quarta-feira, 17 de maio de 2017

POLÍTICA EDUCATIVA - A OCDE A QUEM PRETENDE ENGANAR?


As considerações que a OCDE tem vindo a fazer sobre a política educativa portuguesa deixam a "pulga atrás da orelha". Tanto elogia os resultados nas disciplinas de Português e Matemática, como logo a seguir, salientou o último visitante Schleicher, responsável na OCDE, que no "(...) século XXI o sistema escolar tradicional, os professores estão na sala de aula com uma série de prescrições sobre o que devem ensinar. Os professores e as escolas do futuro têm de olhar para fora e colaborar com os outros docentes e com outras escolas" (...) "O passado centra-se na divisão: temos professores e conteúdos divididos por disciplinas e estudantes separados por áreas. E o passado é também isolamento: as escolas foram concebidas para deixar o resto do mundo lá fora. Já o futuro precisa de integração e de ligação com o mundo real". Ora, como podem, sistematicamente, falar da escola portuguesa como um exemplo a replicar em muitos países, quando as bases do sistema português assentam nos mesmos princípios orientadores há dezenas de anos? Dizem os brasileiros... "engana-me que eu gosto!"


Mais, ainda, do recente encontro em Leiria, foram os próprios estudantes, cansados da situação que vivem, que acabaram por convergir no retrato da escola: "querem ter, mais aulas práticas, mais debates, mais trabalhos de grupo, mais visitas de estudo, possibilidade no secundário de poderem escolher disciplinas em vez de áreas compartimentadas, mais arte, mais cidadania, maior ligação à prática, mais espírito crítico, turmas mais pequenas, professores motivados e que não desistam dos alunos" - Público.
De onde se deduz que, por enquanto, nós não somos exemplo para nada. Se os resultados melhoraram nas disciplinas de Português e de Matemática, não foi por uma questão de mudança de paradigma organizacional, curricular e programático, mas à custa de uma sobrecarga horária nessas disciplinas, ao jeito de, ou entra a bem ou entra a mal! Aliás, nada que seja novo, pois há muitos e muitos anos tantos investigadores chegaram a esta conclusão.
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

A HORA DOS PROFESSORES



O 12º Congresso do Sindicato dos Professores da Madeira irá realizar-se nos dias 19 e 20 de maio de 2017, sob o lema “Ética, Docência e Sindicalismo: sentidos, razões e consequências”. Espera-se que o Congresso possa representar um momento de partilha, de reflexão e de projeção de ideias e projetos, que levem à defesa e valorização da classe docente. O SPM realizou vários Plenários concelhios para a eleição dos Delegados ao Congresso, para que todos os sócios pudessem ter a oportunidade de participar neste evento. Considera-se que os temas abordados (nomeadamente Ética, Docência e Sindicalismo) se interligam e constituem parte fundamental da nossa prática, por isso, apela-se à participação neste Congresso, de modo a que este possa significar um espaço de discussão e de pré-ação.

PROGRAMA
19 de maio – sexta-feira

08h30 Receção aos conferencistas
09h00 Sessão de Abertura
Francisco Oliveira (Coordenador do SPM)
Jorge Carvalho (Secretário Regional da Educação)
Paulo Cafôfo (Presidente da Câmara do Funchal)
Arménio Carlos (Secretário-Geral da CGTP)
João Cunha e Serra (Presidente do Conselho Nacional da FENPROF)

10h00 Apresentação e votação do Regimento e Regulamento de Funcionamento do Congresso
10h30 Intervalo
11h00 Apresentação, discussão e votação do Relatório de Atividades 2014/2017
11h30 Conferência de Abertura
Manuel Carvalho da Silva (Ex-secretário geral da CGTP e professor universitário)

12h30 Almoço
14h00 Apresentação da Moção de Orientação 2017/2020
14h30 Painel 1: Ética e Direito do Trabalho
Brício Araújo (Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados)
Rui Assis (Advogado do Sindicato dos Professores do Norte, especialista em direito administrativo)

16h00 Intervalo
16h30 Discussão da Moção de Orientação 2017/2020
18h00 Encerramento dos trabalhos
20 de maio – sábado

09h00 Painel 2: Ética e Sindicalismo na construção da consciência cívica
Guida Vieira (Sindicalista – fundadora do Sindicato das Bordadeiras)
Manuela Mendonça (Professora e sindicalista – coordenadora do Sindicato dos Professores do Norte)

10h30 Intervalo
11h00 Painel 3: A construção da Ética em contexto escolar
Francisco Simões (Professor e Escultor)
Professor Doutor José Carlos de Miranda (Docente da Universidade Católica Portuguesa – Braga na área da Ética)

12h30 Votação da Moção de Orientação 2017/2020
13h00 Almoço
14h30 Assembleia Geral de Sócios para discussão e votação da Carta Ética
16h30 Intervalo
17h00 Conferência de Encerramento
Isabel Baptista (Docente da Universidade Católica Portuguesa na área da Ética e da Educação)

18h00 Sessão de Encerramento
Irineu Barreto (Representante da República para a RAM)
Mário Nogueira (Secretário-Geral da FENPROF)
Francisco Oliveira (Coordenador do SPM)

quarta-feira, 10 de maio de 2017

COMO NÃO EDUCAR AS PESSOAS


Do Filósofo Simon Blackburn li e guardei um texto publicado em Outubro de 2015. Nesse texto fala sobre educação trazendo à luz um exemplo que ocorreu com sua própria filha. Blackburn critica a educação que suprime o questionamento natural às crianças e a falta de um ensino mais amplo, histórico, que contextualize a ciência na vida quotidiana e que acabe, a partir desta limitação, repetindo “fórmulas matemáticas como se repete um dogma religioso do qual não se tem nenhum entendimento." 


Crianças são filósofos naturais. Todavia esse talento é, com frequência, inibido nelas por nós adultos, que dizemos para elas se calarem, para não fazerem certas perguntas e para não se preocuparem com certas coisas. Por conseguinte, as crianças acabam aprendendo a seguir o currículo obrigatório sem fazer perguntas, a resolver as equações e seguir em frente. Essa supressão do questionamento e do espírito reflexivo é fatal para a educação. Esse ponto pode ser ilustrado por um exemplo tirado da educação da minha filha.
Esta é uma história verídica. Minha filha frequentou escolas muito boas e caras em Oxford quando eu ali lecionava. Um dia, quando tinha por volta de 15 anos, ela se aproximou de mim e disse: “eu cansei de física, eu odeio física, eu odeio ciência, eu não vou mais estudar ciência", e respondi: “mas o que está acontecendo?", e ela: “eu não entendo nada". O que tinha acontecido na verdade é que eles precisavam resolver um problema relacionado à oscilação do pêndulo; eles deviam resolver uma equação sobre a velocidade do pêndulo na ponta de baixo usando uma equação que envolvia energia potencial, no topo do pêndulo, e energia cinética, na ponta de baixo do pêndulo.
É um cálculo bastante simples. Eu disse: “está bem, e o que você não entendeu?". E ela: “eu não entendi o que é essa coisa que ele chamade energia; o pêndulo no topo não tem energia, ele não está fazendo nada, ele está só ali parado, então por que deveríamos dizer que ele tem energia e que tem energia que se traduz em velocidade?". Ao que respondi: “e você perguntou isso para o professor?", e minha filha disse que sim, que tinha perguntado para o professor, e o que o professor tinha respondido: “resolva a equação e não faça perguntas". O resultado do diálogo vocês já conhecem, minha filha chegou em casa e disse “eu cansei de ciência, não estudo mais isso", e de fato foi o que ela fez, desistiu de ciência pouco tempo depois.
Eis uma ilustração de como não lecionar, de como não educar pessoas. Pode até ser que as colegas de classe da minha filha que resolveram a equação tenham ido para a universidade e tenham se tornado muito boas em todo tipo de coisa; não nego que essa seja uma maneira de capacitar pessoas a exibir certas habilidades. Tais pessoas podem certamente vir a se tornar engenheiros, doutores ou algo assim, mas isso não é uma educação, isso não aumenta nosso entendimento das engrenagens do mundo.
Ocorre que conheço um pouco da história do pêndulo e ela é muito interessante. A primeira pessoa a descobrir a natureza isócrona do pêndulo, o fato de que o pêndulo vai oscilar a mais ou menos o mesmo número de batidas por minuto independentemente da velocidade com que o impulsionamos, foi Galileu Galilei no século XVII.
Havia muito interesse no pêndulo nesse período porque ele constituía a grande esperança para marcar o tempo em viagens marítimas, uma tecnologia que responderia às necessidades dos sistemas emergentes de comércio através do oceano Atlântico e mesmo através do Pacífico.
Muitos cientistas e filósofos pensaram sobre o pêndulo, eis alguns deles: Huygens, Leibniz, Descartes, Newton e, no século seguinte, Gauss e Euler. A equação que pediram para minha filha resolver, a equação que usava o conceito de energia, foi formulada em física clássica somente em 1870; isso aconteceu 230 anos depois que Galileu começou a investigar o pêndulo. O conceito de energia usado era inteiramente desconhecido em épocas precedentes, ele foi o resultado da integração de vários sistemas diferentes de pensamento: gravidade, força eletromagnética e, acima de tudo, dinâmica, que foi desenvolvida no século 19. Ele surgiu como um conceito científico muito difícil e abstrato.
Ora, quando uma criança pergunta o que este conceito significa e quando se lhe responde “fique quieto e resolva a equação", nega-se a essa criança o desenvolvimento de um pensamento histórico, nega-se-lhe mesmo a importância da ciência; assim, acaba-se por criar uma mente que age por dogmas, que repete fórmulas matemáticas como se repete um dogma religioso do qual não se tem nenhum entendimento, pois não se conhece o caminho que conduziu à formulação do conceito, quais as controvérsias envolvidas e qual a dimensão do brilhantismo das pessoas que desvelaram essa nova noção de energia.
Se não se ensina isso, não se atribui à ciência um papel na cultura geral, na história geral do pensamento e recusa-se à criança uma história que ela deveria saber para compreender o conceito de energia ou qualquer outro conceito.

NOTA
Extraído da conferência de Simon Blackburn ao Fronteiras do Pensamento 2012. 
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

"OS ALUNOS PRECISAM DE IR MUITO PARA LÁ DO CONHECIMENTO ENCICLOPÉDICO"


O título constitui uma síntese do pensamento do Dr. João Costa, secretário de Estado da Educação. A entrevista, publicada na revista Visão, conduzida por Sara Belo Luís, constitui uma sacudidela em um sistema absolutamente caduco. Confesso que não me surpreendeu, porque, em outros momentos, li e escutei intervenções que já apontavam no sentido da mudança de paradigma. Quando ele refere que "não há autonomia numa escola se não houver autonomia no currículo", penso que está quase tudo dito. É uma entrevista cautelosa, porque mexer em décadas de rotinas tem muito que se lhe diga. A história do processo diz-nos que o sistema impôs uma hierarquia extremamente rígida, onde o professor é, apenas, o elemento da base da pirâmide, isto é, o operacional que cumpre o programa (tarefa), avalia e remete para os quadros intermédios e para o vértice estratégico os resultados das pressupostas aprendizagens. E sendo assim, esse operacional, tal como na fábrica da Sociedade Industrial, não foi preparado para trabalhar em grupo, para perceber a transversalidade do conhecimento, não foi preparado para perceber, como diz o secretário de Estado, que não faz sentido "fazer tudo igual, à mesma hora, em todos os recantos do país", até porque os públicos são diferentes, os professores são diferentes e os interesses das comunidades idem. Por tudo isto, a entrevista reflecte cautelas, porque, para quem se habituou ao toca-entra-toca-sai, às quatro paredes da sala de aula, a transmitir o programa da sua disciplina, questionará: e agora como é? Como é possível a aprendizagem por temas ou fenómenos complexos? Daí as experiências-piloto em marcha, onde se inclui a formação, porque o que "precisamos é de um ensino orientado para a vida", sublinhou o secretário de Estado.


"(...) Estamos a falar de conseguirem pesquisar, gerir a informação, relacionar conhecimentos de diferentes áreas, trabalhar em equipa, gerir a ansiedade e o stresse... tudo isto se consegue com este tipo de trabalho integrado (...)". Nas escolas os alunos estão a viver rotinas de "memorizo informação, despejo no dia do teste e a seguir esqueço (...)". Se ainda temos uma taxa de retenção elevadíssima é porque alguma coisa está a falhar", acrescentou.
Pois é, eu e muitos aguardámos quase cinquenta anos por esta abertura. Relembro, uma vez mais, um professor, em 1970, que nos disse: "como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente (...) o desencontro é inevitável". Portanto, não se trata de uma aventura, de mais uma alteração sem substância, mas de um primeiro passo (espero) que transporte as nossas crianças para o centro das políticas educativas. O que acontece, neste momento, é que elas foram atiradas para a periferia, porque primeiro tem estado o manual, o extensíssimo e paranóico leque de avaliações e a burocracia que, agora, passou do papel para o computador. Uma entrevista a ler na última edição da VISÃO.
Como nota final, tudo isto não sendo novo, lamento que os sucessivos governos da Madeira, no quadro da Autonomia, nunca tivessem dado um passo naquele sentido. E tem havido propostas sérias. Em uma Região pequena teria sido tão fácil implementá-las. A prova que não existem limitações constitucionais na construção de um paradigma organizacional e pedagógico, está na nova abordagem que o secretário de Estado faz sobre o processo de aprendizagem. Infelizmente, têm preferido as seculares rotinas à inovação portadora de futuro, os lugares institucionais e a burocracia ao encanto do conhecimento, tem preferido, enfim, andar atrás dos outros à dianteira. Angustiante!
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 6 de maio de 2017

PARA ONDE CAMINHA A ESCOLA NA FINLÂNDIA


Glória Ramalho é professora no Instituto Superior de Psicologia Aplicada e foi directora do então Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE). É doutorada em Psicologia Educacional. Acabo de ler, no Expresso, um seu artigo ao qual deu o título: "Para onde caminha a escola na Finlândia". Deixo alguns excertos: "(...) A Finlândia tem um novo currículo (...) se os resultados são tão bons, então porque se empenharam em mudar o currículo? (...) porque o mundo em que as escolas agem sofreu mudanças de grande alcance; aumentou o impacto da globalização, mudaram as competências necessárias à vida social e profissional e, hoje, são outros os desafios que se colocam a um futuro sustentável. A pedagogia, o conteúdo do que se ensina e as práticas escolares devem ser revistos e renovados (...) A escola é vista como uma comunidade de aprendizagem que incentiva a participação dos alunos, que tem em conta o significado para os jovens dos temas que se lhes propõem (...) encoraja-se a extensão dos lugares de aprendizagem para além da escola: visitas à natureza, aos museus ou a instituições ligadas aos negócios; os jogos e outras envolventes virtuais são consideradas (...) a transversalidade nas aprendizagens escolares é manifestada, igualmente, na determinação de que, em cada ano de escolaridade, as escolas incluam pelo menos um módulo de aprendizagem multidisciplinar que combine o conteúdo de várias disciplinas e que o aborde de pontos de vista diferentes (...)"


Estava a ler este artigo e fui em busca de um que escrevi, em Junho de 2015, no meu blogue "comqueentao", exactamente sob o título "A Educação na Finlândia", no qual tracei algumas considerações sobre o "Programa de Governo para a Madeira".

O “programa de governo” para a Educação é um desastre conceptual e político. Apenas lugares comuns sem fio condutor. Li-o, mastigando palavras, em uma tentativa dele extrair um conceito que fosse, uma ideia. Li-o na vertical e cruzei, horizontalmente, as diversas intenções. Desesperante, na forma e no conteúdo.
Algumas partes pareceram-me elencadas pelos serviços e ali metidas a martelo. Uma lástima. Eu diria que se trata de matéria dada através de velhos e mofentos manuais de onde se extraíram resultados desproporcionais ao investimento. Basta um olhar para as altíssimas taxas de insucesso, de abandono e a fragilidade nas qualificações profissionais. Seguir por ali só podemos esperar mais quatro anos de estagnação ou mesmo de retrocesso. Lamento. Podia ali existir uma ideia portadora de futuro, mesmo que ténue ou mal concebida, partindo do pressuposto que uma mudança de sentido tem de ser cautelosa e projectada para várias legislaturas. Porque a Educação não pode ser motivo de jogo partidário. Mas não, no essencial, ali reside a persistência do erro e um permanente olhar para ontem, salpicado, aqui e ali, por umas palavras que soam bem, todavia, vazias de significado contextual. Nem por tentativa e erro, quarenta anos depois, se fez luz no esburacado e pouco iluminado túnel. Como enalteceu o Professor José Pacheco, numa recente conferência, o sistema tende a eternizar-se como resposta aos jovens do Século XXI, com professores do Século XX e metodologias do Século XIX. Em linguagem informática só pode dar “erro”. E tão simples e aliciante poderia ser este tempo, com tanta informação disponível, tanta investigação produzida, tantos estudos elaborados em monografias, dissertações e teses de doutoramento, tantos autores que se debruçaram, desde professores universitários, psicólogos, médicos a sociólogos. Concluo que o vasto leque dos decisores políticos não querem ler, sequer ouvir ou perceber como se constrói a Educação para a complexidade dos novos tempos. Para quê mudar se sempre foi assim, pensarão de forma abstrusa! Pois, pensar e arquitectar dá muito trabalho!
Há dias li um trabalho de reportagem, na revista do Expresso (30.05.2015), sobre as novas alterações ao sistema educativo na Finlândia. Nada de novo, mas escorreram-me garganta abaixo como mel aquelas sete páginas. O que lá estão a realizar é exactamente aquilo que vários portugueses consideram ser o caminho do sucesso. Por cá as vozes não são escutadas, quando não subtilmente maltratadas e apagadas. Por lá, respeitam os sinais da investigação e seguem em busca de novos paradigmas. Obviamente que os contextos históricos, económicos, sociais e culturais são diferentes, pelo que não basta copiar um sistema e aplicá-lo. Mas, no mínimo, há que ser sensível e mostrar-se disponível para partir, para colocar tudo em causa, analisar todas as variáveis a montante e a jusante, deixar o cruzamento e seguir um caminho. Palavras de uma professora: “a sociedade mudou muito e os estudantes precisam de competências diferentes para quando forem trabalhar. No mundo real não existe a Matemática, a Biologia, a Química, não existem disciplinas escolares, mas fenómenos complexos, aos quais não podemos dar resposta como se fossem perguntas de resposta múltipla (…)”. Daí que os conhecimentos tenham de ser trabalhados de forma integrada. E dá um exemplo simples:
“Chocolate. Há um mundo inteiro dentro de uma barra de chocolate e inúmeras coisas que podem ser estudadas” (…) é assim que devem aprender, porque é assim na vida real”. Está, portanto, em causa a aprendizagem por fenómenos em alternativa ao modelo clássico por disciplinas. E os objectivos são cumpridos. Aquela ideia de toca-entra-toca-sai, de todos sentados, alinhados, olhando em frente e escutando o professor que debita e debita, corresponde ao quadro da monotonia e da indisciplina por ausência de participação. O registo de faltas, o sumário e o conceito de aula, o escrupuloso cumprimento do programa tal como está superiormente determinado e acertado na reunião de departamento ou de grupo, foi chão que poucas uvas deu. Na Finlândia (existem outras experiências de sucesso) o professor é um moderador, um jogador atento e um criador de fenómenos que conduzem à descoberta. “(…) A ideia é não ser o professor a ensinar tudo”. Dizem os alunos: “é mais fácil compreender a matéria do que só de ouvido. Somos treinados para sermos independentes e para irmos à procura de respostas”. Leio: “(…) a aula decorre, mas não é Niina Vänttä a dar as ordens, apresenta a matéria ou perde tempo a mandar calar os alunos”. E o interessante, note o leitor, é que começam na escola aos sete anos, aprendem e estão no topo da avaliação PISA; só têm exames no final do secundário, por isso, não há stress, ansiedade ou nervosismo entre alunos e professores; só 3,8% dos alunos repetem um ano ao longo de todo o percurso escolar, contra 34,3% em Portugal; em toda a Europa são os que menos tempo passam na escola (média de 703 horas por ano, quando em Portugal são 803); dez páginas chegam para salientar o que os alunos precisam de saber do 1º ao 9º ano (qualquer disciplina), enquanto em Portugal são necessárias 110 páginas; rejeitam a sistemática “medição de resultados” (avaliação); 83% da população adulta tem o secundário, quando em Portugal ronda 38%; são os professores que fazem o planeamento e definem as metodologias de aprendizagem e não uns estranhos à vivência escolar sentados no conforto dos gabinetes. Mais, porque a Educação é necessária ao desenvolvimento, ela é pública, todo o ensino do pré-escolar ao superior é gratuito, incluindo as refeições, o transporte e os manuais. O número de alunos por escola situa-se entre os 200 e os 300. Os professores são vistos pelos alunos como “superautoridades” e é mais difícil ter acesso ao curso universitário de professor do que entrar para Medicina, leio no trabalho da jornalista Isabel leiria.
Conheço a Finlândia e nada disto me é estranho.
A literatura é vasta e o conhecimento está disponível. Por que não aprendem? Refiro-me aos decisores políticos. E quando é possível construir, paulatinamente, um paradigma em busca do sucesso, confronto-me com um “programa de governo” que é anedótico. Mas quando, aqui tão perto, a Universidade da Madeira, particularmente o Departamento das Ciências da Educação, não é tido em conta, que mais podemos esperar de um programa que é papel com letras?"
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

O SISTEMA NÃO ESTÁ PREPARADO PARA ESTE FIM



Antonio Gramsci, Filósofo. Há aqui um conjunto de palavras que nos leva a reflectir, profundamente, sobre o sistema educativo: democrática, apenas, qualificado e governante. 

quinta-feira, 27 de abril de 2017

O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO REGRESSA A 1932? NA EDUCAÇÃO DESPORTIVA ESTÁ LÁ TUDO!


Li AQUI: "(...) Pela primeira vez na Europa toda uma geração de estudantes - no caso os alunos portugueses do 2.º ano - será sujeita a uma prova de Educação Física. O Ministério da Educação admite que a avaliação de expressão físico-motora, integrada nas aferições de Expressões do 1.º ciclo, revela fragilidades na preparação dos alunos nesta área. "Temos recebido impressões, nas reuniões que temos feito, incluindo com os professores de Educação Física, que vão exatamente no sentido de que esta área específica do currículo não tem sido muito trabalhada" (...) "Mas até agora têm sido impressões. A partir de agora vamos ter dados sistemáticos sobre o que existe". Há já um mês que o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) tem online um conjunto de recursos para a preparação dos testes - que não contam para a nota -, desde um "mapa" do percurso de exercícios que será montado a uma lista de materiais a utilizar e um vídeo - desenvolvido em articulação com professores de Educação Física - ilustrando os exercícios que os alunos terão de fazer. (...) As provas, organizadas turma a turma, decorrem entre 2 e 9 de maio. Nesta quinta-feira será divulgado online o "guião" dos testes - que só costuma ser revelado após a avaliação. Isto, explicou o diretor do IAVE, Helder de Sousa, para garantir que todos os alunos têm a mesma informação antes dos testes. E também porque não é expectável que, em provas que avaliam sobretudo a aquisição de competências físico-motoras, este conhecimento prévio do teste faça a diferença nos desempenhos".


Ao ler esta notícia que consubstancia as preocupações do Ministério, fui levado a ter presente o famigerado Decreto 21.110 de 16 de Abril de 1932. O diploma do Estado Novo que aprovou e mandou pôr em execução o regulamento da Educação Física. Decreto este que, no essencial, "proibiu" o desporto na escola. Tenhamos em atenção algumas passagens da introdução ao citado documento: "(...) Eis porque nas escolas primárias e secundárias os desportos devem ser afastados com toda a energia, porque os organismos infantis depauperados não os suportam sem graves perigos" (...) não podem ser aceites os desportos anglo-saxónicos e os jogos atléticos e os desafios e matchs em geral, especialmente os de foot-ball, visto ser nulo o seu papel educativo e cujos malefícios são óbvios (...)". E isto porquê? Cito, novamente, o DL em causa: "(...) Foi deveras impressionante, ainda há bem pouco tempo, o resultado do apuramento de rapazes para a marinha portuguesa. Os médicos que  que procederam ao exame respectivo pronunciaram-se até publicamente, na imprensa diária, contra o abuso da MANIA DESPORTIVA definindo-a como uma das causas mais importantes do definhamento do nosso povo" (...) A Educação Física tem sido até hoje feita às avessas e prejudicando a educação intelectual e moral (...)"
Salvo as devidas proporções e implicações da decisão do actual ministério face ao Decreto-Lei de 1932, no essencial, coexistem aqui graves erros de avaliação da situação. Pretende o ministério avaliar o quê? E, na decorrência da avaliação, implementar o quê? Este é um assunto sobre o qual tenho, desde há muito, vindo a escrever. Deixo aqui uma parte de um texto publicado no meu blogue www.comqueentao.blogspot.com.    
Decreto-Lei 21.110... uma delícia!
"(...) Há dois caminhos que há muito se cruzam. Um que defende a manutenção da Educação Física curricular que submete os alunos a testes, níveis e notas de avaliação, como se aquela disciplina fosse comparável com as outras disciplinas curriculares. É meu entendimento que é diferente e que é na diferença que terá de buscar o seu caminho; outro, que assume uma ruptura com o passado no sentido da mudança da Educação Física para Educação Desportiva. Eu estou com a mudança. Para quem conhece a longa História das correntes filosóficas e a influência que tiveram no pensamento pedagógico, dominando, sobretudo, as razões mais substantivas desde os primórdios do Século XX até ao seu último quartel (evolução para sociedade da tecnologia e da informação), concluirá que a Educação Física deixou de fazer sentido há muitos anos! Hoje, confronta-se com uma "crise de identidade e de reconhecimento social" (relatório conduzido por K. Hardeman, da Universidade de Manchester, patrocinado pelo Conselho Internacional de Ciências do Desporto e Educação Física e suportado pelo Comité Internacional Olímpico, que teve por objectivo investigar a situação mundial da Educação Física. As respostas ao questionário, aplicado em 126 países, alertou para o facto da Educação Física encontrar-se numa profunda crise de identidade e de credibilidade social). Há vários estudos sobre esta matéria.
O Filósofo Manuel Sérgio disse-me um dia uma frase que, genericamente e qual metáfora, atinge o centro do alvo: "tirem a bola à Educação Física e digam-me lá o que resta". Em um artigo que publicou assumiu: “(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) que a expressão Educação Física se acha incrustada numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e que a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência credibilidade, respeito e admiração” - O DESPORTO Madeira, 27.06.03. Nem mais. Há treze anos! É, por isso, que um outro investigador e pensador e que muito tem escrito sobre este dilema, o Doutor Gustavo Pires, a 12.09.2008, em um artigo publicado também no "Desporto Madeira" salientou: "(...) Enquanto o governo, este ou outro qualquer, não tiver a coragem de desmantelar a super estrutura de concepção dos actuais programas de Educação Física do Ensino Básico e Secundário, nunca o País há-de ter um sistema desportivo minimamente aceitável e taxas de prática desportiva que não o envergonhem (...). Em um outro artigo: "(...) Defender a Educação Física é sermos capazes de encontrar soluções de acordo com as realidades do nosso tempo. Numa dinâmica de futuro. E o futuro é o ensino do desporto (...)". 
Em Maio de 2008 escrevi neste blogue: "(...) Trata-se, de facto, de uma luta contra um poderoso lóbi corporativista, obsoleto e medíocre, entrincheirado nas universidades e em posições estratégicas de decisão política, que não consegue entender que as respostas encontradas nos anos 30 e melhoradas a partir da década de 70 já não se adequam, por um lado, ao actual conhecimento científico, por outro, às expectativas que o desenvolvimento determinou. Daí que não me espante nem me cause qualquer embaraço que aqueles que consideram que a mudança de paradigma terá de ser operada, sejam muitas vezes visados com graves dislates os quais, penso eu, não são mais do que o estertor de quem perdeu todos os argumentos e, naturalmente, sente que os alunos, paulatinamente, os das universidades e outros de idades mais jovens, estão a voltar-lhes as costas, por sentirem que há um mundo novo de possibilidades de prática que não se restringe ao espaço de uma Educação Física bafienta, repetitiva, desmotivadora e sem futuro (...)" Por tudo isto sou pela mudança de paradigma" (...), até porque na Educação Desportiva está lá tudo. Lamento que o ministério alinhe nesta limitada visão do problema. É caso para deixar a provocação: perguntem ao Ronaldo se ficou a dever alguma coisa à Educação Física!

domingo, 23 de abril de 2017

JOSÉ PACHECO: "PROCUREM NAS ESCOLAS PROFESSORES QUE AINDA NÃO TENHAM MORRIDO"



José Pacheco, professor, pedagogo, defende uma escola sem turmas, sem ciclos, sem testes, sem chumbos, sem campainhas. Aos críticos, pede alternativas e conta histórias de sucesso. Fundou um projeto inovador na Escola da Ponte, em Santo Tirso, em 1976, quando percebeu que não podia continuar a dar aulas. Derrubou paredes, juntou alunos, ergueu um método em que quem aprende define o seu ritmo de aprendizagem. Foi ameaçado, ouviu coisas feias, disseram-lhe que quando fosse mais velho iria ganhar juízo. Tem agora 65 anos e não mudou de ideias. Toda a entrevista AQUI.

Portugal habituou-se a olhar para os exemplos educativos da Europa do Norte. É tempo de olhar para outros lados?

Portugal não precisa ir ao estrangeiro procurar as suas soluções. Elas estão cá dentro. Quais são hoje os autores que influenciam as escolas? Vygotsky, Piaget? Onde estão os portugueses? Nunca vi Agostinho da Silva numa sala de aula. A Finlândia extinguiu a Inspeção de Ensio e os exames, mas esqueçam a Finlândia. Dai atenção ao que se passa nos colégios jesuítas da Catalunha. A Europa do Norte e os Estados Unidos são pródigos na divulgação de absurdos e a última «inovação» veiculada pelos media foi a da aula invertida. O que vem a ser isso? Nas palavras do seu «criador«, flipped classroom, ou sala de aula invertida, é o nome que se dá ao método que inverte a lógica de organização da sala de aula. Os alunos aprendem o conteúdo no aconchego dos seus lares, digerindo videoaulas e jogos. Na sala de aula, fazem exercícios. Diz-nos a media especializada que o trabalho de pares foi inventado há cerca de vinte anos. Vinte anos? Há quase um século, o Vygotsky dizia-nos que a aprendizagem é resultante de um processo interativo. Também sabemos que, há mais de trinta anos, o Papert escreveu sobre o assunto. E que, há cerca de quarenta anos, o trabalho de pares era prática comum no quotidiano de uma escolinha de Portugal, muito antes de um professor de Física o ter «inventado.» Os professores portugueses deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro. Novidades importadas não passam de inovações requentadas.

QUATRO DESTAQUES
PARA REFLECTIR

«Qualquer pessoa minimamente avisada, minimamente conhecedora dos ainda ocultos saberes das ciências da educação – bode expiatório de todos os males que apoquentam a educação deste país – sabe que a solução não passa por mais exames.»

«As escolas são pessoas, mas o Ministério da Educação crê que uma escola é um edifício. E uma crença não se discute, deve ser respeitada. Porém, crenças e «achismos» não deverão ser suportes de política educativa.»

«A velha escola há de parir uma nova educação. Mas as dores do parto serão intensas, enquanto as “naturalizações”, as “certezas”, as crenças ministeriais, a tecnocracia e a burocracia continuarem a prevalecer em domínios onde deveria prevalecer a pedagogia.»

«O despertar da atenção do professor será o despertar da atenção do aluno. As escolas dispõem de excelentes professores a trabalhar do modo errado. E acontece o inevitável: doenças profissionais, idas ao psiquiatra, burnout…»

«Os professores portugueses deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro. Novidades importadas não passam de inovações requentadas.»

quarta-feira, 19 de abril de 2017

"DESCUBRA A MADEIRA - TURISMO NA ESCOLA". AINDA EXISTE SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO?


Um Colega de profissão, em um dos nossos diálogos sobre planeamento e desenvolvimento, a páginas tantas, com o seu refinado e sempre presente humor, disparou mais ou menos isto: sabes, vive-se muito de fases orgásmicas (...) o entusiasmo cresce, atinge-se o clímax e esmorece-se de imediato. Mensagem perfeita na dinâmica das acções educativas. Alguém produz uma ideia, à volta poucos equacionam, ela vai por diante e, depois, passado algum tempo, tende a desaparecer por ausência de respeito pelos princípios do desenvolvimento, entre outros, o da integração e o da sustentabilidade. Ora bem, li, hoje, que a secretaria da Economia, Turismo e Cultura vai lançar um projecto sensibilizador da importância do turismo para a Região, através da iniciativa "Descubra a Madeira - Turismo na Escola". Fui lendo e, em simultâneo, fui relacionando e questionando-me sobre a sua putativa importância, colocando em memória activa a síntese daquele meu Colega: não será esta mais uma fase orgásmica do governo?
  

Concluo que sim. Alguém pensou, deu corpo e o secretário pespegou na comunicação social. Qual o fundamento, quais as razões mais substantivas da iniciativa, se a mesma se justifica no quadro do processo educativo, se isso vai ou não criar mais uma responsabilidade para os professores entre tantas solicitações que à escola chegam, para além do cumprimento dos programas, claro, isso parece não ter sido devidamente considerado. Aliás, os madeirenses têm uma secular relação com o turismo. O primeiro guia turístico da Madeira "surgiu em 1850, e focava já elementos sobre a história, a geologia, a flora, a fauna e os costumes da ilha". Cerca de 30% do PIB deriva da indústria turística, pelo que são milhares os que trabalham e dependem, directa ou indirectamente, desta indústria. A Madeira dispõe de uma Escola de Hotelaria (a primeira começou a funcionar em 1967 - Escola Basto Machado). Há estabelecimentos de ensino que, através de protocolos, promovem cursos com saída profissional ligados ao turismo. Há escolas profissionais privadas e o sistema público aflora este tema no âmbito curricular. Para além disso, a Madeira apresenta, anualmente, um calendário de festividades promotoras da sua imagem, também, da importância do turismo para a Região, concretamente, a festa de fim-de-ano, festa da flor, festival do atlântico, festa de carnaval, festa do vinho Madeira, entre outras, dinamizadoras da conjugação entre a oferta turística e a participação do povo. São os próprios meios de comunicação social que divulgam, sistematicamente, a percentagem de visitantes tendo em consideração as camas vendidas, o número de passageiros entrados no aeroporto ou o número em trânsito através dos cruzeiros que passam pelo porto do Funchal. Por outro lado, ainda, somos tidos como um povo aberto e que sabe receber com qualidade e sem subserviências bacocas. Pergunta-se, então, se todos nós, desde crianças, estamos envolvidos pela importância do turismo, para quê colocar à escola mais esta tarefa? 
Assistimos, durante duas semanas, ao "orgasmo" do "robot". O secretário da Economia, junto de crianças, desdobrou-se em iniciativas sensibilizadoras da robotização. Segue-se, agora, a fase orgásmica do turismo na escola. Depois da excitação ficará a memória. Foi sempre assim. O mais interessante, ou talvez não, é que estas iniciativas, empurradas para a escola, parecem não derivar de uma acção conjunta com a secretaria da Educação. Fica a ideia que o secretário da Educação não existe e que o da Economia domina ambas as pastas. Pior, ainda, que não existe uma ideia clara sobre a construção do futuro. 
Ora, nem a escola nem o turismo precisam de iniciativas desta natureza. A ESCOLA precisa, isso sim, de um outro paradigma. De um paradigma organizacional, curricular e programático assente na CULTURA. O Ensino Básico serve para isso mesmo, para gerar o alicerce sobre o qual poderão ser edificados os pilares de suporte dos andares superiores do conhecimento e da sensibilidade para tudo, inclusive, para o turismo. É o sistema educativo que tem de mudar, pelo que de nada valem iniciativas que não se enquadrem em uma ideia maior. É o sistema que tem de derrubar os muros da escola e a mentalidade de um ensino espartilhado em disciplinas, quando a vida é um aglomerado de tudo. É a escola básica que tem de vir para a rua, para o museu, para o jardim, para vida real que envolve todos os sectores, negando-se ao reduto em que está mergulhada, por ausência de projecto aglutinador entre sistemas e por falta de financiamento, convenhamos. Mas, aí, ninguém quer mexer, antes preferem a manutenção de um sistema caduco, uma escola fechada, com mais de duzentos anos, embora pintada de fresco com iniciativas deste género, absolutamente desconjuntadas. 
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

APRENDIZ DE UTOPIAS - Uma atitude – Dicionário de Valores


Uma atitude é uma atitude. E uma vida feita da constante demissão de atitudes é uma vida... sem atitude. Para salvar a pele, perde-se o sentido da vida; para poupar incómodos, perdemo-nos a nós mesmos. São os valores que definem o rumo de um projeto pedagógico e traduzem-se em atitudes. Se tal não suceder, um projeto não ultrapassará o nível das intenções.


O André estava prestes a reprovar, porque já quase havia ultrapassado o limite permitido de “faltas disciplinares”. O pai do André foi saber o que se passava. Foi-lhe explicado que o filho saía da sala de aula sem autorização da professora. Chegando em casa, o pai do André perguntou-lhe se ele tinha consciência do risco que estava a correr. O jovem respondeu afirmativamente.
Ainda mais preocupado, o pai voltou à escola, tentando entender a obstinação do filho. Um professor amigo acolheu-o e explicou o que vinha acontecendo, desde que uma professora nova tomara a responsabilidade de dar aulas à turma do André. A professora era uma senhora insegura. No início da aula, gritava, ameaçava de mandar sair da sala, com falta disciplinar, todo o aluno que perturbasse a aula. Havia na turma um aluno, que parecia estar sempre de bem com a vida, dado que um sorriso permanentemente lhe enfeitava o rosto. A professora, supondo que o sorriso correspondia a desafio, pusera esse aluno fora da sala várias vezes. Tantas vezes quantas o André havia saído e, consequentemente, sido punido com “falta disciplinar”. Na primeira vez, o André tentara explicar que o sorriso do colega era natural, uma característica. Não conseguira fazê-lo. A professora o mandou calar. O André saiu tantas vezes quantas o colega havia sido expulso, porque não concordava com a atitude injusta da professora e manifestava-se deste modo: num protesto mudo. Porque a solidariedade era um dos valores do quadro axiológico do projeto da escola que o André frequentara antes de ingressar naquela, onde... quase reprovara por excesso de “faltas disciplinares”.
Uma atitude é uma atitude. E uma vida feita da constante demissão de atitudes é uma vida... sem atitude. Para salvar a pele, perde-se o sentido da vida; para poupar incômodos, perdemo-nos a nós mesmos.
Em 1934, a primeira Constituição, que atribuiu ao Estado a responsabilidade pela Educação do povo, inspirava-se em valores e princípios na época prevalecentes. Decorrente de tais valores e princípios, o Brasil da Educação formal cuidou de formar elites e descuidou da Educação do povo. Hoje desdenha-se a ética (muitos membros da elite cometem crimes de colarinho branco…), num jogo de salve-se quem puder, porque a Educação escolar fragilizou a responsabilidade social.
Poderá haver Educação em práticas sociais que impedem a assunção de uma vida plena quando não fazemos aquilo que se pode e se sonha poder fazer?
Num tempo em que a Escola da Ponte começava a deixar de ser uma “escola dos pobres e deficientes”, passando a ser uma escola de todos, um pai, juiz de profissão, confidenciou-me: A minha filha aprenderá nesta escola aquilo que outras escolas lhe poderiam ensinar. Mas pode aprender aqui coisas que outras escolas não lhe ensinariam...
Na sua primeira visita à Escola da Ponte, Rubem Alves deteve-se a observar uma menina, que consultava um dicionário. Perguntou por que o fazia.
A menina respondeu: Estou fazendo uma lista de palavras “difíceis” deste texto e escrevendo-as de uma maneira mais simples.
O Rubem insistiu: — Foi um professor que te mandou fazer essa tarefa?
— Não! – disse a menina – Eu sei o sentido destas palavras. Mas os meus colegas menores ainda não sabem consultar o dicionário e eu decidi ajudá-los, para que eles compreendam o texto, que é bem bonito.

Um artigo de JOSÉ PACHECO
Mestre em Ciências da Educação pela Universidade do Porto, foi professor da Escola da Ponte. Foi também docente na Escola Superior de Educação do IPP e membro do Conselho Nacional de Educação.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

MANUEL SÉRGIO E O SENTIDO DE TRANSCENDÊNCIA NO DESPORTO


Na linha de pensamento de Manuel Sérgio, defendemos que a motricidade humana, nas suas especialidades, ao integrar o desporto, tal como, entre outras, a dança, a reabilitação, as atividades físicas e recreativas, a ergonomia, a disciplina curricular de educação física que se devia designar de motricidade humana bem como os trabalhos oficinais e os trabalhos circenses, fundamenta uma visão filosófica do Movimento Olímpico uma vez que este se trata de “um processo, adaptativo, evolutivo e criativo” em que o atleta é um “ser práxico”, carente dos outros e do mundo em busca da sua própria superação e transcendência. 


É neste sentido que entendemos a expressão “citus, fortius, altius”, idealizada com esta ordem das palavras pelo frade Henri Didon que, pela primeira vez, surgiu associada ao MO no frontispício do nº1 do “Bulletin International des Jeux Olympiques” publicado em 1894 que é uma espécie de relatório daquilo que se passou no 1º Congresso Olímpico realizado, naquele ano na Sorbonne em Paris, por iniciativa de Pierre de Coubertin. A primeira vez que Coubertin utilizou a máxima olímpica aconteceu na edição de 25 de Outubro de 1894 do jornal “Les Sports Athlétiques” através de um artigo intitulado “Le Bilan du Congrès de Caen” onde se manifestou contra os ataques dos prosélitos da educação física, sobretudo dos médicos, que acusavam a prática desportiva de causar desvios e deformidades. Coubertin arguia que os jovens desportistas recebiam como palavras de ordem o famoso “citius, fortius, altius” pelo que, para além das deformidades inventadas pelos médicos, o que os desportivos ambicionavam era serem mais rápidos, mais fortes e mais ágeis. Posteriormente, Coubertin ainda utilizou o lema olímpico com o “altius” em último lugar na revista “Cosmopolis” de Abril de 1896 tendo, inclusivamente, feito uma alusão ao próprio frade Didon. Disse ele: “Todo o atletismo está contido nessas três palavras que o frade Didon ofereceu como lema do desporto aos estudantes da sua escola no final de um jogo de futebol: Citius, fortius, altius, mais rápido, mais forte, mais alto. Elas formam um programa de beleza moral. A estética do desporto é uma estética imaterial”.
Depois da morte do frade Didon, que aconteceu a 13 de Março de 1900, num texto publicado em 1901 onde abordava a problemática da educação pública, Coubertin voltou a referir-se o lema olímpico. Contudo, já não o fez utilizando a mesma ordem das palavras. Utilizou a ordem das palavras que hoje é conhecida: “Citius, Altius, Fortius”. Referiu-se ainda ao lema olímpico com a mesma ordem das palavras, em 1912, a propósito dos Jogos Olímpicos de Estocolmo (1912) num texto intitulado “Une Olympiade à Vol d`Oiseau”.
Entretanto, a Europa estava em vésperas de viver a catástrofe da 1ª Guerra Mundial. Pelo que o lema olímpico teve poucas possibilidades de se afirmar enquanto rutura do desporto relativamente às escolas de ginástica integradas na educação física. Por isso, a divisa olímpica só começou a ser formalmente utilizada a partir de 1921 quando passou a constar na capa da Carta Olímpica com as palavras ordenadas da maneira que hoje é conhecida: “citius, altius, fortius”.
Do exposto, resulta uma questão fundamental: Porque é que a palavra “altius” deixou de estar colocada em último lugar? A palavra-chave que nos pode ajudar a resolver este imbróglio é a palavra transcendência, caída em desuso no Movimento Olímpico sobretudo a partir dos anos sessenta com a entrada da televisão nos Jogos Olímpicos e o consequente processo esquizofrénico de comercialização dos Jogos Olímpicos como Guilherme de Oliveira Martins referiu no recente Colóquio sobre Manuel Sérgio que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian.
O conceito de transcendência foi introduzido no desporto moderno através do designado Cristianismo Muscular enquanto corrente filosófica e religiosa que surgiu em Inglaterra nos anos cinquenta do século XIX a fim de envolver o desporto numa dimensão religiosa e ultrapassar as dificuldades levantadas pelas igrejas cristãs relativamente à prática desportiva ao Domingo desenvolvida, desde o início do século, nas Escolas Públicas em Inglaterra cujo principal percursor foi Thomas Arnold (1795-1842) quando, de 1828 a 1841, exerceu as funções de diretor da Escola Pública de Rugby.
A pergunta que desencadeou o Cristianismo Muscular foi a seguinte: Porque é que não se pode praticar desporto ao domingo? Tudo começou com uma polémica. Num primeiro momento foi desencadeada pela publicação de um livro da autoria do clérigo Charles Kingsley intitulado ˝Two Years Ago” onde o autor teceu algumas reflexões de carácter positivo relativamente ao desporto tais como a de considerar que a prática desportiva era um excelente cartão de apresentação. Ele defendia que: “... nos campos de jogos, os rapazes adquirem virtudes que nenhum livro lhes pode dar; não apenas ousadia e perseverança, mas, melhor ainda, calma, autodomínio, justiça, honra, aprovação sem invejas do sucesso do outro, e todos os aspetos da vida que sustentam o homem numa boa posição quando ele vai para vida, sem a qual, de facto, o seu sucesso será sempre mutilado e parcial”.
Num segundo momento, outro clérigo, de seu nome T. C. Sandars um tradicionalista que reprovava a prática desportiva ao Domingo, publicou no jornal ῎Saturday Review῎ (21-02-1857) uma crítica contundente ao livro de Kingsley lançando um anátema sobre os desportistas que não respeitavam o Domingo, o dia do Senhor, dedicando-se, sem qualquer pudor religioso, à prática desportiva que Sandars, de uma forma pejorativa, designou de Cristianismo Muscular.
No terceiro momento, perante os receios do clérigo Kingsley quanto às reações negativas que a expressão Cristianismo Muscular podia desencadear relativamente ao desporto, Thomas Hughes que era amigo e companheiro político de Charles Kingsley, com um sentido operacional da vida próprio de um treinador de boxe que era, passou ao ataque e começou a utilizar a expressão Cristianismo Muscular atribuindo-lhe um sentido eminentemente positivo. E Hughes até era a pessoa mais indicada para o fazer na medida em que, de 1834 a 1842, havia sido aluno da Escola Pública de Rugby, quer dizer, ao tempo em que Thomas Arnold foi seu diretor. E, em 1857, publicara o livro “Tom Brown’s Schooldays”, uma espécie de autobiografia que descrevia a vida dos estudantes da Escola Pública de Rugby. E, a fim de reagir às críticas de Sanders, em 1861, escreveu o livro “Tom Brown at Oxford“ que era a continuidade do anterior onde acabou por conferir à expressão Cristianismo Muscular uma conotação positiva uma vez que fez uma distinção entre “cristãos musculados” (muscular Christians) e “homens musculados” (musclemen) quer dizer, entre atletas cristãos com convicções religiosas relativamente aos ensinamentos de Cristo e atletas sem convicções para além da prática desportiva, isto é, desprovidos de doutrina cristã à qual deviam subordinar o seu entusiasmo pelo desporto.
Para Thomas Hughes “o corpo era dado por Deus ao homem para ser treinado e subjugado para, de seguida, ser usado na proteção dos fracos e na promoção de todas as causas justas”. A partir de então, o desporto, na lógica do Cristianismo Muscular, passou a ser entendido como um meio com vista à transcendência religiosa da pessoa humana que, do ponto de vista filosófico, encontrava as suas raízes no Novo Testamento, entre outros em São Paulo que utilizava metáforas de conteúdo atlético a fim de exemplificar os desafios de uma vida cristã. Vejamos alguns exemplos:
• A busca da transcendência: “não sabeis que os vossos corpos são templos do Espírito Santo, que habita em vós, o qual tendes da parte de Deus? Tu não és propriedade de ti próprio”. 
• A necessidade de auto-disciplina: “não sabem que numa corrida todos os corredores correm, mas um só leva o prémio? Correi de maneira a ganharem o prémio. Todos os que competem nos jogos fazem-no devido a um treino rigoroso. Eles fazem-no por uma coroa que não durará muito, nós fazemo-lo para obter uma coroa que durará para sempre. 
• O cumprimento do dever: Travei uma boa luta, terminei a corrida, mantive a fé. 
• Atingir o objetivo: Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prémio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.”
Posteriormente, o Cristianismo Muscular também foi influenciado pelo pensamento de Jean Jacques Rousseau (1712-1778) através do clássico “Emile” (1762) onde o pedagogo enfatizava a importância da atividade física no desenvolvimento do caráter moral. Para Rousseau “quanto mais fraco era o corpo, mais tirano se tornava; quanto mais forte era o corpo, mais ele obedecia”. O que aconteceu foi que, o Cristianismo Muscular deu lugar a uma tríade virtuosa que desencadeou a promoção do modelo inglês de prática desportiva por todo o mundo, constituído: (1º) Pelo desporto que atraia a juventude; (2º) Pelo cristianismo que lhe dava uma orientação de vida; (3º) Pelo imperialismo que colocava a prática desportiva ao serviço dos desígnios da fé Cristã e do Império Britânico.
Foi este sentimento de transcendência simbolizado pelo Cristianismo Muscular que Coubertin foi buscar às Escolas Públicas inglesas nas suas várias visitas a Inglaterra. E foi, certamente, este sentimento que Pierre de Coubertin transmitiu ao frade Henry Didon quando, a partir de 1890, com ele travou conhecimento do qual resultou uma forte amizade entre ambos. Didon não era um frade qualquer. Era um frade dominicano com uma extensa e profunda obra teórica no domínio do cristianismo. Por isso, não é de estranhar que tenha refletido profundamente sobre a máxima que transmitiu aos seus alunos na distribuição dos prémios no final de uma competição desportiva. Assim sendo, a palavra “altius” no sentido da entrega a Deus certamente que não surgiu por mero acaso em último lugar. Esta é, de resto, a opinião dos diversos investigadores que se têm dedicado ao tema.
CFoubertin, como já referimos, adotou o lema e nos seus discursos respeitou a ordem das palavras até 1900 ano em que Didon faleceu. Posteriormente, começou a utilizar a ordem que hoje é conhecida: “Citius, altius, fortius”. Porquê? Norberto Muller um dos mais conceituados investigadores no domínio do Olimpismo e do pensamento de Pierre de Coubertin, nos comentários que faz à obra de Coubertin, afirma não saber porque é que aconteceu tal mudança. Quanto a nós, e, a partir de agora, entramos no domínio da especulação, Coubertin mudou a ordem das palavras na medida em que a dimensão internacionalista do projeto olímpico a isso o obrigou. Ele desejava uma dimensão transcendental para o Movimento Olímpico, contudo, não era qualquer sentido de transcendência que lhe interessava instituir.
Quer dizer, a Charles Kingsley, a Thmas Hughes e a Henri Didon interessava-lhes uma transcendência religiosa cristã, todavia, a Coubertin, interessava-lhe uma transcendência que não estivesse comprometida com nenhuma religião em especial, quer dizer, uma transcendência laica, temporal na medida em que o que ele desejava era instituir um nova religião, a religião olímpica, à margem de quaisquer outras religiões, condição “sine qua non” para o êxito do processo internacionalista que ele desejava para o Movimento Olímpico. À pergunta, “O que é o Olimpismo?”, em 1918, Coubertin respondeu com a seguinte definição: “É a religião da energia, o cultivo de uma intensa vontade desenvolvido através da prática dos desportos masculinos, com base na higiene adequada e espírito público, rodeado de arte e pensamento...”.
Ele via a competição olímpica como um instrumento de ação ecuménica quando, no livro “Memórias Olímpicas” afirmava o Olimpismo como uma religião que, enquanto superestrutura ideológica, devia representar: (1º) Uma doutrina: os princípios do Olimpismo; (2º) Os dogmas: os valores do Olimpismo; (3º) Um culto: o da competição em busca da excelência; (4º) Uma igreja: o COI, desde 1913 com sede em Lausanne onde se reúne a nomenclatura eclesiástica. Neste sentido, o atleta, antes das performances, dos recordes e das medalhas, devia conhecer-se a si próprio. Nesta perspetiva, Coubertin, em 1923, até fez cunhar numa medalha que designou de “penetração desportiva” a ser distribuída por todo o continente africano. Dizia a medalha numa das suas faces: “Athletae proprium est se ipsum noscere, ducere et vincre”, quer dizer, “é dever e essência do atleta conhecer-se, conduzir-se e superar-se.
Embora o “citius, altius, fortius” tenha, como já referimos, acabado por ser instituído a partir de 1921 ainda ao tempo da liderança de Coubertin, contudo, a sua dimensão transcendental acabou por se perder em virtude do racionalismo utilitarista que passou a envolver o desporto. O culminar do processo aconteceu nos Jogos Olímpicos de Roma (1968) quando, pela primeira vez, a televisão surgiu com uma forte carga comercial. O dinheiro, a partir de então, tomou conta do Movimento Olímpico que, hoje, tal como muitos Comités Olímpicos Nacionais (CONs) se encontra numa situação muito complicada não por ter dinheiro a menos mas, precisamente, por ter dinheiro a mais.
Dinheiro a mais que tem vindo a destruir os seus princípios e os seus valores e a afastá-los de uma verdadeira ética de autenticidade.
Manuel Sérgio, ao avançar para uma Epistemologia da Motricidade Humana tem vindo de há mais de trinta anos a esta parte a chamar a atenção para a necessidade de, em matéria de desporto, se recuperar uma ética de transcendência laica sustentada nos valores da condição humana que, para além da obsessão política pelos recordes e pelas medalhas olímpicas, lhe dê o sentido espiritual a fim de, verdadeiramente, o colocar ao serviço do Homem. Assim sendo, na linha de pensamento de Manuel Sérgio diremos que o Movimento Olímpico do século XXI, para além das medalhas olímpicas e dos rankings dos países ou será ético-espiritual ou não será.
NOTA
Um artigo de Gustavo Pires, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana

segunda-feira, 10 de abril de 2017

DIVERSÃO CONFUNDIDA COM VANDALISMO. QUE FAMÍLIAS E QUE ESCOLA TEMOS!


Os recentes acontecimentos no sul de Espanha, protagonizados por estudantes portugueses em "viagem de finalistas", deixa qualquer pessoa apreensiva. A situação não é nova, repete-se todos os anos com maior ou menor gravidade. Chocou-me ouvir um desses "viajantes" dizer que "é normal" que aconteçam estragos, por isso, existem cauções. É francamente espantoso e preocupante quando um jovem confunde diversão com vandalismo e perturbação dos outros (hóspedes) que têm direito ao descanso. Ora, este quadro, independentemente das posições entre agentes de viagens e responsáveis pelos hotéis, levanta uma questão essencial: que princípios e valores estão a ser transmitidos pelos pais e familiares e o que é que o sistema educativo tem ou deveria ter a ver com a formação básica destas gerações?


Ouvi um senhor, representante da Confederação dos Pais, dizer que a organização das viagens é independente das direcções das escolas. Que não há que confundir as responsabilidades. Esperava ouvir de uma confederação de associações de pais, o pedido de uma séria reflexão sobre as políticas de família, as políticas de transformação de uma mentalidade absolutamente condenável e, por fim, o que é que o sistema educativo pode e deve fazer para que a formação básica não se confine aos conhecimentos dos manuais, mas no plano da estrutura da personalidade, enquanto "modo constante e particular do indivíduo perceber, pensar, sentir e agir" (Simone Reis). Mas não, acabou por ser um mero "advogado de defesa" da instituição escola. Nem em causa colocou, no que escutei, os próprios pais, o ambiente familiar e tudo o que não fazem no sentido de uma liberdade responsável. 
A gravidade das situações, em função das declarações dos hóspedes que lamentaram não pregar o olho até às cinco da manhã, deveria conduzir os responsáveis pelas políticas educativas a um olhar muito felino sobre as razões mais profundas do desenquadramento entre o que a escola transmite e os comportamentos inadequados. O que é que mais portador de futuro, meus senhores: a memorização de conteúdos programáticos para esquecer ou as aprendizagens (reflexão e interiorização) sobre as formas apropriadas ao comportamento civilizado? Ao discutirmos esta simples pergunta, estaremos, com toda a certeza, a discutir currículos, programas, os formatos organizacionais da aprendizagem, os princípios e os valores estruturantes do ser humano, a escola centro de vida, vivência e convivência e até a formação dos professores. Se existem graves desequilíbrios a montante (família), então, uma escola com os olhos colocados no amanhã, tem de renegar a estrutura do passado e apostar na formação humana. Tão simples quanto isto!
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 8 de abril de 2017

"CAMAS DE PEDOPSIQUIATRIA ESTÃO SEMPRE OCUPADAS"


É o título de mais uma importante, porque muito oportuna, entrevista ao Psiquiatra Dr. Ricardo Alves. Clarificou: "(...) É algo preocupante (...) que tem a ver com vários factores. A sociedade quer tudo para ontem. As pessoas não têm tempo para respirar, para falhar, para aprender e lidar com a frustração. A nossa geração aproveitou a adolescência para brincar, para errar, para fazer asneiras e aprender. Hoje não há essa hipótese e ao falharem julgam que já nada faz sentido (...)". Excelente síntese. Palavras do médico, que não não deixou de conseguir o seu objectivo académico e toda a sua formação até à especialidade, tendo desfrutado de tempo para "brincar, errar, fazer asneiras e aprender". Será que ninguém consegue ouvir este especialista, os investigadores, os professores, os psicólogos, os sociólogos ou a mensagem dos grandes pedagogos?


Nos últimos sete anos, segundo os dados recolhidos pelo jornalista Élvio Passos (DN-Madeira) a média de suicídios na Região foi de dois por mês e as tentativas de suicídio de 39 também por mês. São múltiplos os factores que estão nas causas, mas o significado maior, em síntese, parece-me ser este: a sociedade está profundamente doente. E o que é mais preocupante, para além dos graves dramas sociais vividos por toda a Região, é o facto dos jovens estarem a ser vítimas deste colapso social. O drama não é novo. A 22 de Novembro de 2009 escrevi no meu blogue: "(...) Hoje, com grande oportunidade, o DN-M insere um importante trabalho da autoria do Jornalista Ricardo Duarte Freitas sobre as causas do suicídio. A páginas tantas, o juiz do Tribunal de Família e Menores, Dr. Mário Silva, sugere uma reflexão sobre o actual modelo de sociedade que estamos a construir para os jovens. "O suicídio e o parassuicídio (tentativa de suicídio) são problemas que, naturalmente, me preocupam e que me levam a reflectir sobre o modelo de sociedade que estamos a construir, nomeadamente para os nossos jovens, com a busca exaustiva da perfeição aos vários níveis e com expectativas por vezes excessivamente altas". Passados sete anos, questiono, o que mudou perante tão sério alerta? Que medidas estruturantes foram tomadas? O que mudou no sistema educativo no quadro da Autonomia? Que políticas sociais, onde se incluem as políticas de emprego e de família, travaram este tenebroso caminho? Responda quem souber.
O que se constata, cada vez mais, é o aumento de antidepressivos. Desconheço o consumo na Madeira, mas, Portugal no seu todo, no ano passado, o consumo foi de quase oito milhões de embalagens. Significativo! Passámos da "Sociedade da Manufactura para a Sociedade de Mentefactura", na feliz síntese de Luís Cardoso. É verdade que, o que hoje está em causa, não é o músculo mas a cabeça e sobretudo a FACTURA. E as crianças começam, desde muito cedo, embaladas nessa lógica competitiva e suicidária. Pressionadas até ao tutano pelas acéfalas avaliações escolares, por uma abstrusa meritocracia e quadros de honra, por currículos e programas que não respeitam o tempo e a sua cadência. Importante é a medição como se a educação fosse uma corrida. A folha de Exel, meticulosamente criada com percentagens para isto e para aquilo que ditam um nível ou uma nota final, está primeiro que a criança e o verdadeiro conhecimento. Cumprir o manual tornou-se paranóico, quando se sabe que a maioria do que é transmitido e respondido nos testes de avaliação (fundamentalmente no Ensino Básico), é para esquecer ou pouca relevância tem para a vida. O adulto é que manda e com enorme desfaçatez assume que a criança está no centro das preocupações educativas! Não está. A criança está cada vez mais na margem e, portanto, não é estranha uma revolta silenciosa que alguns designam por indisciplina. Dizem: não sabe estar quieta, perturba, fala muito com os outros, faz muitas perguntas, etc., curioso, porém, é que ninguém se questiona sobre as causas, se é no processo que está o erro! Porque há uma diferença muito significativa entre a má educação (cumprimento de regras) e o desajustamento ao processo imposto e que a muitos nada diz. Há tempos o Juiz Conselheiro, hoje jubilado, Laborinho Lúcio, ele que não é docente, mas evidencia uma leitura sistémica do processo, veio transmitir que não tarda o dia que as crianças dirão que têm um adulto dentro de si. E nesta anormal perspectiva do sistema educativo, lamentavelmente, embarcam governantes, professores e muitos pais. Que os governantes não saibam ou não queiram, bom... tolero-os. Já dos professores, não aceito. Eles que às centenas recorrem ao atestado médico por depressão, esgotamento, exaustão emocional, mental e física intensa (síndrome de Burnout - "queima até ao fim" que afecta 30% dos docentes portugueses)eles que sofrem a dureza do trabalho em função do desajustamento dos alunos por causas sociais diversas, sofrem com a violência da escola e na escola, que muitas vezes se sentem sós, perdidos entre a loucura das exigências e a incompetente atitude dos governantes, entendo eu, aos professores deveria competir-lhes a revolta expressa em uma só palavra: CHEGA! Têm preferido o silêncio. A doença ao grito.
Ilustração: Google  Imagens.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

PROFESSORES OIÇAM E REVOLTEM-SE CONTRA O VOSSO SOFRIMENTO

Este vídeo tem origem no Brasil, mas isso pouco importa, pois o que está em causa é o conteúdo. Aplica-se, totalmente, a Portugal, ao nosso sistema educativo e à necessidade de uma profunda reflexão.

 

segunda-feira, 3 de abril de 2017

AGRESSÕES A ÁRBITROS. ESTAVAM À ESPERA DE QUÊ?


Ontem fiquei furioso ao visionar as imagens de mais uma bárbara agressão a um árbitro de futebol. A situação desde há muito que vem em crescendo, desde ameaças até à concretização. Árbitros em risco e famílias, também. Um quadro absolutamente pavoroso e que diz bem da cultura desportiva do nosso povo. Mas, a verdade é que isto era previsível. Tenhamos presente: cerca de 70% da população não tem hábitos culturais de prática física e desportiva; os vários canais de televisão, que enchem o povo de bola, com comentadores que acicatam os ânimos dos mais vulneráveis; dirigentes de  clubes que colocam, intencionalmente, o norte contra o sul e vice-versa; canais que repetem até à exaustão situações que o árbitro teve de decidir em brevíssimos segundos, especulando-as de forma anormal; são os jornais desportivos, diários, que fazem do sensacionalismo o objecto de venda; são as claques que entram nos estádios como gado no curral orientado pelo bastão dos pastores (polícias); é o tresloucado financiamento público à actividade profissional gerador de interesses e de conflitos; é a falência do processo educativo onde o desporto não é entendido como bem cultural para a vida; são os pais e familiares, em encontros de crianças, que manifestam um posicionamento antipedagógico, com berros e incentivos negativos, vomitando para dentro do espaço de jogo tudo o que não tem cunho educativo, enfim, pergunto: estávamos à espera de quê?


Li, do meu grande Amigo Professor Doutor Manuel Sérgio, que o desporto, em qualquer patamar, deveria ser "jogo, humor e festa". Eduquei os meus alunos, os praticantes que tive sob a minha responsabilidade, as minhas filhas e alerto os meus netos nesse sentido. Eduquei para o respeito e que a competição implica estar com e não contra, apesar de tudo ser feito pela vitória, mas no respeito pelas regras do jogo, da sã vivência e convivência. Tenho a consciência tranquila, mas quando assisto e traduzo as consequências do que se passa, diariamente, enquanto espectador, concluo do grande trabalho pedagógico que está por fazer. Vejo-os falar de mais polícia nos espaços de jogo, pelo efeito dissuasor, não oiço o discurso pedagógico, tampouco o discurso que ataque as causas do problema. E as causas estão naquilo que se faz a montante, na Escola formadora e na responsabilidade de quem governa, no sentido de uma nova mentalidade. Seria uma tripla vitória: a vitória quando se joga e ganha, a vitória da saúde e a vitória da cultura. 
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 30 de março de 2017

UMA FRASE


Para reflectir sobre o sistema educativo que temos:


"A educação é uma coisa admirável, mas é bom recordar que nada do que vale a pena saber pode ser ensinado" - Oscar Wilde

terça-feira, 28 de março de 2017

O SILÊNCIO DOS PROFESSORES


Incomoda-me o silêncio dos professores. Não é que tenham de vir para rua agitar bandeiras ou com faixas denunciadoras de insatisfação. Não, de todo que não é isso que me incomoda. Se bem que, às vezes, no limite, tal grito seja necessário. Incomoda-me a existência de silêncios sofredores, de gente que vende o seu conhecimento à hora, que demonstra receio em dizer o que pensa, mas que, no pequeno grupo, nas tertúlias do chazinho, dizem da Escola o que Maomé não disse do toucinho! Tenho encontrado tantos(as) assim, que desabafam, colocam cá fora as suas angústias, os seus sofrimentos, as burocracias sem sentido, os colegas que avaliam o seu trabalho, a má educação de que são vítimas, as violências que vão acontecendo, as baixas médicas por cansaço e depressão, confesso que tenho escutado muitos enervantes silêncios. Questiono-me: porquê? Por medo? Medo de quê e de quem? Medo da perseguição tonta e saloia interna e externa? Medo de serem visados quando cumprem as regras, mesmo aquelas sem sentido? Medo de expressarem uma opinião? Medo por terem de carregar o fardo do dedo acusador de quem se arma em patrão da escola e da coisa pública?


É isto que me incomoda. Incomoda-me a ausência de cidadania, de participação, não no sentido de encontrar tudo errado, porque há muita coisa boa no sistema, mas de ler, de reflectir, de escrever ou apenas de comentar de forma construtiva e independente. É esse silêncio que incomoda, esse silêncio que leva a curvar-se a quem está acima na hierarquia. Como se o sistema fosse um regimento, onde a posição do Coronel não é passível de discussão, ou o que o Capitão diz é vaca sagrada. O sistema não é e não deve assemelhar-se a essa espinha feita de silicone, cujo nariz muitas vezes cola-se ao joelho, tal é a subserviência.
Há  muito que é assim. Um dia estava eu em um congresso de professores. Ouvi um longo discurso do secretário-geral da Fenprof. Um discurso a tocar nas feridas, uma por uma, nas feridas que sangram do sistema educativo. No final, palmas, muitas e intermináveis palmas para o convidado. Depois, foi a vez de um secretário da Educação da Madeira, previamente escrito, e, no final, nova ovação, não me recordo se de pé! Ouvi, vivi a situação e pensei para com os meus botões: há qualquer coisa aqui que não bate certo, quando se aplaudem dois discursos completamente antagónicos naquilo que é essencial e que aos professores diz respeito. Mas é assim, aplaude-se sem reflectir, diz-se amém às decisões sem piar, engole-se em seco sem questionar, engalana-se a escola e veste-se a rigor porque um político vai visitá-la, distribuem-se sorrisos e desta forma eterniza-se a mediocridade e a ausência de visão sobre o futuro. Está na "massa do sangue" o comportamento servil (alguém já falou de "sangue de escravo"), que conduz ao sofrimento interior sem um ai! Porquê?
Para mim que nunca tive qualquer receio de dizer bem alto o que penso, tudo isto é estranho. Cumpri os meus deveres, aqueles que me eram destinados, nunca precisei, à saída de uma porta, de alguns minutos para enrolar o rabo, e dou comigo a reflectir em milhares que têm o mesmo comportamento, não se darem à maçada, se é maçada lutar por um sistema melhor, em levantar a voz dizendo, no mínimo, "que o rei vai nu".
Deixo, aos que por aqui passarem, exemplos. Este blogue, completamente aberto como se pode ler em "As razões e os princípios orientadores", foi criado no dia 19 de Outubro de 2016. Já ultrapassou os cinco meses. É um espaço muito jovem, mas as visitas, até ao momento que escrevo, atingiram 2.278 pessoas, que visualizaram 5.777 páginas. Porém, até agora nunca me chegou um texto para publicação, muito menos um único comentário ao que foi escrito. Significativo o silêncio. E eu apenas tenho a minha verdade. Existem muitas outras. Isto quer dizer que as pessoas passam, são capazes de ler, mas, participar, alto e pare o baile. Ainda mais um exemplo. No Facebook, tenho feito a experiência de colocar um ou outro tema sobre Educação. Às vezes, uma síntese do que pode ser lido neste blogue. No dia seguinte, intencionalmente, coloco uma qualquer fotografia de uma viagem. No primeiro, um texto que deveria manifestar participação, entram quatro, cinco, seis pessoas! No caso da fotografia, são às dezenas. Significativo de que a Educação, deduzo eu, não está, por múltiplas razões, nas prioridades do debate. Noto que importante é uma frase do Dalai Lama, uma conversa de treta que, se for expedida para dez pessoas, um sujeito obtém "uma graça" ou, então, umas coisas de culinária ou de humor. Não digo que as redes sociais devem servir, apenas, para os assuntos importantes. Não é isso. Podem e devem servir para comunicar e como meio de divertimento. Porém, o nosso futuro joga-se na EDUCAÇÃO. E aí, o silêncio incomoda.
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 26 de março de 2017

APENAS UMA REFLEXÃO



Interrogo-me: de que vale a "aprendizagem", eu diria, mais transmissão do que aprendizagem, de tantos conteúdos programáticos, quando se sabe que uma grande parte se destina ao esquecimento? Não servem, sequer, de base para coisa alguma. Pelo contrário, as vivências culturais (e outras), quando devidamente enquadradas e integradas na formação (cada vez mais entendo a aprendizagem através de fenómenos complexos), podem constituir o passaporte para a descoberta, para o interesse determinante na curiosidade e no pensamento conducentes à verdadeira aprendizagem. Por isso vejo, por tantos espaços, jovens acompanhados pelos professores. Por que será?
Ilustração: Arquivo próprio.

quinta-feira, 23 de março de 2017

EM CONTRAMÃO


Um artigo do Dr. FRANCISCO OLIVEIRA, líder do Sindicato de Professores da Madeira, publicado na edição de hoje do DN-Madeira e aqui reproduzido com a devida vénia. 

Só andamos felizes porque optamos por olhar e não ver, ouvir e não entender, tocar e não sentir, revoltarmo-nos e calar, indignarmo-nos e não lutar. Temos razões mais do que suficientes para nos enraivecermos, para gritarmos, para exigirmos, mas preferimos, quase sempre, desabafar, apenas, com os mais próximos, como se eles devessem ser o alvo da nossa indignação. Pode parecer démodé falar assim, mas, não tenhamos ilusões, a nossa qualidade de vida daqui a 1, 2, 5, 10 ou 20 anos será o resultado da nossa luta de hoje, da nossa capacidade reivindicativa para preservarmos os que já foram alcançados no passado ou para conquistarmos novos direitos.


Hoje poderia falar da chegada da primavera, do jogo da selecção portuguesa na Madeira, do polémico batismo do aeroporto da Madeira, das inúmeras candidaturas aos órgãos autárquicos, dos festivais de música e festas que vão sendo anunciados ... Embora todos esses temas estejam na ordem do dia e interessem a um público alargado, do qual faço parte, não irei por aí.
Hoje, apetece-me escrever/refletir em contramão. Não o faço pelo prazer de ser diferente, mas sim pela necessidade que sinto de perceber o que está por debaixo da torrente que nos vai arrastando no nosso dia a dia, levando-nos a quase todos, sem grandes possibilidades de resistência. Inspira-me, ainda, uma música de Zeca Afonso que, a cada passo, desperta no interior da minha cabeça: “A formiga no carreiro / vinha em sentido contrário/ Caiu [...]/ e de cima de uma delas / virou-se para o formigueiro / mudem de rumo / já lá vem outro carreiro”.
Infelizmente, ainda não se vislumbra “outro carreiro”, embora as circunstâncias que vivamos hoje justificassem a existência de muitos “carreiros” em contramão. Não por falta de “formigas em sentido contrário”, que vão alertando para os perigos de continuarmos autómatos que seguem os outros sem reflexão, mas por preferirmos continuar felizes na nossa irreflexão, como se à nossa volta tudo fosse consistente e seguro indefinidamente.
Não, não é assim. Só andamos felizes porque optamos por olhar e não ver, ouvir e não entender, tocar e não sentir, revoltarmo-nos e calar, indignarmo-nos e não lutar. Temos razões mais do que suficientes para nos enraivecermos, para gritarmos, para exigirmos, mas preferimos, quase sempre, desabafar, apenas, com os mais próximos, como se eles devessem ser o alvo da nossa indignação. Pode parecer démodé falar assim, mas, não tenhamos ilusões, a nossa qualidade de vida daqui a 1, 2, 5, 10 ou 20 anos será o resultado da nossa luta de hoje, da nossa capacidade reivindicativa para preservarmos os que já foram alcançados no passado ou para conquistarmos novos direitos.
Temos, pois, todos os que suportamos com estoicismo e esperança de melhores dias os retrocessos dos últimos anos, a responsabilidade e a obrigação de exigirmos o cumprimento das promessas que serviram de fundamentação à aplicação das medidas austeritárias que penalizaram os que não foram responsáveis da situação em que caiu o país.
Este é, por isso, o momento de dizer basta e de exigir que, se mais restrições económico-financeiras forem necessárias, que sejam os culpados a pagar.
É a hora do cumprimento de todas as promessas!
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 22 de março de 2017



Jean William Fritz Piaget (Neuchâtel, 9 de Agosto de 1896 - Genebra, 16 de Setembro de 1980)