sábado, 18 de março de 2017

AO GOVERNO FALTA-LHE MOTIVAÇÃO, A MESMA QUE OS ALUNOS NÃO SENTEM NA ESCOLA


O sentimento que começa a existir ou a se confirmar é que a secretaria regional da Educação anda aos papéis, sem rumo, claramente atrás dos acontecimentos. E porquê? Começa, final e felizmente, a ser significativo o volume de iniciativas e de intervenções que colocam em causa a estrutura e o pensamento dominante do sistema educativo. Do pré-escolar ao ensino secundário, as vozes do descontentamento e dos novos caminhos a percorrer começam a ser audíveis, porque discutidos com a adesão de muitos. Pelo menos vão ficando sensibilizados, o que poderá conduzi-los à interrogação: o que ando aqui a fazer perante tanta desconformidade entre o que "ensino" e o futuro que lhes espera?  Ora, o que tem sido evidente é que o próprio poder político demonstra sérias dificuldades para enfrentar as grandes mudanças. Dá sinais discursivos, aparentemente encorajadores, talvez porque fique bem, mas as lógicas do pensamento dominante acabam por sobrepôr-se e nada avança. Falta-lhes motivação, a mesma que os alunos não sentem na Escola.


Esta questão da motivação leva-me, a propósito, ao Professor Joaquim Azevedo (Universidade Católica) que em uma entrevista à Página da Educação sublinhou: " (...) O trabalho da escola tem de ser feito a partir daí (motivação), seja lá qual for o contexto. E isso é difícil, claro. Agora as queixas são sobre a desmotivação e a indisciplina, dois aspectos que estão associados. Por outro lado, revelam que a capacidade de captação da atenção que a escola antes produzia, hoje é muito difícil. Os miúdos estão profundamente dispersos, com a atenção captada por realidades fora do contexto escolar que os motivam mais. A motivação, que é uma função escolar por excelência, tornou-se um pré-requisito. E isso é revelador da dificuldade da educação escolar em lidar com os tempos novos. (...)". Nem mais.
Ao reler este texto, lembrei-me de um outro que eu escrevi a 02 de Dezembro de 2008, não só no campo da motivação, mas também no tema que esteve em destaque esta semana: as salas de aula do futuro. Deixo aqui alguns excertos:
"(...) Não basta criar novos estabelecimentos de ensino, tampouco multiplicar as salas de informática ou substituir o quadro preto e o giz por quadros interactivos e multicolores. Tony Bates é claro sobre esta matéria: “O bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino”. Por outras palavras, defende que o desafio da Educação não é apenas tecnológico. Há uma base que terá de ser construída e essa base, como temos vindo a dizer, é de natureza organizacional, é de conquistas ao nível do desenho curricular e correspondentes programas, trilogia à qual se junta, de forma indispensável e inquestionável as políticas de família no quadro das políticas sociais. O sucesso, ou melhor, o futuro da Escola depende do rigor, do trabalho que integre todas estas variáveis. Enquanto o governo não entender isto, enquanto manifestar falta de coragem para intervir na profundidade dos problemas, esta escola não terá futuro e os problemas agravar-se-ão.
Este modelo está condenado. Não sou eu que o digo, são os investigadores em educação que o dizem. E isto não significa que nos estabelecimentos de ensino não haja esforço, trabalho, dedicação e iniciativas louváveis. Eu conheço-as e sei o que, com muito entusiasmo se faz. Mas também sei, pela prática, que os resultados não são proporcionais ao esforço realizado. E se não são deve o governo encontrar as justificações.
Dir-me-ão que o problema é Constitucional. Não é. Estudámos o problema, ouvimos os especialistas e decididamente não é. O Estatuto Político-Administrativo que há muito deveria ter sido revisto e actualizado, na sequência da revisão constitucional de 2004, permite ir muito mais longe em matéria de política educativa ao invés do governo permanecer reactivo (...) É preciso que tenhamos presente que o sistema educativo é socialmente produzido e, portanto é socialmente transformável (Professora Ana Benavente). (...) São múltiplas as razões do insucesso da política educativa. Têm a ver com a concepção do que devem ser as características do parque infra-estrutural; tem a ver com a organização do sistema que ao invés de possibilitar a autonomia às escolas, ao invés de criar um sistema descentralizado e de respeito pela diferenciação, ao invés de gerar um sistema que garanta a interacção com os restantes sistemas, paradoxalmente, criou um sistema hierarquizado, padronizado, fechado e gerador de entropia. É por isso que ele está em permanente desgaste e já não consegue responder às necessidades de um novo conceito de escola. Romper com esta deriva implica abertura, implica que a Educação não seja uma coutada de alguns, implica olhar para trás reflectir e interrogar-se sobre o percurso feito, implica disponibilidade para ouvir e negociar ao contrário de fechar-se numa torre de marfim, implica que a rotina de anos dê lugar à inovação, implica ambição e capacidade para pôr em causa caminhos, implica ter mais incertezas do que certezas, implica responsabilidade colectiva, portanto, não apenas de uma secretaria que tutela a educação mas de todo o governo. (...) A par dos domínios da economia, a educação constitui um sector chave da Região. E a pergunta que ouvi há quase quarenta anos continua pertinente: como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente. O desencontro é inevitável. E é isso que está a acontecer. As reformas pouco ou nada trazem de novo para além de alguns acertos marginais. Mais do que reformas precisamos de reinventar o sistema educativo que se adeque às necessidades de formação do Homem deste Século e que o predisponha para aprender, desaprender e voltar a aprender todos os dias. E a Escola, infelizmente, não está a fazer isso.
O sistema sempre funcionou. Funcionou antes de 74 e funciona em 2008. O problema é muito mais vasto e muito mais complexo. O que hoje preocupa os investigadores e os governos sérios, apostados em reduzir o fosso que separa relativamente à capacidade de resposta aos desafios do tempo que estamos a viver, é o problema, desde logo, de ter visão, de saber antecipar o futuro e de criar as condições necessárias de resposta ao que esse mundo exige. Ora, se aquilo que o governo demonstra circunscreve-se, apenas, à dinâmica do funcionamento do sistema, é evidente que não poderá esperar melhores resultados.
E o futuro desejável não está apenas no plano infra-estrutural, mas sobretudo no interesse futuro de tudo quanto se faz dentro dos espaços escolares. E neste aspecto não temos qualquer dúvida que há um conjunto de palavras-chave determinantes na construção do futuro desejável e que têm sido ignoradas, orçamento após orçamento: rotura, mudança, competência, previsão, estratégia, gestão, reengenharia, excelência, qualidade, criatividade, inovação, sinergia, liderança, comunicação, enfim, cada uma destas palavras com o seu peso e significado no contexto da Educação, constitui a base dos processos de mudança num sistema portador de futuro. Todas aquelas palavras não têm feito parte do projecto político do Governo.
Quando a Madeira regista índices de pobreza gravíssimos, quando se constata uma histórica ausência de consistentes políticas de família, quando mais de 47% dos alunos são apoiados pela acção social educativa, quando o desemprego aflige, quando a toxicodependência avassala, quando o alcoolismo não é combatido com medidas drásticas, quando a desestruturação familiar, a violência e o crime preocupam a sociedade, não há sistema educativo que, de per si, consiga resultados. O problema é que também aí não tem existido a palavra de alerta da Secretaria Regional da Educação no sentido de fazer ver que a Escola e os resultados que lá se produzem são consequência das políticas integradas que devem ser feitas a montante. Há culpados políticos neste processo. (...)".
O drama deste governo é não seguir o Pensador Agostinho Silva: "Quem parte já está no futuro". Este governo regional autónomo continua a não querer partir.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 15 de março de 2017

INCOERÊNCIAS OU TALVEZ NÃO?


Segundo o DN-Madeira, o Presidente do Governo alertou ontem para o facto da maior parte dos alunos, no futuro, virem a ter profissões que "ainda não existem". Nada de novo. Tofller, em 1984, há 33 anos, escreveu: "vive-se uma época explosiva. (...) Velhas maneiras de pensar, velhas fórmulas, velhos dogmas, velhas ideologias, por muito queridos ou úteis que tenham sido no passado, já não se coadunam com os factos. (...) Não podemos meter à força o mundo embrionário de amanhã, nos cubículos convencionais de ontem". Pois, senhor presidente, importantes não são as palavras de circunstância, absolutamente óbvias, mas saber responder a esta pergunta: como preparar para o futuro se o sistema educativo mantém os traços essenciais do Século XIX? Se esta Escola é sempre igual, a escola do toca-entra-toca-sai, apesar de algumas tentativas de pintá-la de fresco, como pode o sistema, hierarquizado, centralizador e burocrático, competir com uma vida sempre diferente, já não digo a de amanhã, mas a de hoje? Haja coerência.


Mais, ainda. Por estes dias terá lugar um seminário sobre as "Salas de aula do futuro". Iniciativa interessante para agitar consciências adormecidas por anos a fio de rotinas. Um tema que tem barbas (em vários pontos do país existem experiências de sucesso, para não falar por esse mundo fora - visitei algumas), mas que constitui uma oportunidade para colocar em causa as bases em que assenta o sistema educativo, na esfera organizacional, curricular, programática e pedagógica. Aqui também se coloca uma pergunta tão simples: estando previstos dois novos espaços escolares, na Ribeira Brava e no Porto Santo, que preocupações existiram no sentido de projectos determinados pelas exigências do presente e do futuro? Haja coerência, porque não basta dizer umas frases feitas!
Deixo aqui um breve texto publicado, no DN-Lisboa, em Fevereiro de 2016: "Não temos de estar sentados a olhar para uma pessoa a falar durante 45 minutos. Estamos à procura das coisas e aprendemos por nós", explica Tomás, um dos alunos do 8.º C da Secundária D. Manuel Martins. Ora é precisamente essa sensação de tédio que o professor Carlos Cunha quis combater quando decidiu importar no início do ano letivo 2014/2015 a SAF do original belga, produzido pela European Schoolnet. Aqui, o método para levar os alunos a aprender baseia-se na pesquisa de informação e apresentação de trabalhos em várias áreas, a partir de perguntas iniciais, e em que o papel central pertence aos jovens (...)"
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 14 de março de 2017

"É TRISTE PENSAR QUE A EDUCAÇÃO SE RESUME A UMA NOTA"

"A educação associou-se de maneira muito forte aos exames, quando se devia associar à aprendizagem. Devemos conseguir que os alunos aprendam e não prepará-los para os exames. O exame é a prova que mostra que eles estão a aprender. Os exames existem e têm muito peso, mas temos apenas em conta a resposta e esquecemos todo o processo. Esquecemo-nos de convidar os alunos a pensar, a questionar, a partilhar e a perceber porque chegaram àquele resultado. Muitas vezes o que fazemos é: damos-lhes a resposta e exigimos-lhe a resposta tal e qual como a pedimos. E isso está longe do que é educar. (...) Se os ensinas a investigar, a partilhar, a falar em público, eles chegarão a um exame e passarão sem nenhum problema. É preciso incidir no processo. Eles devem sentir-se implicados na aprendizagem. Em 30 dias, aproximadamente, 90% do que aprendemos numa aula apaga-se, porque falta todo este processo. (...) Não temos que ver as crianças como um recipiente que temos de encher de conhecimento."


César Bona é um professor espanhol que tem tido a sensatez de mexer com as consciências políticas no sector da Educação. A sua entrevista ao Observador testemunha isso mesmo. Não é que traga nada de novo, porque tantos já disseram o mesmo, mas vale pela oportunidade, pela insistência e por ser mais uma voz que se levanta contra um sistema educativo impróprio para as necessidades do século que estamos a viver. Até existe uma escola em Portugal que desde há muitos anos segue caminhos completamente diferentes dos "impostos" pela hierarquia política. O pior é que continua a existir uma surdez política entre os que têm a responsabilidade de governar. Aqui fica o seu testemunho.

Qual a importância do professor no percurso escolar e na vida do aluno?
É vital. Nós vamos marcar a vida dos rapazes e das raparigas. Costumo dizer que a escola, a sociedade ou a vida não têm um muro. Temos de educar para a vida porque vamos influenciá-los. Vamos ser os seus modelos.
Mas entende que os professores estão muito fixados em ensinar, quando deviam estar preocupados com a aprendizagem das crianças e disponíveis para aprender com elas. Porque diz isto?
Obviamente, quando escolhemos uma profissão, temos de dar o máximo. Supõe-se que estamos preparados para ensinar, mas não podemos esquecer que temos de estar sempre a aprender: com os nossos colegas, com a nossa família, e sobretudo com as nossas crianças. Além disso, quando dizemos às crianças que aprendemos com elas, estamos a promover a auto-estima. É importante que eles sintam que podem dar algo à turma, aos colegas e à sociedade. A essência de uma criança é composta por criatividade, imaginação e esperança. Então, se não tivermos isso em conta estaremos a perder uma grande oportunidade para que eles aprendam e para tirar deles o máximo partido.
Criatividade. É um ponto em que insiste bastante. Como se pode estimular a criatividade dos alunos?
Sobretudo escutando, deixando-os falar. Não temos que ver as crianças como um recipiente que temos de encher de conhecimento.
E porque é que há professores que não estimulam essa criatividade? Dá mais trabalho? Falta tempo?

Não creio que seja uma questão de trabalho. Acho que quando nos tornamos adultos, esquecemo-nos de que fomos crianças. E quando trabalhamos com crianças devemos sempre lembrar-nos da criança que fomos. Assim vamos entendê-los melhor e eles entendem-nos melhor também.

Mas optar por um método de ensino em que se deixa a criança falar e em que se estimula a criatividade exige mais trabalho e disponibilidade da parte do professor do que uma aula expositiva. Ou não?
Não creio que dê realmente mais trabalho. Diz isso porque, por norma, a educação tem sido assim, expositiva. Temos vindo a criar metas individuais quando somos seres sociais. Em muitas aulas as mesas e as cadeiras estão voltadas para o quadro. Isso significa que o tipo de interação que queremos é que nos escutem e que repitam. Mas se vamos educar para a sociedade, temos de estimular o diálogo, a reflexão, o respeito.
Como organiza os seus alunos na sala de aula?
Os alunos estão organizados em grupos, formados ao calhas. E vão mudando de grupo ao longo do ano. Quando estás com uma pessoa diferente de ti por perto vais aprendendo mais.
Como é que consegue garantir que as crianças, no meio da criatividade, e desta liberdade que lhes é dada, conseguem aprender o currículo imposto centralmente?
As editoras têm um grande peso. A informação que está num livro, está em todos. Se queremos educar para as competências devemos esquecer um pouco as disciplinas – a matemática, as línguas. Pode-se aprender muito mais coisas do currículo simplesmente fazendo-lhes perguntas ou permitindo-lhes fazerem perguntas.
Mas há exames e os professores têm de preparar os alunos para esses exames.
Para mim não. A educação associou-se de maneira muito forte aos exames, quando se devia associar à aprendizagem. Devemos conseguir que os alunos aprendam e não prepará-los para os exames. O exame é a prova que mostra que eles estão a aprender. Os exames existem e têm muito peso, mas temos apenas em conta a resposta e esquecemos todo o processo. Esquecemo-nos de convidar os alunos a pensar, a questionar, a partilhar e a perceber porque chegaram àquele resultado. Muitas vezes o que fazemos é: damos-lhes a resposta e exigimos-lhe a resposta tal e qual como a pedimos. E isso está longe do que é educar.
A verdade é que todo o sistema está focado nos exames. Existe a chamada ‘cultura da nota’. Para progredir nos estudos e entrar na universidade é preciso ter uma boa média. As crianças vão crescendo com essa pressão.
E isso é triste. É triste pensar que a educação se resume a uma nota. Há gente que pensa que a escola só serve para preparar as crianças para passarem nos exames. Há gente que pensa que a escola serve para educar seres empregáveis. E não. Serve para educar seres íntegros, que têm muitos conhecimentos, e que sabem como aplicá-los. Não só para melhorar a nível individual, mas também coletivamente. Se os ensinas a investigar, a partilhar, a falar em público, eles chegarão a um exame e passarão sem nenhum problema. É preciso incidir no processo. Eles devem sentir-se implicados na aprendizagem. Em 30 dias, aproximadamente, 90% do que aprendemos numa aula apaga-se, porque falta todo este processo.
E o professor foca-se nesse processo. É isso? Mas tem de articular isso com o currículo, certo?

Pôr o currículo no centro de tudo, para mim, é um horror. No centro de tudo devia estar a criança. Não o professor, não a escola, não o currículo. Uma pessoa é muito mais do que conhecimento. O conhecimento é muito importante, mas há outras coisas que devemos ter em conta também. E como é que se consegue educar seres íntegros ao mesmo tempo que aprendem coisas? Devemos perguntar-nos isto: o que ensino, como ensino e para quê? Não nos devemos esquecer para que é que ensinamos. E se ensinamos para a vida devemos adequar os conteúdos aos alunos para que saibam usá-los.

Consegue adequar os conteúdos a cada um dos seus alunos?
Há ferramentas que devíamos ter sempre em conta e que servem para todas as crianças: seja menino ou menina, de uma religião ou outra e de qualquer que seja o nível social. O respeito por nós mesmos, o respeito pelos outros, pelas diferenças e a responsabilidade social, o compromisso social. Todas estas ferramentas servem para todas as pessoas no mundo. E é preciso termos consciência da importância da autoestima.
Em Portugal os professores dizem que não têm tempo para fazer esse trabalho mais dirigido a cada aluno.
Em Espanha também dizem o mesmo, porque o currículo é muito extenso. Mas se tivermos de cortar o currículo, corte-se então. Para mim há coisas mais importantes na vida do que tentar dar o que decidiram quatro pessoas, que provavelmente nem pisaram uma aula.
Os professores podem fazer isso? Podem cortar o currículo?
Temos de priorizar. É impossível tentar educar se tivermos de encaixar tudo num ano letivo.
Todo este foco no processo, de que temos vindo a falar, implica uma mudança muito grande no paradigma do ensino. E há professores que resistem. Por que acha que isso acontece?
A medicina evolui, as comunicações evoluem, a educação deve evoluir. E isso não significa esquecer a escola tradicional. No sentido em que coisas que funcionavam há 40 anos, funcionarão agora e nos próximos 40. Mas temos de estar conscientes de que não podemos continuar a educar os nossos alunos como nós fomos educados. Por isso, a mente dos professores deve ser sempre flexível e adaptar-se aos novos tempos. Haverá pessoas que não aceitam isto [diz, apontando para o telemóvel], mas terão de mudar. Porque o telemóvel associa-se à vida normal de um adolescente.
Mas introduzir novas tecnologias na sala de aula apenas não basta para levar a cabo a tal mudança. Ou basta?
Não. A tecnologia é uma ferramenta. Nada mais. É importante porque podes partilhar, pesquisar, comunicar.
E como é que se consegue, numa turma com crianças pequenas, com telemóveis na mão, que eles não se distraiam?
Não digo que têm de estar sempre com o telemóvel na mão. Há momentos para tudo: para uma aula expositiva, para trabalho em grupo e para a tecnologia. É como em casa: os pais têm de saber que as crianças não têm de estar todo o dia com o telemóvel.
Aproveitando a deixa dos pais. Costuma dizer-se, em Portugal, que os pais educam e os professores ensinam. Concorda com esta filosofia?

Em Espanha também se diz isso. Mas há frases que temos de apagar e esta é uma delas. Um pai e uma mãe fazem o que podem para educar os filhos, mas quando eles saem de casa e entram na escola entram numa microsociedade. Para mim, a escola é o melhor sítio para ajudar os pais a educar. Ensina-se em casa e na escola, educa-se em casa e na escola. É um compromisso social. O que queremos para sociedade devemos promover na escola, em conjunto com as famílias. O primeiro lugar educativo é a família, a seguir a escola e a seguir a sociedade. O diálogo entre famílias e professores é essencial. É a chave que abre tudo.

Em Portugal há aulas de 90 minutos. Acha possível ter as crianças 90 minutos numa sala a aprender?
Se fosse eu a mandar, acabaria com os horários, tal como existem. Diria para trabalharmos juntos: professor de história e de línguas, por exemplo, na mesma sala. Conseguiríamos que se ensinasse de forma global e por projetos. E se quisermos ensinar por projetos uma hora é muito pouco, mas claro que será muito se quisermos os alunos 1h30 sentados, numa aula expositiva. Sentados, vendo e ouvindo, nem nós [adultos] aguentamos.
O que pensa da competitividade dentro de sala de aula? É importante para alcançar maior sucesso?
Digo sempre que devemos educar para sermos melhores do que antes. Não devemos promover a competitividade entre as crianças. Que mundo queres criar? Um mundo competitivo ou um mundo no qual toda agente colabora?
Mas é possível ter as duas coisas. Pensemos nos desportos em equipa. Os jogadores da mesma equipa ajudam-se, mas competem com a equipa adversária.
Eu fui futebolista e tentei dar o máximo de mim. Todos os dias treinava duro para melhorar. E melhorando sabia que a equipa seguiria em frente.
Dentro das salas , quando forma grupos, cria competição entre eles?
Não. Eles colaboram. Estamos a falar de aprendizagem em todos os sentidos. Aprendem também a respeitar e a partilhar.
E faz testes?
Sim.
E trabalhos para casa?

As crianças passam muitas horas na escola e não têm culpa do currículo ser tão extenso. Ao fim de semana o que gostas de fazer? Passear, desligar do que fazes, certo? As crianças têm mais tempo e mandamos-lhes mais trabalhos para casa. Eu gosto de os pôr a investigar. Mas gosto que tenham tempo para eles e para a família. Por isso, quando envio trabalhos para casa são poucos e servem para complementar ou estimular a sua curiosidade e criatividade.

Como é que se faz com que a criança goste da escola ? 
Essa seria uma boa pergunta para ser colocada num congresso de professores. Muitos regressariam à criança que foram. Se os fazemos sentir-se parte da escola e da sociedade, se os fazemos falar e partilhar as ideias e se eles se sentem escutados e úteis, no dia seguinte vão com mais vontade para a escola.
Algumas pessoas criticam-no, dizendo que promove a felicidade ignorante. Como responde a estas críticas?
É paradoxal, porque criticam o que não conhecem. Dizem que não há conhecimento, mas também não conhecem. Antes de se abrir a boca deve-se saber do que se fala. É por isso que eu não falo muito. Para mim, saber muitas coisas é importantíssimo. Ter um bom domínio de linguagem e conhecimentos de história. Mas tão importante quanto isto é que as crianças se sintam felizes. E educar na felicidade não significa não ser exigente. Eu sou muito exigente. E digo-lhes que a auto exigência é importantíssima. E quando estou a falar de felicidade estou a falar de educar na resiliência, na frustração, no respeito. Isto está na mesma linha do conhecimento.
Porque acha que o criticam?
Porque falta reflexão. E falta cada um olhar para si e ver-se como um ser imperfeito. Nada é perfeito e estamos sempre a aprender. Se és professor tens de estar sempre a aprender. Eu, quando era criança, sentia-me bem quando me perguntavam o que tinha para dizer ou o que sugeria. Sentia-me importante. Ou quando um professor me tratava com carinho. Eu tive professores muito exigentes e nada carinhosos e sentia terror. Mas também não podemos dar muito carinho sem exigir, porque senão não se aprende nada.
E sempre pensou assim?
Há 15 anos que dou aulas, mas nem sempre pensei assim. Eu era um professor inflexível, mas percebi que tinha de mudar.
E acha que é melhor professor agora?
Sou melhor pessoa agora. Para mim ser professor e pessoa é a mesma coisa.
Como é que lida com mau comportamento dentro da sala de aula?

Ao longo dos anos, fui percebendo que todos os castigos que apliquei nunca funcionaram e cheguei a uma conclusão mais profunda: que esses castigos eram a projeção da minha frustração. Quando já não sabia o que fazer, castigava-os. Só começou a funcionar quando comecei a perguntar-lhes o que tinham para me ensinar a mim e aos colegas. Isso transformou tudo.

Li no seu livro que uma das estratégias foi a criação da “Ilha de Creta”. É uma espécie de castigo suave.
(Risos) É um convite à reflexão. E chamei-lhe “Ilha de Creta” porque gosto muito de mitologia. Quando os alunos vão para essa mesa, isolados do grupo, acabam por perceber que estão melhor em sociedade, no grupo. E isso faz com que queiram voltar.
Inspirou-se em algo ou alguém?
Creio que tudo está inventado. Eu não criei nada. A inspiração está em todos os sítios, num filme, num livro, numa pessoa que vejo na rua, num amigo.
Esta maneira de dar aulas permitiu-lhe chegar aos 50 finalistas do Global Teacher Prize. Concorreram 5.000. Como viu esta distinção?
Com muita tranquilidade. Eu vejo a vida como uma linha. Sei de onde venho e que sou professor. Tudo o que tem acontecido e a exposição mediática são acidentes positivos. Quando isto passar eu voltarei à aula. Tudo isto têm sido presentes. A gente que tenho conhecido, as viagens…
Acha que esta exposição e o facto de as suas ideias chegarem a mais gente, pode ajudar à mudança? 

Pode estar a ajudar. A única diferença entre o professor César e milhares de professores é o microfone. Há gente admirável e que não servirá nunca de guia. Esta profissão é a mais bonita possível. E eu estou aqui para falar por milhares de professores. Eu não invento nada. Falo de coisas do senso comum e digo, sobretudo, que a criança tem de estar no centro de tudo.

E parece que há cada vez mais professores a perceber que o modelo está esgotado e o quer mudar.
Sim, é verdade. Mas os professores têm de perceber que têm de ser eles próprios a dar o passo e têm de estar conscientes de que não são ilhas. Têm de comunicar. E mudar não significa que haja uma luta entre inovação e escola tradicional. Mudar ou inovar deveria significar estar consciente de que cada passo que damos tem de ir no sentido do bem estar da criança. Tudo está inventado. Temos de conseguir educar tendo em conta o fator humano e com a consciência de que cada passo que damos ou cada palavra que dizemos vai influenciar os demais. E por isso temos de tentar que essa influência seja positiva.
Volto aos resultados. As notas dos alunos melhoram com este método de ensino?
São, comprovadamente, melhores. Em questão de notas e de compromisso social. As crianças nestas escolas sentem-se envolvidas e escutadas. Em algumas escolas até fazem as normas da escola e são os primeiros a cumpri-las.
De todos os projetos que levou a cabo até agora nas escolas, qual o mais marcante?
É difícil porque têm todos contextos distintos. Obviamente que o filme mudo foi muito especial. A escola só tinha seis crianças. Dessas, duas não se falavam por motivos familiares. Eu não conseguia suportar aquilo. A escola com seis crianças estava dividida. Então pensei fazer o filme mudo e disse à menina e ao menino que não se falavam que eles seriam os protagonistas e que se iriam amar. Vê-los a trabalhar juntos e ver como finalmente as famílias e as pessoas daquela povoação se uniram foi incrível.
Ilustração: Observador.

sexta-feira, 10 de março de 2017

"EXCELÊNCIA(S) COM EQUIDADE"... PALAVRAS, APENAS PALAVRAS!


"Excelência(s) com Equidade" foi o título para um seminário promovido pela Inspecção Regional de Educação da Madeira. "Equidade como princípio de chegar a todos, mas não esquecendo a medida de cada um", assumiu o secretário regional da Educação. Desde logo, pergunto: "excelência", como(?), quando são mantidos os pressupostos organizacionais e pedagógicos de há largas dezenas de anos? Como se pode falar de "excelência quando não existe coragem para alterar as bases em que assenta o modelo de funcionamento do sistema? E como se pode falar de "equidade" quando a sociedade, a montante da escola, permanece pobre, dependente e assimétrica? Como se pode falar de "equidade", quando são atribuídos, ao ensino privado, vinte e cinco milhões de euros por ano, descapitalizando a escola pública?


E há quem aplauda este desastre. Lamento que os professores, meus Colegas, se sentem para ouvir o fim da história sem perceber e questionar toda a história. Como é, expliquem, que se pode abrir caminho à "excelência" quando não são capazes de compreender as razões de milhares de repetências que devoram mais de vinte milhões? (em média, um aluno custa cerca de € 4,400,00/ano e há poucos anos foram anunciados 6000 "chumbos"). Como caminhar no sentido da "excelência" quando o sistema regional apresenta uma taxa de abandono de, aproximadamente, 24%? Como atingir a "excelência" quando é público e notório que a cultura dominante, porque foi arrastada para um patamar de desresponsabilização, não propicia a melhoria de uma mentalidade concordante com os níveis superiores do conhecimento? E como pode haver "excelência" se o acto da transmissão do conhecimento se filia nos traços caracterizadores da Sociedade Industrial, desprezando, completamente, os novos paradigmas da aprendizagem em função deste novo mundo? Como falar de "excelência" quando, na comparação entre escolas do país, a Madeira não apresenta indicadores de alguma esperança? Mais, como pode haver "excelência" e "equidade" quando existem 20.000 desempregados, muita emigração e 30% da população é pobre, dos quais 15% em pobreza persistente? E como se pode falar de "excelência" quando os orçamentos das escolas são escassos, as dívidas muitas e os professores fazem das tripas coração para disfarçar situações complexas? E como se pode falar de "excelência" quando a burocracia invadiu as escolas, ocupa os professores e não lhes permite reorganizar este novo tempo?
Não devem brincar com as palavras, brincar com os assuntos sérios, aliás, muito sérios, uma vez que o futuro depende sempre da sementeira educativa que for concretizada. E essa sementeira leva alguns anos, vinte, trinta anos, para uma recolha substantiva. Não brinquem com as palavras, pois  a palavra "excelência" também ouvi-a no tempo do "Estado Novo". Quando falam de escola, as palavras que mais jeito dão ao tom discursivo são, exactamente a "excelência", "equidade", "inclusão" e "rigor". E o que tem daí resultado, no quadro dessas palavras, apesar de tantas conferências? Quem souber que responda.
É por isso que soa a falso, isto é, sem qualquer consistência, ouvir um responsável político assumir que estas iniciativas visam a "nobre actividade de ensinar" e que através destas iniciativas "poderemos ter uma melhor ou menos boa escola". À luz de todos os indicadores existentes, parece-me óbvio que não existe nobreza na iniciativa, no quadro de um novo conceito de aprendizagem e que, sendo assim, para quem repete o passado, só pode esperar resultados idênticos aos desse passado, concretamente, uma "menos boa escola". Portanto, é tempo de acabar com estas inciativas para cumprir o "calendário". A própria Inspecção Regional está entregue a um funcionário político que, não sendo professor, obviamente que não pode sentir o que, de facto, deve ser o sistema. Apenas repete o passado. Ora, o sistema não precisa de discursos enfeitados, da repetição de boas intenções, do convite a pessoas que por aí aparecem para ajudar a compor o ramalhete, que falam, assertivamente, mas que, no instante seguinte tudo permanece na mesma; o sistema, neste caso, a "excelência" e a "equidade" necessitam de políticas convincentes e não de comemorações de circunstância e dos circunstanciais aplausos da plateia.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 8 de março de 2017

MEXER NOS CURRÍCULOS, OUTRA VEZ?


"(...) nada foi feito no sentido de contrariar e esbater a lógica, a cultura e a organização disciplinar da escola, não foi dito aos docentes o que se pretendia e como o fazer, não foi feita formação sobre a parafernália e utensilagem de saberes, métodos e processos necessárias aos novos desafios, de que são exemplo: método de projeto (método de resolução de problemas), trabalho em equipa, brainstorming, métodos de aprendizagem, etc., etc. Como nada foi explicado, os professores sem saberem ao certo o que se pretendia, refugiaram-se na sua zona de conforto disciplinar e aproveitaram os horários disponibilizados para o efeito para reforçarem o Português e a Matemática e aproveitaram o tempo para os alunos fazerem os trabalhos de casa. Fiasco completo. O que era imperioso e urgente implementar e para “dar vida” ao ensino revelou-se uma “chatice” máxima tanto para professores como para alunos.


Aqui e ali vai-se falando, e bem, na alteração dos currículos dos Ensino Básico e Secundário. Acho de toda a urgência reverter as alterações introduzidas pelo ministro tecnoCrato, porque o Sistema Educativo não pode estar sujeito a lógicas neoliberais, onde para aferir os resultados e eficácia se utilizem as mesmas métricas usadas para as fábricas de sabão.
Seria a todos os títulos desejável que se estabelecessem objetivos e metas a médio/longo prazo, que se procedesse a um debate público com a participação das famílias, do tecido empresarial e dos profissionais do ensino. Essencial seria, também, obter uma maioria qualificada no parlamento, porque não há filhos de esquerda nem de direita, apenas crianças e jovens que é necessário educar para poderem ser cidadãos, profissionais e pais capazes. Creio, contudo, que isto enferma de uma forte dose de lirismo, pois as famílias consideram que a educação dos jovens é tarefa da escola, o tecido empresarial não entende o que lá se passa nem a relação desta consigo e os partidos não têm demonstrado capacidade de chegar a consensos sobre esta questão. Imagine-se o empenho de Passos Coelho em chegar a acordo sobre esta matéria com a atual maioria.
Indubitavelmente, foram feitos avanços significativos ao longo dos 40 anos de democracia. Hoje existe um acesso generalizado à educação e cada vez maior quantidade de pessoas completa os ensinos secundário e superior, sendo, no meu entender, o maior problema o abandono precoce por parte significativa dos jovens que frequentam sobretudo o ensino secundário devido a um conjunto de razões, algumas das quais procurarei enunciar:
A função da educação como “elevador social” está significativamente comprometida porque, depois da política de terra queimada praticada pelo governo do PSD/PP, e da destruição maciça de postos de trabalho lançando para o desemprego contingentes de jovens devidamente qualificados, deixando no mercado de trabalho quase só situações de vínculo precário e salários a rondar perigosamente o mínimo nacional. Qual a motivação para um jovem tirar um curso de engenharia onde tem de estudar no mínimo 17 anos, para vir a auferir o mesmo ordenado que alguém que estudou apenas 9?
O próprio ensino tem urgentemente de restruturar o seu modelo centrado em disciplinas demasiado herméticas onde se aprendem conteúdos dificilmente significativos e cuja utilidade e aplicabilidade dificilmente se vislumbra, distantes em tudo dos interesses dos alunos.
A vida familiar social e profissional confronta-nos diariamente com problemas e necessidades que temos de resolver e superar. Todavia os problemas e as necessidades são de natureza pluridisciplinar e para lhe podermos dar resposta temos de recorrer, para além dos “saberes” que trouxemos da escola, a um conjunto de métodos e processos que permitem operacionalizar esses saberes de forma a torná-los significativos, produzirem efeitos e resolverem os problemas. Uma escola orientada predominantemente para a aquisição de saberes, por muitos exames que o tecnoCrato lhe imponha, não prepara os alunos para a vida, nem para a cidadania, nem para o exercício duma profissão.
A escola permanece encerrada na sua torre de marfim no pressuposto falacioso de que é a vida, quando não entende o que é a vida, justamente porque está encerrada, e não percebe que a vida se materializa do lado de fora das suas paredes. A escola, mais do que ministrar conteúdos específicos, deveria trabalhar as metacompetências, ensinar os alunos a pensar, a aprender autonomamente, a procurar o conhecimento e a manipulá-lo de forma a contextualizá-lo, a torná-lo útil.
Ao longo do tempo foram introduzidas várias disciplinas e áreas não disciplinares de fusão, de forma possibilitar aos alunos o confronto com questões de natureza interdisciplinar e transdisciplinar, recorrendo à colaboração de professores com formações distintas. Foram elas Área Escola, Área de Projeto, Estudo Acompanhado. No entanto, nada foi feito no sentido de contrariar e esbater a lógica, a cultura e a organização disciplinar da escola, não foi dito aos docentes o que se pretendia e como o fazer, não foi feita formação sobre a parafernália e utensilagem de saberes, métodos e processos necessárias aos novos desafios, de que são exemplo: método de projeto (método de resolução de problemas), trabalho em equipa, brainstorming, métodos de aprendizagem, etc., etc. Como nada foi explicado, os professores sem saberem ao certo o que se pretendia, refugiaram-se na sua zona de conforto disciplinar e aproveitaram os horários disponibilizados para o efeito para reforçarem o Português e a Matemática e aproveitaram o tempo para os alunos fazerem os trabalhos de casa. Fiasco completo. O que era imperioso e urgente implementar e para “dar vida” ao ensino revelou-se uma “chatice” máxima tanto para professores como para alunos. TecnoCrato , na sua visão redutora e economicista também não entendeu para que serviam e em vez de devolver o objetivo inicial e restruturar essas áreas, de forma a cumprir a sua missão, suprimiu-as pura e simplesmente.
É tempo de restruturar o S.E. para que possa cumprir a sua constitucional missão e deixar de ser um sorvedouro de recursos de eficácia duvidosa na preparação dos novos cidadãos.

NOTA
Um artigo do Professor Hélder Melim publicado na edição de hoje do DN-Madeira e aqui reproduzido com a devida vénia.
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 7 de março de 2017

O ATRASO DO SISTEMA EDUCATIVO


Em entrevista ao Expresso, por e-mail, Andreas Schleicher, diretor do departamento de Educação e Competências da OCDE, fala do que é preciso mudar no ensino para garantir jovens bem sucedidos, num mundo que “já não recompensa as pessoas apenas por aquilo que sabem - o Google sabe tudo – mas por aquilo que conseguem fazer com isso”

In Expresso, escrito por Isabel Leiria e Joana Pereira Bastos.
A entrevista tem pontos muito contraditórios e com os quais não me identifico. Faz parte da cruzada da OCDE, onde a formação integral sempre me pareceu negligenciada, dando lugar aos interesses da economia global. Porém, uma passagem da citada entrevista prendeu a minha atenção. Deixo-a aqui, apesar desta entrevista ter sido feita em 2016.

Andreas Schleicher, diretor do departamento de Educação e Competências da OCDE, é o responsável máximo pelos testes PISA - as provas que não fazem tremer os alunos que as realizam, mas os países que participam neste estudo. (...) O método de ensino nas escolas portuguesas tem de evoluir para se adaptar às novas exigências, frisa Schleicher, 

Que competências devem ter os alunos no século XXI?


"(...) Há uma geração, os professores tinham a expectativa de que o que ensinavam aos alunos seria válido ao longo de toda a vida. Hoje, as escolas têm de preparar os estudantes para uma mudança socio-económica mais rápida do que alguma vez foi, para empregos que ainda nem sequer foram criados, para usar tecnologias que ainda não existem e resolver problemas que ainda não sabemos que vão surgir. O sucesso educativo já não reside maioritariamente na reprodução de conteúdos, mas na extrapolação daquilo que sabemos e na sua aplicação criativa a situações novas. Ou seja, o mundo já não recompensa as pessoas apenas por aquilo que sabem — o Google sabe tudo — mas por aquilo que conseguem fazer com isso. Por isso, a educação tem cada vez mais que ver com o desenvolvimento da criatividade, do pensamento crítico, da resolução de problemas e da tomada de decisões; e com formas de trabalho que implicam comunicação e colaboração. Se passarmos toda a nossa vida fechados numa única disciplina, não conseguiremos desenvolver as competências para perceber de onde virá a próxima grande invenção. É por isso que fazemos das “Competências Globais” o foco do próximo teste do PISA. Mas penso que no século XXI temos de ir mais além e reconhecer que o conhecimento e as competências não são suficientes per si. Os banqueiros que arruinaram o nosso sistema financeiro eram, provavelmente, pessoas altamente criativas e com espírito crítico. E alguns dos que têm o espírito mais empreendedor estão à frente de organizações mafiosas, em vez de servirem o seu país. Por isso, temos também de ter em conta qualidades mais vastas a nível do carácter, como a empatia, a resiliência, a curiosidade, a coragem, a liderança e também os valores. Fazer isto de forma pensada e sistemática é o que mais distingue o currículo do século XXI do ensino tradicional. (...)"
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 2 de março de 2017

EDUCAÇÃO FÍSICA - CURRÍCULO PARA O SÉCULO XXI? TRATA-SE DE AJUSTAR O PASSADO EM VEZ DE DISCUTIR O FUTURO.


Notícia DN-Madeira:
"O auditório da Escola Secundária Jaime Moniz recebe o Encontro Regional "Aprendizagens Essenciais em Educação Física - Currículo para o século XXI", promovido pela Secretaria Regional de Educação, através da Direcção Regional de Educação (...) com a presença de Avelino Azevedo e de Nuno Fialho, em representação do Conselho Nacional de Associações de Professores e Profissionais de Educação Física, para apresentação e debate do documento estratégico".

É espantoso. Deveria a Secretaria Regional da Educação saber que existem, desde há muito, duas grandes correntes: uma que defende a Educação Física; outra, a Educação Desportiva. Por mais voltas ou roupagens que queiram dar, a Educação Física é o passado. A Educação Desportiva o presente e o futuro. A este propósito eu e outros, muito temos vindo a escrever e a publicar. Aliás, a principal figura tem sido o Professor Catedrático da Faculdade de Motricidade Humana, Gustavo Pires, que de uma forma sustentada, desde há muitos anos, defende uma total mudança de paradigma. Em vez de embarcarem na defesa da via do passado, talvez fosse importante para a Madeira e no quadro de um sistema educativo próprio e Autónomo que juntassem as duas correntes em debate. Apenas uma sugestão.


O meu contributo, entre outros documentos, ficou escrito em livro, em 2004, no Ano Europeu da Educação pelo Desporto. Em um dos capítulos escrevi: 
"(...) Joana[1] teve uma mão cheia de cincos mas, na Educação Física, o nível foi um três “muito fraquinho”; Francisco precisou que outros professores votassem o nível de Educação Física para entrar no quadro de honra da escola; José obteve nível dois porque é um “desajeitado, coitado!”; Fernando, porque é obeso e descoordenado, viu um implacável dois na pauta; Teresa, idem, porque não “não gosta” e conheço o caso da Luísa, estudante de nível cinco, de excelentes predicados nas atitudes e valores, esguia, flexível, de uma grande disponibilidade corporal, expoente no ballet que pratica quase diariamente mas, ironizo eu, certamente porque, em três meses de futebol, não conseguiu acertar com a baliza ou porque teve um teste fraco, também não foi além do três. Ao lado destes casos, entre muitos que me chegam ao conhecimento, há também o daquela turma que, recentemente, registou cerca de 80% de negativas em Educação Física. Ao fim e ao cabo, situações que dão para pensar sobre o fundamentalismo, dito pedagógico, que por aí anda, desvirtuador da vocação primeira desta disciplina curricular e provocador de um enorme rasto de frustração.
Ora, é por estas e múltiplas outras razões que defendo, há muitos anos, a morte da Educação Física e o nascimento da área curricular denominada por Educação Desportiva que se abrigue, inclusive, num quadro científico mais vasto e sustentado. Razão tem, pois, o Doutor Manuel Sérgio, ele, um filósofo, que melhor que ninguém neste país sabe interpretar e sintetizar as correntes filosóficas, sociais e o pensamento pedagógico ao longo dos tempos, ao assumir que:
“(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) que a expressão Educação Física se acha incrustada numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e que a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência credibilidade, respeito e admiração” (O DESPORTO Madeira, 27.06.03)[2].
Trata-se, de facto, de uma luta contra um poderoso lobi corporativista, obsoleto e medíocre, entrincheirado nas universidades e em posições estratégicas de decisão política, que não consegue entender que as respostas encontradas nos anos 30 e melhoradas a partir da década de 70 já não se adequam, por um lado, ao actual conhecimento científico, por outro, às expectativas que o desenvolvimento determinou. Daí que não me espante nem me cause qualquer embaraço que aqueles que consideram que a mudança de paradigma terá de ser operada, sejam muitas vezes visados com graves dislates os quais, penso eu, não são mais do que o estertor de quem perdeu todos os argumentos e, naturalmente, sente que os alunos, paulatinamente, os das universidades e outros de idades mais jovens, estão a lhes voltar as costas, por sentirem que há um mundo novo de possibilidades de prática que não se restringe ao espaço de uma Educação Física bafienta, repetitiva e sem futuro[3].

[1] Todos os nomes são fictícios.
[2] É no quadro da Ciência da Motricidade Humana que o filósofo fala de “uma nova Renascença, de uma época de construção de novas ciências, que procura encontrar a teoria da prática dos professores de Educação Física. Que (…) há que compreender como Heidegger, que existir humanamente é ser tempo. De facto, tudo é tempo e a Educação Física já teve o seu” – Manuel Sérgio, Da Educação Física à Motricidade Humana (2002).
[3] (…) Esse estado dá hoje muito que pensar. Com efeito a análise dos dados levantados por várias investigações, bem como as declarações e tomadas de posição de organizações internacionais tornam evidente que esta área disciplinar vive, desde há alguns anos, uma crise sem precedentes na sua história. Esta crise traduz-se num declínio acentuado do seu estatuto, em reduções de tempo no horário escolar, em inadequação de recursos materiais e pessoais, em erosão dos padrões de qualidade e profissionalismo (…) Mas... como configura a Educação Física as suas relações com o corpo e com o desporto? Como é possível que a Educação Física esteja em crise, se o desporto nunca viveu uma fase de tamanha expansão e crescimento e se estamos a assistir a uma conjuntura corporal, a um regresso festivo do corpo trazido pela valorização da imagem, da estética e dos estilos de vida? Como é possível tal crise, se vivemos numa sociedade que nos ensina a valorizar o corpo como nenhuma outra antes dela e se já entrámos numa era que se funda não mais no trabalho, mas antes no lazer e no ócio criativo e em que será cada vez mais nestas referências que se firmará a nova identidade do indivíduo? Estas perguntas encaminham-nos para a necessidade de reconstruir a educação física à luz de novas e actuais premissas. (…) Para manter a sua presença no sistema educativo a área da Educação Física precisa de renovar argumentos que reforcem a sua real importância. E carece de agregar forças capazes de sustentarem que ela é parte genuína e indispensável da educação. Para tanto deverá começar por lançar pontes de cooperação entre a escola e o envolvimento familiar. – Olímpio Bento, Da Educação Física ao Alto Rendimento, pág. 79 e seg..
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A MENTIRA DO DÉFICE DE ATENÇÃO E HIPERACTIVIDADE: "TUDO ESTÁ PERFEITO. OS ÚNICOS QUE ESTÃO DESAJUSTADOS SÃO AS CRIANÇAS!"


Querem os alunos sentados, totalmente obedientes, com boa postura, com pouco direito à palavra, não questionadores, convertidos ao manual, enquanto "bíblia" indiscutível, e com a resposta na ponta da língua ou da esferográfica. Grosso modo, apesar das excepções, a mentalidade existente é essa. O professor está ali para ensinar da mesma forma como foi ensinado. Ponto final. Muitos desejam ser inovadores, é certo, buscando outros caminhos, mas o sistema, heterónomo, verticalizado e espartilhado, não lhes permite grandes veleidades. Até são, em alguns casos, olhados de esguelha. Fazem "projectos", disto e daquilo, como fuga à imposição que culmina no teste e no exame. Tudo porque o sistema esquece-se que as crianças deste novo tempo não são as crianças de ontem.


Ora, de um lado temos a espantosa revolução tecnológica, e ainda aqui vamos, a informação e a comunicação que circulam de forma estonteante pelos mais diversos canais, gerando culturas e predisposições completamente diferentes; por outro, o sentido estático do sistema educativo, incapaz de qualquer adaptação ao mundo que envolve as crianças e os jovens. Ao contrário de uma atitude pró-activa, colocando-se na dianteira, o sistema continua a preferir e a teimar na "bíblia" do passado, qual vaca sagrada imutável às transformações do mundo e das mentalidades. Como sói dizer-se, incapaz de agarrar o "touro pelos cornos" para desenhar uma escola que acompanhe os novos desafios. E tanto assim é que falam de crianças com défice de atenção e hiperactividade. Apesar de Leon Eisenberg, psiquiatra, criador dessa mentira (1968), antes da sua morte, ter sublinhado isso mesmo: "o défice de atenção e hiperactividade é um exemplo marcante para uma doença fabricada". 
Lembro-me de minha mãe, recorrentemente, dizer-me que eu tinha "bicho-de-pêssego", face à minha irrequietude. Hoje, digo-o, abertamente, bendito desassossego, pois fez-me crescer, ser curioso, no respeito pela minha personalidade (a identidade do eu) que moldou o meu carácter (enquanto característica da minha personalidade). O pior que se pode pedir a uma criança em uma idade marcada pelo naturalíssimo desejo de movimento e pelo jogo, muitas vezes excessivo aos olhos do adulto, é condicioná-la, é exigir que se mantenha quieta, quase imóvel, dando atenção àquilo que não lhe desperta interesse. Umas, obviamente contrariadas, obedecem, outras, porém, não conseguem reprimir esse desejo de expandir o que sentem. Genericamente, não por má educação, mas por inadaptação à oferta que a escola proporciona. Os adultos esquecem-se do seu tempo de criança. Assoberbados de trabalho, pouco tempo lhes resta para compreenderem o complexo mundo da infância, educando para os novos tempos, ainda por cima, quando são confrontados com o lamentável desagrado da escola, as avaliações e a possibilidade de uma retenção. Pressionados, resta-lhes a consulta médica e a fuga para a prescrição do "metilfenidato" (Ritalina), presumo, com uma tripla intenção: artificialmente sossegarem, travar a crítica da escola e por admitirem que, por essa via, a criança, "paralisada", será então capaz de desenvolver as competências exigidas. Passam ao lado, por ignorância, julgo eu, do extenso rol de consequências, do curto ao longo prazo, a que tais tomas diárias conduzem. 
Mas, como parar este crime contra a criança? É muito difícil, quando o sentimento que existe é que isto faz parte de uma enorme roda dentada, cuja máquina, ignorando as consequências do medicamento (em Portugal, sete milhões de comprimidos por ano), porque o mercado é certo, faz crescer as receitas das farmacêuticas (provavelmente, de outros agentes), atenua a "dor" dos pais e conduz os professores ao cumprimento dos obesos programas. Docentes que, também, estão sujeitos às acéfalas determinações, a uma insensata avaliação de desempenho docente e às características que enformam o sistema, totalmente impermeável a uma nova organização escolar, curricular, programática e pedagógica. Diz, com ironia, o Psicólogo Eduardo Sá, com o qual estou totalmente de acordo, "(...) Tudo está perfeito, os únicos que estão desajustados são as crianças". Será que ninguém se questiona sobre os porquês de, em Agosto, o consumo de Ritalina baixar para um terço? As crianças só apresentam tais sinais quando chegam à Escola?
Finalmente, e se colocassem em cima da mesa para debate, entre muitas outras, as quase 55 horas semanais de ocupação da criança que lhe retira o tempo necessário para ser criança, a organização social, mormente o tempo de trabalho dos pais, os gravíssimos e constrangedores défices que as famílias se confrontam, os de natureza económica, financeira e cultural, as designadas "aulas" de 90' expositivas, os recreios cronometrados ao  minuto, a luta pelos ranking's, o Português e a Matemática como exigências primeiras da formação... se discutissem isto antes de andarem por aí, pasme-se, a estabelecer, até, normas curriculares para o pré-escolar? Não é, portanto, de admirar que crianças dos 3 aos 5 anos já tomem a dose diária. Um CRIME!
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

CRIEM UM NOVO PARADIGMA PARA O SISTEMA EDUCATIVO E ACABEM COM A PRESCRIÇÃO DE RITALINA. O QUE ESTÁ ERRADO É O SISTEMA, NÃO AS CRIANÇAS!

Linha da Frente (XIX) - Episódio 9 - RTP Play - RTP


Ontem, na RTP 1,  o espaço Linha da Frente, trouxe à colação a prescrição de Ritalina junto das crianças com "diagnóstico" de "hiperactivos e défice de atenção". Segundo um estudo a que o citado programa teve acesso, em exclusivo, entre 2011 e 2015 a toma de metilfenidato pelas crianças portuguesas subiu 77,4 por cento. O consumo anual deste calmante é agora de 7 milhões de comprimidos. Para quem não teve a possibilidade de seguir o Linha da Frente, sugiro que o vejam. Entretanto, deixo aqui um excerto de um texto que publiquei neste blogue a 14 de Novembro de 2016: 

ESCOLA DOENTE
Um artigo de Luís Goucha

"(...) Há milhares de crianças – e todos os dias o número aumenta – que iniciam o seu dia a tomar um comprimido para poderem assistir às aulas, a estar sossegados nas aulas, a estar com atenção nas aulas, a estar na Escola sem reacção, apenas para puderem lá estar! Devia isto ser um sinal de alarme, mas os pais e os professores fazem orelhas moucas como bons entendedores que são. Genericamente, as crianças tomam «ritalina» (palavra curiosa e duplamente feminina: Rita e Lina), medicamento caríssimo e de consequências devastadoras, que ao deixar de ser tomado deixa reaparecer toda a sintomatologia e um conjunto de efeitos secundários daí decorrentes: medo, pânico, insónias, tensão... A «ritalina» é prescrita para uma doença inventada: a PHDA, Perturbação de Hiperactividade e «Deficit de Atenção». Deu nome a esta «doença» um famoso psiquiatra americano, Eisenberg, que acabou por se retratar antes de morrer, por todos os males que provocou sem intenção, pois imediatamente a ter enunciado o «mal», os laboratórios apressaram-se a dizer que já tinham medicina para a cura. (...) A falta de emprego, a falta de habitação, a falta de felicidade, não se resolvem com nenhum comprimido (...)"


"Além do impacto físico, há também as condições emocionais graves causadas pelo uso desta droga até mesmo quando se toma por pouco tempo. Alucinações e comportamento psicótico não são incomuns. Um pesquisador no Texas descobriu que o uso de Ritalina pode elevar o risco de cancro. Este estudo descobriu que após apenas três meses, cada uma das doze crianças tratadas com metilfenidato sofreu anormalidades genéticas associadas a um elevado risco de cancro.

EFEITOS A CURTO PRAZO

Perda de apetite
Aumento do ritmo cardíaco, da pressão sanguínea e da temperatura corporal
Dilatação das pupilas
Distúrbios do sono
Náusea
Comportamento bizarro, errático e às vezes violento
Alucinações, hiperexcitabilidade, irritabilidade
Pânico e psicose
Doses excessivas podem levar a convulsões, espasmos e à morte

EFEITOS A LONGO PRAZO

Danos permanentes nos vasos sanguíneos do coração e do cérebro, pressão sanguínea alta levando a ataques cardíacos, derrames cerebrais e à morte
Danos no fígado, rins e pulmões
Se for cheirada, ocorre a destruição dos tecidos nasais
Se for fumada, gera problemas respiratórios
Causa doenças infecciosas e abcessos se for injetada
Má nutrição, perda de peso
Desorientação, apatia, exaustão e confusão
Forte dependência psicológica
Psicose
Depressão
Danos no cérebro, incluindo derrames e possivelmente epilepsia."

Em suma, criem um novo paradigma para o sistema educativo e acabem com a prescrição de Ritalina. O que está errado é o sistema, NÃO as crianças.
Ilustração:  Google Imagens.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

HÁ MAIS MUNDO PARA ALÉM DA ESCOLA


Ver, ouvir, apreciar, perguntar, conduz a um enriquecimento que está muito para além da sala de aula e do manual. Ainda há poucos dias vi crianças, acompanhadas dos seus orientadores, no palácio de Hofburg, em Viena. Um pouco por todo o lado, assisto à aprendizagem contextualizada, vivida nas praças, nos edifícios histórico-culturais, testemunhando que há mais mundo que não termina na "sala de aula". Dificilmente esquecerão esses momentos, enquanto as muitas horas passadas na sala de pouco ou nada lhes servirão para a vida. O alicerce do conhecimento não se faz através da decomposição em disciplinas e de conteúdos desligados, mas através de um paradigma que entusiasme e desperte para a curiosidade. 

Arquivo próprio. Mosteiro de Strahov - Praga. Biblioteca barroca.
  

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

COMO PENSAR "FORA DA CAIXA" QUANDO SE ESTÁ "FORA DE JOGO"


Não gosto de frases feitas, mormente saídas da boca dos políticos. Até porque elas, bastas vezes, viram-se contra os próprios. Hoje, li uma declaração do secretário da Educação da Região da Madeira que me conduziu a um abano de cabeça sinónimo de tristeza. "A Escola tem de ter capacidade de visão" (...) ou seja, deve pensar "fora da caixa". Simultaneamente, perpassou-me o aforismo: "bem prega frei Tomás (...)", pois ao mesmo tempo que lança da boca para fora, de forma acertada, a capacidade de visão e a necessidade de criatividade e inovação, paradoxalmente, não dá um passo na inovação da administração política do sistema educativo. Ali não há nada de novo, a navegação faz-se rente à costa e pelas estrelas! Para quê a investigação e os instrumentos há muito disponíveis?


O que significa que não passam de palavras ocas, até porque é público que o sistema funciona de forma reactiva, aplaudindo o que os professores, pontualmente, vão desenvolvendo, porém, sem uma visão de conjunto portadora de futuro. O âmago do sistema educativo permanece, assim, estrangulado, bloqueado, repetindo as lógicas do padrão centralizador da Sociedade Industrial. E nós onde já vamos! Subsiste um claríssimo choque entre o que dizem e o pensamento que os conduz. Não me parece existir outra leitura. Porque, pensar "fora da caixa" implica ser utópico, caminhar para sucessivos objectivos, romper com o passado, encontrar, todos os dias, soluções adequadas para os problemas, implica fazer quebrar a rotina, ouvir os investigadores, ler muito e saber sintetizar, experimentar e corrigir, conceder liberdade organizacional e pedagógica, permitir que a diferenciação seja preferível ao rigor verticalizado, onde cada um se transforma em uma peça da extensa roda dentada. Charlie Chaplin, nos Tempos Modernos, bem caracterizou, satirizando, a máquina que funciona, mas que comprime, sufoca e não produz nem para as actuais necessidades, tampouco para o futuro. A expressão "fora da caixa", neste quadro, significa "fora de jogo".

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O QUE É UM "RESULTADO DESAFIANTE E PROMISSOR"?


O secretário regional da Educação andou de escola em escola, dizem, em um périplo para ouvir os responsáveis locais (!). Por fim, disse estar em presença de um "resultado desafiante e promissor". Motivado pelo título da peça do DN-Madeira, um tal resultado, "desafiante e promissor", fui empurrado para a leitura. Um logro, pois o resultado "desafiante e promissor", afinal, circunscreveu-se a mais funcionários, mais umas obras de manutenção e mais uns cursos "para evitar o abandono". Espantoso. Do miolo, isto é, daquilo que poderia e deveria constituir a mudança estrutural do sistema, nem uma palavra. Como se o problema do abandono, por exemplo, pudesse ser resolvido com mais cursos, com umas obras e com mais funcionários! 


Há aqui uma profunda desfocagem da realidade. Não quero ser deselegante, mas, questiono-me, sobre o porquê deste redutor "desafio promissor": será desconhecimento, ausência de ambição ou uma forma de empurrar os problemas para diante, quando existe tanta produção científica no quadro deste novo mundo e dos processos organizacionais e pedagógicos necessários.
Quando se sabe que, por melhores condições que tenham os edifícios e por melhor que seja a rácio alunos-empregados, no plano organizacional e pedagógico, se a actuação for idêntica à do passado, só se pode esperar no futuro resultados iguais aos de hoje. Então, por que insistir na mesma tecla?
Ainda há dias, um investigador da Universidade do Minho passou pela Região da Madeira e falou de um currículo com "gorduras", cada vez mais "obeso". Entre tantos outros, um assunto importante, eu diria inquietante, porém, o silêncio continua a ser a marca do governo. E assim sendo, porque há uma necessidade de "mostrar algum serviço", deduzo eu, veio o secretário mostrar-se preocupado com as obras, quando as questões da manutenção do parque infra-estrutural nem a ele deveriam chegar! Quanto a novos funcionários (há que anos tal é reclamado), embora importante, de todo, não é decisivo.
O problema do sistema educativo não está nas obras.
E diz, ainda, o governante: "(...) Não acredito em reformazinhas parcelares". Nem eu. E se, com um mínimo de bom senso e sentido prospectivo, ninguém acredita, então a aposta, nunca deverá ser em novos cursos "para evitar o abandono", mas na construção de um paradigma compaginado com outros sistemas, capaz de romper com mais de dois séculos de rotinas. Os "novos cursos" são, sempre foram, pensos rápidos em uma ferida profunda. A ferida da pobreza, em sentido lado, evidente a  montante do sistema e que não compete à escola esbater; e a ferida da decadente organização, a todos os níveis, do sistema educativo. Mas, aí, o silêncio político, uma vez mais, foi linha orientadora.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

GOVERNANTES, OIÇAM OS INVESTIGADORES!


Agradou-me, embora não trazendo nada de novo, ler a síntese da palestra proferida pelo Professor José Carlos Morgado, investigador no Instituto de Educação da Universidade do Minho, no âmbito do Ciclo de Conferências em Ciências da Educação, organizada pelo Centro de Investigação em Educação da Universidade da Madeira. Entre outros aspectos, chamou à atenção para a existência de um "currículo obeso para uma sociedade que se quer cada vez mais leve" (...) que "o currículo é o chão" e, portanto "a escola tem de adaptar-se a este conjunto de mudanças que obrigam a refazer o pensamento e a forma de estar na sociedade" (...) que há necessidade de "um currículo essencial" face ao que designou por "gorduras curriculares" e que a Escola tem de deixar "na mão dos professores aquilo que é essencial para que as crianças e jovens", até porque "muitas vezes os estudantes não conferem sentido, significado nem utilidade a muitas das aprendizagens que fazem". Totalmente de acordo. E vou mais longe...


Há muitos anos que defendo, julgo eu, de forma sustentada, a existência de um país com eventuais três sistemas educativos: Continental, Madeira e Açores. O respeito pela Autonomia assim o exige. Defendo que o currículo deve ser mínimo, os programas e a organização escolar e pedagógica da responsabilidade das escolas. Defendi esta "tese" em sede de Assembleia Legislativa da Madeira. Em síntese, não faz sentido, hoje mais que nunca, criar um fato igual para todos, quando há uma exigência de fatos personalizados, portanto, à medida de cada um. Tem faltado inteligência política e temos assistido à acomodação dos professores que não manifestam querer e crer na mudança. A própria sociedade, infelizmente, tem passado. indiferentemente, pelo padrão de aprendizagem que vem desde finais do século XVIII. O "modelo" cristalizou as consciências que deveriam assumir um outro olhar sobre as necessárias mudanças, tecnológicas e outras. Tem sido preferível e, porventura, tem dado jeito no plano político, rejeitar um novo paradigma.
O problema, de resto muito grave, é que o Professor da Universidade do Minho veio aí agitar as consciências, falou das "gorduras" curriculares, porém, amanhã, tudo continuará igual. Os "alunos" políticos e outros, incapazes de escutarem, pensarem e agirem em conformidade, paradoxalmente, aplaudem, mas continuam a preferir a rotina à mudança. Há muito que é assim... ou, melhor, sempre foi assim. É difícil entender este comportamento, porém, é a lógica estrutural do sistema que tem esmagado qualquer posicionamento científico.
Ilustração: Google Imagens. 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

BIBLIOTECA DO MOSTEIRO DE STRAHOV EM PRAGA - BIBLIOTECA BARROCA


Uns dias de paragem nas reflexões. O blogue continua, no entanto, aberto para qualquer participação. Fica a imagem da biblioteca barroca do mosteiro de Strahov.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR


Leio, estupefacto, o anúncio de um Encontro Regional de Apresentação Pública das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Segundo o DN-Madeira, tal encontro "visa fomentar o debate, com especial ênfase nas orientações curriculares para a educação pré-escolar, que constituem referenciais comuns para a acção pedagógica dos educadores de infância em creche e jardim de infância, e valorizam a prática destes profissionais". Será que li bem: "orientações curriculares?" Começam cedo!


Há qualquer coisa que não bate certo, refiro-me ao conhecimento que chega através da investigação e aquilo que os políticos vão determinando. Para o político a palavra de ordem é "curricularizar tudo", uniformizar, quanto mais cedo melhor, depois controlar tudo e proceder à avaliação; para os que pensam a EDUCAÇÃO, o conhecimento está muito para além do currículo, dos programas debitados, cumpridos e avaliados. Para mais quando se trata de crianças de tenra idade. Escrevo estas linhas trazendo em memória activa o Juiz Laborinho Lúcio que, há poucas semanas, deixou esta mensagem na Região: "qualquer dia as crianças dizem que têm um adulto dentro de si". 
Não vou aqui enunciar, ponto por ponto, o que penso sobre o citado Encontro. Porque transcrevi, em um outro blogue, uma série de posições de ilustres figuras que pensam a criança e a Educação, aqui as deixo, pela enésima vez, enquanto contraponto a esta inexplicável voragem pelo "conhecimento à pressão", queimando etapas importantes da infância. É o que faz a "Escola a Tempo Inteiro" e, paulatinamente, os currículos que escolarizam, fora de tempo, aquilo que deveria ser do domínio do jogo.
"(...) O Professor Doutor Santana Castilho, da Escola Superior de Educação de Santarém, investigador, sublinhou, recentemente, que as Escolas a Tempo Inteiro são uma “aberração pedagógica e social que nacionalizou crianças e legitimou a escravização dos pais”. Por seu turno, o Dr. Eduardo Sá, Psicólogo Clínico, salientou em uma entrevista publicada na Revista Focus: "As crianças estão em vias de extinção (...) cada vez mais as crianças estão a passar por um conjunto de situações que não são muito razoáveis (...) Cada vez mais as crianças não são crianças. As crianças têm hoje uma relação com o brincar que é cada vez mais uma relação de fim-de-semana e brincar é uma actividade muito séria para que seja feita apenas ao fim de semana. Passam cada vez mais horas na escola, o que não é adequado... aquilo que me preocupa é que mais escola, sobretudo como ela está a ser vivida, signifique menos infância e quanto menos infância, mais nos arriscamos a construir pessoas magoadas com a vida. Quanto mais longa e mais rica for a infância mais saudável será a adultez (...) os pais estão muito enganados ao pensarem que mais escola significa mais educação (...) neste momento a infância começa a ser perigosamente a escola e, de repente, há toda uma vertente tecnocrática como se o que estivesse em primeiro lugar fosse toda a formação e depois viver a vida. Isto é um absurdo".
O Dr. Daniel Sampaio, psiquiatra e estudioso das questões educativas, sublinhou em um dos artigos: “(…) não estaremos a remediar à pressa um mal-estar civilizacional, pedindo aos professores (mais uma vez) que substituam a família? Se os pais têm maus horários, não deveriam reivindicar melhores condições de trabalho, que passassem, por exemplo, pelo encurtamento da hora de almoço, de modo a poderem chegar mais cedo, a tempo de estar com os filhos? Não deveria ser esse um projecto de luta das associações de pais? (…) Gostaria, pois, que os pais se unissem para reivindicar mais tempo junto dos filhos depois do seu nascimento, que fizessem pressão nas autarquias para a organização de uma rede eficiente de transportes escolares, ou que sensibilizassem o mundo empresarial para horários com a necessária rentabilidade, mas mais compatíveis com a educação dos filhos e com a vida em família".
O Doutor Paulo Guinote, clarifica: "(...) Por isso, a Escola a Tempo Inteiro é apenas algo que se destina a apaziguar as “famílias” que, cada vez mais, são obrigadas a trabalhar em condições mais precárias e vulneráveis. Que não podem faltar, sob pena de perda do posto de trabalho no final do contrato. Que são obrigadas a cumprir horários incompatíveis com uma vida familiar harmoniosa. Numa altura em que, cada vez mais, as famílias são menos do que nucleares. A Escola a Tempo Inteiro é um óptimo contributo para todos os empresários e empregadores que defendem a desregulação - pelo abuso - do horário de trabalho dos seus empregados. Se é isso que vai desenvolver o país? Abrindo mais umas dezenas de centros comerciais para as “famílias” tentarem desaguar as frustrações ao fim-de-semana? Quem defende as “famílias” deveria defender, em coerência com os seus princípios, que o Estado protegesse a vida das ditas “famílias” a partir da melhoria das suas condições de vida. A defesa da Escola a Tempo Inteiro é a admissão de um fracasso, de uma derrota e não o seu contrário (...)".
Finalmente, o Frei Fernando Ventura, numa entrevista à SIC, sobre a sociedade hoje, assumiu: “(…) estamos a pagar facturas altíssimas (…) estamos a criar gerações de “monstros”. Estamos a criar gerações de jovens sem memória. Estamos a criar gerações de pessoas sem história. E quando a memória e a história não se encontram, nós temos os cataclismos sociais. As nossas crianças desde os três meses estão nos berçários, nos infantários, porque têm de estar porque os pais precisam, desesperadamente, de ter dois e três empregos para sobreviverem (…) a história dos novos e dos velhos não se encontra, as crianças não têm voz, as crianças não têm sequer pais, porque têm de trabalhar “25 horas por dia” se for preciso. (…) É esta estrutura por dentro que precisa de mudar (…)”.
Ora bem, deixem as crianças em paz. Reorganizem a sociedade e os tempos de trabalho, aspectos bem mais importantes do que propor mais escola. Finalmente, deixem aos estabelecimentos de educação a capacidade de poderem aplicar aquilo que, certamente, aprenderam no plano pedagógico correspondente às idades.
Ilustração: Google Imagens.
André Escórcio

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

GOVERNOS E PROFESSORES VIVEM OBCECADOS PELA AVALIAÇÃO


Acabei de ler um artigo na revista A Página da Educação, edição de inverno, página 54, assinado pelo Professor António Magalhães. O título despertou-me a atenção: "Governar a Educação através da avaliação". Assume o autor: "(...) o movimento político de governação da educação através da avaliação padronizada está aí e é urgente que as suas consequências nos processos educativos e no próprio mandato social e político endereçado à Educação sejam estudadas. Como é que, neste contexto, os alunos aprendem? Como se organizam e governam as escolas? Como são as aulas? Como se reconfiguram as relações interpessoais nos contextos educativos? (...)".


Pois é, governos e até professores vivem obcecados pela avaliação. Uns que a impõem de uma forma tendencialmente acéfala, outros porque não têm remédio senão cumprir. Ainda ontem o título de uma peça na edição do DN-Madeira dava conta: "Pais chamados a avaliar aprendizagens das crianças", com um Licenciado em Direito, há quase trinta anos nos corredores do poder, hoje director da Inspecção Regional de Educação, a "comandar as operações" no quadro da "melhoria das práticas docentes, de como a escola planeia, implementa e avalia as aprendizagens", salienta a citada peça. Espantoso. Li e lembrei-me de um professor a quem um dia escutei: "há quem diga que tem trinta anos de experiência, mas, de facto, são capazes de possuir uma experiência repetida trinta vezes!" O problema reside aqui. Por um lado, é o poder, cego e apaixonado pelo controlo da escola (planeamento, implementação e avaliação das aprendizagens), não dando margem à sua plena autonomia pedagógica, embora digam o contrário, por outro, o sentimento da descontextualização entre a perpetuação de modelos arcaicos e a investigação já produzida. Razão tem Ricardo Vieira, Professor da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (Leiria), quando chama à atenção que "o Mundo visto a partir da Escola é muito pequenino". Esta feliz síntese dá muito que pensar.
É claro que este quadro não é exclusivo de Portugal e, particularmente, da Região da Madeira. É quase universal. Sublinha o Professor António Magalhães: "(...) os sistemas educativos sempre utilizaram processos de quantificação como forma de controlo e de regulação (...)". O que são, questiono, as avaliações nacionais padronizadas? Não corresponderão a essa ânsia de controlo, selecção e até de condução ao pensamento único convergente com os interesses da economia (OCDE)? O que são, por exemplo, o Programme for Internacional Students Assessement (PISA), o Progress in Internacional Reading Literacy Study (PIRLS) e o Trends in internacional Mathematics and Science Study (TIMSS)? Será por aí, pela via da padronização e da centralização que se democratiza o conhecimento, que se geram as dinâmicas do pensamento universal, para que a Escola seja muito mais que os manuais? Não creio que o caminho seja aquele, porque os tempos são outros. Enquanto este encantamento obstinado pela avaliação cresce, curiosamente, poucos se mostram interessados em resolver as gravíssimas assimetrias sociais que desembocam na escola. A este propósito, o Professor Miguel Santos Guerra, Catedrático na Universidade de Málaga, à pergunta de um jornalista sobre a pobreza infantil, problema com que os professores se deparam, respondeu: "(...) a Escola está separada da vida, está distante dos problemas da realidade. Eu vejo aí um problema: os livros, os conhecimentos inertes que, por vezes, não têm que ver com a realidade. A Escola não pode permanecer separada dos problemas da vida, porque a Escola é para a vida. Há um artigo que conta a história de uma professora de Biologia que pergunta a uma adolescente quantas patas tem um artrópode. E a adolescente, suspirando, diz-lhe: ai senhorita, quem me dera ter os problemas que a senhora tem...". Ora bem, o poder político ignora a realidade, foge dela a sete pés, não quer saber se a Escola deve ser integradora e conducente ao acto de PENSAR, obviamente mais importante que decorar, mas não esquece, porque é fácil, avaliar tudo quanto mexe. É uma obsessão que começa no primeiro dia de "aulas" qual espada ameaçadora que a todo o momento mata o interesse pela curiosidade. Apetece-me perguntar: e se o poder político se deixasse avaliar pelos investigadores e pelos professores? O que leram, o que estudaram, que visitas de estudo fizeram, que documentos produziram e publicaram, no essencial, o que, de facto, sabem?
Fico por aqui.
NOTAS
1. Sublinho que não se pode deduzir deste meu texto que não considere importante a avaliação. Todos os processos devem ser continuamente avaliados. Através dela compreendemos a necessidade de introduzir correcções sistémicas. O que está errado é quando a avaliação se sobrepõe à curiosidade e ao verdadeiro conhecimento; o que está manifestamente errado é não despertar interesse e pautar a aprendizagem por uma transmissão de uma dada "matéria" constante do manual, um pseudo-estudo e um teste avaliador ao qual se juntam uma infinidade de outros e grotescos parâmetros. Porque aprender é muito mais do que isto! Até pode ser aprender a desaprender. 
2. Perguntas: pais a avaliar as aprendizagens? Que aprendizagens?  
André Escórcio
Ilustração: Google Imagens.