar uma escola que não ensina ninguém a pensar, apenas a repetir como eco do vazio o que lhe mandam. O cérebro reduzido a armário de arquivo, o professor transformado em empregado de balcão.

E o que se vê é terrível: quase metade dos adultos portugueses não consegue interpretar um texto. Quase metade. Um país que lê sem ler, que junta letras como quem empilha pedras, que tropeça nas frases e não encontra o sentido. Uma multidão treinada a recitar datas e fórmulas, a decorar preceitos e preconceitos como quem aprende ladainhas num convento sem Deus. Uma catequese sem fé, uma escola sem pensamento.

A lógica foi sempre a mesma: calar a dúvida, punir a pergunta, domesticar a imaginação. Crescemos assim, alfabetizados de fachada, analfabetos por dentro, obedientes como cães de fila à ordem do manual e ao chicote do exame. Uma nação adestrada para repetir o que não compreende, para fingir que sabe o que nunca soube.

Na política, o resultado é o espectáculo que temos: slogans em vez de ideias, cartazes em vez de programas, a espuma das redes a afogar qualquer substância. Vota-se no sorriso plastificado, na promessa impossível, na frase feita. E vivemos num tempo de extremismos, onde a ignorância se transforma em arma, o vazio em trincheira, o grito em doutrina. Quanto menos se entende, mais fácil é seguir o exagero, a mentira, a histeria. E nesse terreno fértil florescem os radicais, alimentados pela iliteracia que a escola cultivou com zelo.

Na economia, a mesma tragédia: trabalhadores que não compreendem relatórios nem contratos, condenados a obedecer sem perceber, a perder sem lutar, a girar na engrenagem como crianças distraídas. O país, sem músculo para interpretar, sem disciplina para pensar, arrasta-se cansado, condenado a ser periferia para sempre, um corpo velho a tropeçar nos seus próprios pés.

Na cultura, o desastre consuma-se: o livro transformado em suplício, a leitura em penitência. As livrarias fecham, os leitores desaparecem, a literatura fica reduzida a um luxo clandestino de poucos. Sem leitores, não há cultura; sem cultura, não há futuro. É como se a imaginação fosse um pássaro morto guardado no bolso do casaco.

Tudo porque a escola se satisfez em fabricar tabelas para relatórios e médias para rankings, em vez de fabricar gente. Gente de carne e pensamento. Ficou uma linha de montagem que cospe autómatos obedientes, uma coreografia triste de crianças a decorar, a repetir, a calar. E o país arrasta-se preso às correntes invisíveis da sua própria ignorância: uma escola que não liberta, uma democracia que metade não entende, uma economia que nunca cresce, uma cultura a desfazer-se em pó. A prisão é esta: frases que não se compreendem, ideias que não se ligam, promessas que não se descodificam.

Até que alguém tenha a coragem de rasgar este guião e escrever outro, um guião onde se aprenda a pensar, a interrogar, a compreender, ficaremos neste palco vazio, com palavras mortas no ar, actores mudos, espectadores cegos. E no fim, como sempre, o pano cai sobre o mesmo silêncio.

Outubro 2025
Nuno Morna

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