segunda-feira, 20 de outubro de 2025

A Escola pública não está à venda nem em saldos!


Na edição de hoje do DN-Madeira, o proprietário do infantário "O Polegarzinho", Dr. José Luís Nunes, também presidente da Assembleia Municipal do Funchal (PSD), a propósito da saída de muitos professores e educadores da esfera privada para o sector público, assumiu: "Não somos nós que vamos ter escolas abertas não rentáveis". Por isso, reivindicou mais apoios. As suas declarações vão todas nesse sentido. Com uma que, por não ser verdade, merece reparo: "Por que é que as educadoras querem ir para o público? Porque "trabalham menos, a responsabilidade é zero, porque não têm um patrão que veja as coisas" (...) o patrão privado "é mais personalizado, é mais responsável, é mais exigente", assumiu. Trata-se de uma avaliação sem qualquer consistência e constitui uma ofensa aos profissionais que trabalham no sector público. Mas, adiante.



Este é um tema velhinho e com barbas! Desta vez, não me lembro antes ter sido tão frontal, descarada, mas também verdadeira, a posição que a aprendizagem é um NEGÓCIO: "Não somos nós que vamos ter escolas abertas não rentáveis". 

Ora bem, tal como há mais de doze anos defendeu a Federação Nacional dos Professores, "a escola pública não está à venda". Acrescento, nem em saldos. E se assim defendo é porque a principal preocupação de um governo, eu diria, decente, é a defesa da escola pública para todos, uma escola de qualidade, respeitadora do sonho, do talento e das assimetrias sociais. 

Nada tenho contra o sector privado, pelo contrário, mas entendo que deve ser supletivo do público, como direito democrático à livre escolha. Mas aí terão de ser os pais a suportarem os encargos no "negócio". Não me parece legítimo é que se retire € 38 000 000,00 (2025/26) da educação pública para entregá-la ao legítimo "negócio" dos privados. Ainda por cima, desrespeitando quem lá trabalha. Francisco Oliveira, coordenador do sindicato dos professores da Madeira, recentemente, tocou na ferida: "(...) Se o que se exige no ensino particular é o cumprimento de programas iguais aos do sector público, então os salários devem ser igualados". Mas, neste aspecto, para o proprietário do "Polegarzinho", os educadores têm patrão, têm responsabilidade máxima, são exigentes e responsáveis e, digo eu, ganham menos. Está tudo certo! É a lógica do "negócio".

Ao contrário do que foi referido, a escola pública não nivela por baixo. Não. Se foi ela que, nos últimos cinquenta anos, teve a grande e meritória função de educar e de preparar estas gerações que, é unânime se dizer, é a geração mais bem preparada de sempre, então, o que está em causa não é destruí-la, mas recompô-la nos aspectos organizacionais (número de alunos por escola e por turma), nos aspectos curriculares, programáticos e de autonomia, no sentido de oferecer, cada vez mais e melhor, uma resposta aos desafios dos novos tempos. A escola pública tem de ser, como sempre o foi, uma referência democrática, de qualidade, de inclusão e de excelência. Em toda a Região e, por extensão, em todo o país. 

Só se justificaria o apoio público ao "negócio" do sector privado, aquando de uma qualquer incapacidade do sector público em oferecer uma resposta cabal à aprendizagem num determinado contexto geográfico e social. Só nessas circunstâncias. Privatizar a Educação, a aprendizagem, NÃO! E parece-me ser esse o desígnio ideológico de quem por aí caminha. Perderá, certamente, o combate e a "guerra".

Deixo aqui as passagens mais relevantes da Constituição da República:

Artigo 74.º
(Ensino)

1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. 
2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: 
a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; 
b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar; (...)

Artigo 75.º
(Ensino público, particular e cooperativo)

1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. 
2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei. (...)

Ilustração: Google Imagens

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Professores portugueses, nº 1 em vários tipos de stress


Por
Andreia Sanches
Público

Caro leitor, cara leitora,

Nem sempre estamos em 1.º lugar nos estudos da OCDE sobre educação, mas no que diz respeito ao stress dos professores, estamos. O TALIS 2024 (Teaching and Learning International Survey) é o maior estudo internacional sobre professores. A última edição foi feita com base em questionários a 280 mil docentes, de 17 mil escolas, de 55 sistemas educativos, incluindo Portugal. Tem a chancela da OCDE.



Uma das perguntas a que procura dar resposta é esta: quais são as principais fontes de stress e mal-estar que estes profissionais identificam no seu trabalho? Ponto prévio: são comuns a muitos sistemas educativos. Mas não atacam com a mesma intensidade.

Em 1.º lugar: excesso de trabalho administrativo. É um mal generalizado, apontado por 79% dos inquiridos portugueses. Em nenhum outro país a percentagem dos que dizem que o trabalho administrativo é algo que provoca "bastante ou muito" stress é tão grande (a média da OCDE é 52%). Entre os professores com mais dez anos de experiência, uns estrondosos 80% elegem a burocracia como uma grande fonte de stress.

Em 2.º lugar: "ser responsabilizado pelo desempenho dos alunos". Na OCDE, “em média, 45% dos professores afirmam que ser responsabilizado pelo desempenho dos seus alunos é uma fonte significativa de stress”. Mas em nenhum outro lugar como em Portugal há tantos professores a acusarem essa pressão: 78%. Em países como a Islândia ou a Finlândia, são menos de um terço.

Em 3.º lugar: excesso de tarefas relacionadas com a avaliação dos alunos, como corrigir testes e preencher grelhas; 77,4% dos portugueses consideram que é uma fonte de stress, contra 43% na OCDE. Portugal está, também neste indicador, em 1.º lugar. Lidar com as preocupações dos pais dos alunos (muitas das quais serão, presumivelmente, relacionadas com o sucesso, ou falta dele, dos filhos) também preocupa bem mais os portugueses, 61%, do que a média. Tendo em conta que avaliar alunos faz parte da missão, é mesmo importante perceber o que se passa em Portugal. Uma explicação possível é que a fonte de stress n.º 1 tenha algo a ver com isto.

Em 4.º lugar: demasiadas lições para preparar. É uma causa de ansiedade significativa para seis em dez (62,8%) professores portugueses (33% é a média da OCDE).

Em 5.º lugar: a indisciplina dos alunos. Para 62,1% dos portugueses (44,7% na OCDE) este é um importante agente perturbador. Não somos o primeiro, mas somos dos países onde os professores mais se queixam de ter nas suas aulas demasiado barulho e desordem.

A OCDE (ver relatório na íntegra aqui) diz sobre esta pequena indisciplina (mas incómoda, como se vê) que ela acontece num "mundo de smartphones", de miúdos desatentos, de populações escolares com origens cada vez mais "diversas", que não falam as línguas nativas, e onde as crianças com necessidades educativas especiais são cada vez em maior número nas salas de aula.

Mas quando olhamos para edições anteriores, como pode ver mais à frente nesta newsletter, a indisciplina já era um problema antes do “mundo dos smartphones” e das vagas migratórias. Dado relevante: muito mais do que os velhos professores, são os mais jovens os que mais se ressentem dela — 73,6% dos que têm cinco ou menos anos de experiência dizem que lhes provoca muito stress. E são precisamente os jovens aqueles que, segundo a OCDE, são mais frequentemente colocados à frente das turmas mais "complexas".

A verdade é que tudo isto acontece num contexto de crise quase generalizada de falta de professores. Os que estão nas escolas estão a reformar-se — Portugal tem a segunda maior taxa de professores do 3.º ciclo com 50 ou mais anos (60%) logo a seguir à Lituânia. E muitos dos que estão a chegar pensam em desistir — 27% dos portugueses com menos de 30 anos que leccionam no 3.º ciclo têm a intenção de deixar o ensino nos próximos cinco anos.

É por isso que o TALIS 2024 é mais importante do que as anteriores edições (a análise é feita desde 2008, a cada cinco anos). Para garantir que há professores suficientes, é essencial que os decisores políticos considerem o que nos dizem as mais de 300 páginas deste relatório sobre o que mais desgasta e afasta quem está na escola, para que actuem em conformidade. A redução da burocracia escolar, que já tantas vezes foi eleita como prioridade, é, como se vê, uma prioridade.

O ministro da Educação fez coincidir a divulgação do TALIS, na terça-feira, com o anúncio de medidas para aumentar significativamente os números da formação de novos professores.

Lembrou ainda a proibição do uso de smartphones nas escolas, uma das novidades deste ano que, está seguro, terá impacto no comportamento dos alunos.

Sublinhou a aposta deste Governo em ter mais técnicos especializados: "Vamos passar a ter um psicólogo por cada 700 alunos, é quase uma duplicação do que tínhamos."

E anunciou uma “reforma do espaço escolar”, ou, se quiserem, uma “reforma dos recreios”. Não deu detalhes. Ficará para depois das eleições autárquicas.

Já agora, sobre “reformas” na educação, o estudo da OCDE também tem um capítulo sobre isso. “Cerca de 44% dos professores da OCDE afirmam que gostariam de ver um período de estabilidade antes da introdução de novas mudanças nas suas escolas”, lê-se. Portugal está abaixo da média, mas ainda assim 37% partilham do mesmo sentimento.

Não são as "reformas" em si, necessariamente, que causam desgaste, continua o documento quando analisa aquilo que designa por “change fatigue”. É o facto de serem “constantes”, de não serem avaliadas e de não serem acompanhadas do "apoio necessário".

As "mudanças" são um factor de stress para 52% dos docentes portugueses, um pouco acima da média da OCDE, que é de 45,1%. Não somos, portanto, dos que mais sofrem de “change fatigue”. E, muito provavelmente, a julgar pelo TALIS, se for para reduzir as tarefas que não as de dar aulas e a indisciplina, os professores até apreciarão mais algumas.

Outras notícias dos últimos dias:


Até para a semana
Andreia Sanchesasanches@publico.pt

Indicador da semana



Fonte: Estudo de Diagnóstico de Necessidades Docentes de 2025 a 2034

É um dos dados que mostra bem o envelhecimento da classe docente: até 2034, apenas 76 mil dos 122 mil professores que hoje dão aulas vão estar no activo. “Mais de um terço dos docentes vai sair do sistema de ensino em dez anos. É um número enorme”, notou Luís Catela Nunes, coordenador do Estudo de Diagnóstico de Necessidades Docentes de 2025 a 2034, onde constam estas projecções.

O documento foi apresentado esta semana e adianta ainda que, dos 38 mil docentes que as escolas vão precisar de recrutar nos próximos dez anos, 21 mil serão do 3.º ciclo e secundário. Estes ciclos de ensino são especialmente afectados pelo "desinvestimento" e desajustamento que tem existido na formação, que tende a estar concentrada no Norte, quando a falta de docentes se sente hoje mais em Lisboa ou no Algarve, notou o ministro da Educação, Fernando Alexandre.

Para reforçar a formação, foram também assinados esta semana contratos-programa com 11 insiutições de ensino superior público, que receberão um financiamento para cobrir os custos com a formação docente.

Um outro aspecto a destacar é o facto de este cenário vir a acontecer num contexto em que a população estudantil também vai diminuir: em dez anos, deverão estar na escola menos 59 alunos. C.F.M.

Público
Com a devida vénia. Obrigado.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Educação como meio de controlo social


Por
Educador e escritor
Publicado em 06/05/2024

Não há apenas "dificuldades de aprendizagem"; há, sobretudo, inconfessáveis "dificuldades de ensinagem"



Caldas da Rainha, 13 de fevereiro de 2044

Nos idos de 20, proliferavam ‘inovações’ na internet. Psicólogos protagonizavam ‘lives’ de autoajuda. Médicos davam formação sobre ‘neuroeducação em sala de aula’. Economistas introduziam o ‘e-learning em sala de aula’. Filósofos discorriam sobre ‘computação ubíqua em sala de aula’. Universitários, que jamais haviam produzido algo inovador, eram pagos para proferir palestras sobre… ‘inovação’. E colaboravam com empresas oportunistas no ‘negócio da China’ dos grandes congressos e cursos online.

Uma crise ética se instalara. E um sindicato atento à voracidade de “grupos abutres de educação a distância” (sic) lançava avisos:

“Em tempos de crise, podem aparecer alguns, tentando se aproveitar do desespero das escolas, para vender. Este é um alerta que nós temos a obrigação de fazer pois essas pessoas usam informações e pesquisas para tentar convencer os mantenedores a comprar seus serviços”.

A educação continuava ainda a ser justificada mais como meio de controlo social do que como instrumento de aperfeiçoamento pessoal. Com efeito, a teoria e a prática educacional tinham transferido a base filosófica da educação do político para o técnico, cuja primazia era entregue à eficácia e ao controlo.

A organização do trabalho escolar continuava centrada em tarefas que tinham uma base de informação igual para todos, o mesmo tipo de meios e técnicas para todos, provas individuais de adaptação ao padrão exigido para o ‘aluno médio’ (padrão de capacidade ao qual se compara cada aluno individualmente).

Um dos maiores óbices à mudança residia no permanente julgamento e classificação do aprendiz, que invalidava qualquer esforço no sentido da autorresponsabilização.

O conceito de ‘classes’ (ou da eufemística designação de ‘ano de escolaridade’) estava associado a uma suposta homogeneidade organizada em sucessivas etapas. Infelizmente, a psicologia, que se alheara de dimensões que estiveram na sua génese como ciência, sancionava ‘cientificamente’ situações em que o aprendiz que, num tempo pré-estabelecido pelo ensinante, não absorvera a parte do programa correspondente, repetisse, desde o início, um mesmo ciclo de estudos.

A insistência na constituição de classes ‘homogêneas tomava por referência o argumento de que seria possível agrupar indivíduos com um nível intelectual comum. Mas, o processo de autoconstrução do conhecimento era inconciliável com a ideia de classe ‘homogênea’.

Muito menos se poderia admitir a manutenção paralela às classes ‘normais’, de grupos ditos ‘especiais’. A inadaptação não era exclusiva do aluno. Ela era, sobretudo, uma inadaptação da escola. Não havia apenas ‘dificuldades de aprendizagem’; havia, sobretudo, inconfessáveis ‘dificuldades de ensinagem’.

Como estava escrito no início do texto do projeto da Ponte, em 1976:
“Nós, professores, deveremos ter mais dúvidas do que certezas”.

Entre os ensinantes ainda existia uma forte tendência para considerar os aprendentes como entidades fechadas sobre as quais se pode agir exteriormente e não como ‘sistemas auto-organizados’ que promovem o seu ‘fecho’, num ‘fenômeno de auto-eco-organização extraordinariamente complexo que produz autonomia’.

Era, mais uma vez, o mestre Morin a questionar a eficácia e eficiência dos adeptos da ‘programação’ refletida na produção dos ‘bons alunos’ desprovidos de iniciativa. Impedia-se o jogo dos opostos, em que se temperavam dependências e autonomias não-programáveis. Afinal, o que conferia dignidade ao ato educativo?

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

A Voz dos Professores - Motivações, Desafios e Barreiras ao Desenvolvimento da Carreira



O Estudo “A Voz dos Professores: Motivações, Desafios e Barreiras ao Desenvolvimento da Carreira”, promovido pela Fundação Pedro Queirós Pereira em parceria com o Centro de Economia da Educação da Nova SBE e com a Universidade do Minho, tem em como objetivo contribuir para a valorização e para o futuro desta profissão no nosso país.



Reconhecimento e Motivação


– Os professores identificam os alunos como a principal fonte de valorização. Mas existe uma perceção generalizada de menor valorização social, o que afeta negativamente a atratividade da profissão.

– A maioria dos professores sente-se motivada com a sua atividade profissional. No entanto, cerca de 20% considera ou pondera abandonar a carreira nos próximos anos. Entre os docentes com menos de 30 anos, esta percentagem sobe para 54%. A retenção dos docentes em início de carreira deve, por isso, ser uma prioridade, através de estratégias de acolhimento e da promoção de ambientes escolares estimulantes.

– A mobilidade é também um fator relevante: cerca de 25% dos professores desejam mudar de escola ou de concelho, sobretudo entre os mais jovens e aqueles sem vínculo permanente.

– Verifica-se ainda uma tendência de transição de professores do setor privado para o público, que pode contribuir para mitigar a escassez nas escolas públicas, embora levante desafios à capacidade de atração de novos profissionais por parte do ensino privado.

– Na fase final da carreira, 73% dos docentes com 60 anos ou mais planeiam reformar-se assim que possível. No entanto, 85% desses docentes admitem prolongar a atividade profissional, caso se verifiquem melhorias nas condições de trabalho, como a redução da carga administrativa ou letiva. Entre os que pretendem continuar a trabalhar após a idade da reforma, 77% apontam o gosto pela profissão como principal motivo, seguido de razões financeiras por 37%.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

No dia da tomada de posse da nova Secretária Regional da Educação

 

Presumo ser conhecido o meu posicionamento sobre o Sistema Educativo. Há muitos anos que escrevo e publico. Ora, entendo que a Região Autónoma da Madeira, também há muito, perde tempo, mata talentos e bloqueia sonhos. E a Madeira podia ser um espaço territorial de referência face ao reduzido número de alunos (cerca de 38 000). Não é. Mas que fique claro que apenas tenho uma opinião e que respeito muitas outras. Só o debate é que pode ser clarificador e definidor de um caminho. O que me faz ter uma leitura dissonante sobre este sistema, são os resultados que, sistematicamente, são do conhecimento público através de estudos realizados. O que me move são os investigadores, pensadores e autores que leio ou ouço. São esses, no confronto entre o paleio político-partidário e o conhecimento científico que me fazem ter uma opinião.



A Região tem uma nova secretária para os assuntos da Educação. Sem qualquer outro fim que não o de contribuir para a reflexão e saber ao que vem, sinceramente, gostaria que a novel secretária respondesse, apenas para si própria, às 60 questões que aqui deixo, entre tantas outras que podia elencar, onde excluo, intencionalmente, as da esfera meramente administrativa e sindical. Esses são outros âmbitos que, por agora, não me interessa intervir.

Aqui ficam as 60 perguntas para reflexão, ao correr do pensamento, portanto, sem qualquer ordem sequencial:

01. Qual a sua posição de princípio: “Os alunos são máquinas de habilidades” – Gary Becker, Nobel da Economia - ou o aluno não é, desde logo, uma mercadoria económica?

02. Para si a educação é uma corrida ou um projecto de vida?

03. Aceita (e como) debater, com responsabilidade e profundidade, a autonomia da política educativa das regiões e dos estabelecimentos, em sede de revisão constitucional? (Artigos 164º e 165º da Constituição – Reserva de competência legislativa absoluta da República e Reserva de competência legislativa relativa, respectivamente)

04. Onde se situa: há professores a menos ou sistema educativo a mais?

05. O que pretende fazer face a resultados que salientam que apenas cerca de 14% das raparigas e 11% dos rapazes afirmam gostar da escola (Estudo internacional de 2016 – Margarida Gaspar de Matos/FMH – Educare.pt;

06. Qual a sua leitura resultante do facto de 70% dos professores estarem em exaustão emocional (na Madeira, 75%); 22.000 tomarem medicação a mais e 84% desejar reformar-se? (Estudo sociológico da Doutora Raquel Varela)?

07. Que leitura faz do facto da população portuguesa, entre os 25 e os 64 anos, cinquenta anos depois de Abril, não possuir o ensino secundário; 38% concluíram apenas o 9.º ano ou abaixo, quando a média da OCDE é de 19% (...)"?

08. Que leitura faz do facto de 40% dos adultos só conseguirem compreender textos muito simples e resolver aritmética básica no seu dia-a-dia?

09. O que pensa de apenas 23% dos jovens entre os 25 e os 34 anos, cujos pais não têm o ensino secundário, conseguirem concluir o ensino superior, ao passo que essa proporção ascende aos 73% no caso dos jovens cujos pais têm formação superior?

10. Que causas considera para que 41% dos jovens diplomados revelarem ter apenas competências para ler textos simples e fazer interpretações básicas? (De 5 a 7, fonte OCDE)

11. Como pretende resolver o facto de 25% dos alunos do 5º ao 12º ano apresentarem, no quadro organizacional deste sistema, um significativo mal-estar psicológico?

12. Como resolverá a situação de mais de 6 000 jovens que não estudam nem trabalham?

13. Como pretende actuar perante um quadro onde se “ensina para o teste, aprende-se para o teste, vive-se para o teste. E, depois, lamenta-se que os alunos não tenham criatividade, pensamento crítico ou paixão pelo saber"? – Rita Bonança, Doutorada em Educação.

14. Qual a sua posição relativamente a um sistema que atribua ampla autonomia aos estabelecimentos de aprendizagem (não autonomia mitigada ou faz-de-conta) capaz de diferenciar estabelecimentos na sua organização interna, ambiente curricular, programático e pedagógico?

15. Que mudanças irá operar para que se altere o facto de, em média, no quadro deste sistema, 90% do que, pressupostamente, um aluno aprende numa aula, esqueça em cerca de 30 dias? – estudo do Professor César Bona.

16. Qual a sua perspectiva de uma escola que não mate o talento e o sonho que cada jovem transporta?

17. Onde se situa: a função do professor é a de dar respostas prontas, seguindo os manuais, isto é, ditar pensamento ou, por outro lado, ensinar a pensar, provocar a inteligência, o espanto e a curiosidade? – Síntese entre Carbonell (Pedagogias do Século XXI) e Rubem Alves.

18. Qual a sua posição estrutural na conjugação curricular, programática e pedagógica: “Uma cabeça bem feita vale mais que uma cabeça cheia” - Filósofo Michel de Montaigne (1533/1592).

19. Que posição assume perante esta investigação: "(...) O sistema actual, baseado no desempenho em testes e exames pode prejudicar muito a formação de grandes pensadores (…) Este ensino promove um verdadeiro extermínio de grandes mentes (…) – Deborah Stipeck, estudo ao longo de 35 anos, publicado na revista Sciense.

20. Para si é verdade ou não que "A escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito"? – síntese do Catedrático Joaquim Azevedo – Universidade Católica.

21. Entende que é preciso educar os educadores? – Segundo Edgar Morin.

22. Admite ou não, tendo presente os resultados, que o actual sistema educativo é, hoje, tendencialmente, um factor de exclusão social, não de inclusão?

23. Considera ser ou não verdade o que os alunos dizem: "O sistema olha-nos como um recipiente onde se introduz conhecimento (...) as pessoas ali não pensam, as pessoas ali decoram (...) estamos a estudar para ranking's não para o conhecimento (...)"?

24. Para si, o actual sistema é castrador do pensamento?

25. Considera ou não que, hoje, desde as primeiras idades, as crianças e jovens não são vistos como "sujeitos" da aprendizagem, mas "objectos" do sistema?

26. Qual é a sua posição de princípio: as crianças devem agir como parte do rebanho ou começarem a pensar pelas suas próprias cabeças?

27. Qual a sua opinião sobre a Escola a Tempo Inteiro. Ela é ou não, por extensão, indutora de pais a meio tempo?

28. Sim ou não: a Escola a Tempo Inteiro constitui um óptimo contributo para a desregulação dos horários de trabalho dos pais.

29. Concorda ou não com a posição do Psicólogo Eduardo Sá: retirámos as crianças do trabalho para lhes devolver a infância, depois empanturrámo-las com escola.

30. O que pensa fazer para que o tempo de infância seja respeitado?

31. Na sua opinião há ou não que reorganizar a sociedade em todos os sectores, áreas e domínios em parceria com todos os outros sectores da governação?

32. Aceita abrir ao debate público todo o sistema, envolvendo professores, pais, alunos, empresas e instituições?

33. Aceita debater a família, as suas dinâmicas, as questões sociais e a organização do trabalho?

34. Como irá combater o desinteresse das famílias pela Educação?

35. Aceita debater os currículos, programas, horários e as centenas de metas curriculares inúteis?

36. Aceita debater novos conceitos de aula, de turma, de sala de aula, os tpc, as avaliações e aferições?

37. Qual é para si o tempo suficiente de permanência no espaço escolar, quando, por exemplo, as crianças finlandesas passam, na escola, cerca de 40% menos tempo do que as portuguesas e, no entanto, conseguem melhores resultados?

38. Aceita debater a burocracia que enferma todo o sistema?

39. Aceita debater a rede escolar?

40. Aceita debater a ultrapassada arquitectura dos espaços escolares?

41. Aceita ou não que, na aprendizagem básica, seja eliminado o pensamento fragmentado (as disciplinas do currículo) porque “(…) As redes neuronais funcionam com a associação de ideias, não com temas estanques (...) – Salman Khan.

42. Aceita ou não debater os actuais ciclos de aprendizagem em contraponto com doze anos de escolaridade contínuos (sem ciclos)?

43. É a favor ou contra a ideia de testes e exames na aprendizagem básica?

44. Qual o seu conceito de avaliação: de pendor formativo ou classificativo?

45. Qual a sua posição sobre os “ranking’s” dos estabelecimentos de aprendizagem?

46. Considera ou não que os testes PISA (entre outros) são um "concurso de beleza da pedagogia"? - Pablo Gentili, Doutor em Educação.

47. Tenciona ou não acabar, na aprendizagem básica, com os designados TPC, porque, entre outros factores, são desestabilizadores da vida familiar?

48. Tenciona ou não acabar com a designação de "Director de Turma", substituindo-a pelo "Director do Aluno"?

49. Considera ou não que há que recuperar a dimensão política da Educação e não partidária da Educação?

50. No quadro de uma Região Autónoma e face às dificuldades financeiras das famílias, qual a sua posição (e solução) relativamente às propinas no Superior?

51. Qual a sua posição sobre o investimento público e constitucional na Educação face ao financiamento da aprendizagem privada (38 milhões/ano)?

52. A Escola deve ou não ser vista pelo ângulo da cultura?

53. Qual a sua posição sobre a predominância da literatura e das artes no processo educativo?

54. É a favor ou não, no decorrer do processo de aprendizagem, atribuir prémios, inclusive, pecuniários, àquilo que designam por meritocracia?

55. Entende ou não que as direcções dos estabelecimentos de aprendizagem, entre outros níveis de intervenção, devem assumir uma rigorosa limitação de mandatos?

56. Qual a sua posição entre manuais em papel e digitais?

57. Qual a sua posição sobre as limitadas “salas de aula do futuro”?

58. Como se posiciona e o que deve fazer perante esta preocupação de Ken Robinson (já falecido): "Como escapar a Educação do vale da morte"?

59. É defensora ou não de uma Educação Desportiva, sem avaliação, em contraponto à Educação Física? – Segundo o Eurobarometer 2022 - página 10: "78% dos portugueses (inclui as regiões) diz que raramente ou nunca pratica qualquer atividade física ou desportiva. Apenas 18% manifesta alguma regularidade e 4% regularmente".

60. Finalmente, tenciona, num gesto de humildade e de pacificação, como governante, apresentar públicas desculpas aos professores vítimas, nos últimos anos, de perseguição, de forma subtil ou descarada (não por infracções graves), sobretudo àqueles que lutaram por uma escola de sucesso?

Ilustração: Google Imagens

sábado, 13 de setembro de 2025

De mal a pior


O relatório Education at a Glance 2025 é muito claro sobre a falência do actual sistema educativo nacional. 1. "Somos o país, entre os outros membros da União Europeia que participaram neste estudo da OCDE, onde é maior o peso da população adulta entre os 25 e os 64 anos que não tem o ensino secundário: 38% concluíram apenas o 9.º ano ou abaixo. A média da OCDE é de 19% (...)". A jornalista Cristiana Faria Moreira (Expresso) sintetizou e bem: 




"Um país desigual na Educação e na qualidade do que se aprende".


Reparem no dramatismo destas percentagens enaltecidas no seu texto:

2. 40% dos adultos só conseguem compreender textos muito simples e resolver aritmética básica no seu dia-a-dia.

3. Apenas 23% dos jovens entre os 25 e os 34 anos, cujos pais não têm o ensino secundário, conseguiram concluir o ensino superior, ao passo que essa proporção ascende aos 73% no caso dos jovens cujos pais têm formação superior.

4. 41% dos jovens diplomados revelaram ter apenas competências para ler textos simples e fazer interpretações básicas.

5. Em Portugal, numa década, o recurso aos chamados docentes com habilitação própria — que têm a formação científica, mas não a pedagógica e didáctica —, quadruplicou: há uma década representavam 1,6% do corpo docente das escolas públicas; em 2022/23 essa percentagem passou para os 6,5%.


BREVE 
COMENTÁRIO


De relatório em relatório a situação é muito clara: o sistema bateu no fundo. E não há coragem para assumir que o caminho terá de ser outro, obviamente. Continuamos a funcionar com as lógicas do passado, com alguns traços pontuais de uma ilusória inovação, com muita propaganda, muito auto-elogio, muito jogo de empurra para as responsabilidades de outros, não se atacam os problemas estruturais a montante da escola, nas famílias e nas várias pobrezas que evidenciam gritantes assimetrias, tampouco aquilo que seria mais fácil, o pensamento acerca do que deve ser uma aprendizagem consistente, partindo do pressuposto que há uma substancial diferença entre estudar por obrigação e gostar de aprender. Continuam a alimentar um sistema mais preocupado com a densa e infernizante estrutura burocrática do que com os pressupostos do que deve ser a escola, hoje, enquanto espaço de desenvolvimento pessoal, social e profissional, que está muito para além do mundo tecnológico. O sistema sobrevive, portanto, distante de uma intervenção lúcida, construtiva, criadora e corajosa. O sistema está refém da teia administrativa e do centralismo político-partidário, pelo que não aposta no conhecimento, nas mudanças comportamentais: por um lado, junto dos professores, oferecendo-lhes o impulso para intervir e agir por dentro e, por outro, junto dos alunos, levando-os a gerar a curiosidade, base do conhecimento.

Ministros e secretários continuam a passar ao lado das grandes questões a montante (sociedade) e a jusante (escola). Por ignorância, não creio! Porque interessa, talvez. E a dicotomia é esta: ou alimentam o colapso ou apostam na renovação. À luz dos dados, uma vez mais apurados pela OCDE, o futuro da educação é mais realidade a construir do que a temer. Só que demonstram que temem e não querem. Deambulam entre papéis, circulares e normativos. Apontam o dedo para a escola, mas, parafraseando, só vêm a ponta do dedo. Uma lástima!

Falta-lhes conhecimento, ânimo e curiosidade para perceber as fragilidades globais de todo o sistema. Sabem que estão a prazo e só mexem as palhas que se juntam nas bordas! E, assim, desmotivam a comunidade educativa através de uma concepção tecnocrática da escola, sobrecarregam currículos, distanciam-se de uma cultura democrática, privilegiam as medidas economicistas e tudo isto gera e explica a incompreensão sobre a finalidade última da escola.

A "bomba" há muito rebentou nos professores, cansados e desmotivados (o mais fácil foi a recuperação administrativa do tempo de serviço) e nos alunos que consideram, genericamente, que a escola não constitui um espaço determinante na aprendizagem. Há outros formatos que proporcionam conhecimento e felicidade.

Ilustração: Expresso.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Andam a brincar com o Sistema Educativo

 

Disse o presidente do governo regional da Madeira: "Eu não tenho secretários técnicos. Só tenho secretários políticos. A função de um governo é ser político e não técnico". Uma opção muito discutível, digo eu, porque tem muito que se lhe diga. Mais acertado seria, porventura, uma conjugação entre um substancial conhecimento técnico de um qualquer sector e a atitude política para a sua consecução. 



Mas faço um esforço de compreensão no enquadramento das palavras ditas. E, por aí, à luz da práxis governativa, desde sempre que se assiste a uma intencional mistura confusa entre a atitude política e a partidária. O que me leva a dizer que ele, o que de facto quis dizer, é que só tem habilidosos secretários partidários. 

Ora, quando as convicções partidárias constituem uma primeira intenção, obviamente, heterónomas, porque sujeitas à vontade de uma pessoa ou grupo liderante, o exercício da verdadeira política torna-se, claramente, secundarizada. Prevalecem, então, as razões e relações de poder, a vontade de uns quantos e jamais aquilo que um dado sector ou área de actividade política exige.

Sendo este o tradicional enquadramento, sublinho, sempre de intenção mais partidária do que política e técnico-científica, com isso sofre, naturalmente, a competência e, por extensão, qualquer perspectiva de resposta consistente às exigências que o conhecimento científico vai produzindo. E assim se mantém o passado, a lógica da continuidade, onde se ouvem considerações ao "trabalho excelente, feito na Educação, na Madeira (...)" (!), onde se repetem as experiências vividas assentes em convicções de natureza pessoal, os achismos conjugados com a partidarite, esse vírus muito perigoso para a democracia e para o desenvolvimento. De caminho, porque faz parte do processo redutor, vão ensaiando, aqui e ali, simulacros de uma putativa inovação, quando lá no âmago, naquilo que é estrutural, tudo permanece ao ritmo do relógio partidário, aproveitando, até, o estado de coma social que também não ajuda às necessárias e urgentes mudanças de paradigma.

Aliás, é-me difícil aceitar, muito menos compreender, que uma qualquer liderança política de um sector não demonstre, ao longo da sua vida, capacidade testemunhada através de documentos, ensaios, intervenções públicas, reflexões de questionamento, no fundo, o que sabem e, sobretudo, o que pensam relativamente à responsabilidade política na condução de um sector, área ou domínio da governação. Fica-me a ideia que são repescados entre quem está a seguir no interesse partidário. O princípio da selecção que devia assentar no conhecimento técnico, científico e no pensamento estrutural, base fundamental para a mudança, acaba por fechar-se, mor das vezes, na redoma da fidelidade partidária. Nem necessário se torna que façam um esforço, através do estudo, mínimo que seja, para perceber e responder, publicamente, às três perguntas essenciais sobre a complexidade do sistema: onde estou, onde quero chegar e que passos diferenciadores tenho de dar para lá chegar. E tudo isto, infelizmente, a prazo, acaba por acarretar custos para a sociedade. 

Ter uma formação académica não chega. Constitui, sim, um pressuposto de relevante importância, porém, o que está em causa é o que se pode fazer com essa formação. No quadro empresarial, por exemplo, perante um "curriculum", o empregador, mais do que notas ou de altas qualificações académicas, tende a perguntar: o que sabe fazer? Que ideia transporta ou o move? Ou, então, de que modo acredita poder fazer crescer a empresa? Nos governos as questões deviam ser idênticas. Mas não, aceita-se o lugarzinho com naturalidade, mesmo não conhecendo a complexidade do sistema que, obviamente, é muitíssimo mais labiríntico do que conhecer, profunda e exemplarmente, uma dada especialidade no quadro de uma específica carreira profissional. E, como convém na liturgia partidária, o primeiro passo, é elogiar o antecessor quando, pelo contrário, no caso em apreço, nada há para elogiar. Pelo contrário, foram anos perdidos. Tenha-se em atenção o que dizem tantos investigadores, pensadores e autores. Não são, pois, de estranhar as declarações ocas porque não se assevera, desde o primeiro momento, onde se quer chegar e através de que medidas! Como professor que fui é mais uma desilusão, não em função da estrutura do meu pensamento relativamente à escola e a uma aprendizagem portadora de futuro, porque existem outras verdades, mas pela ausência de uma ideia pública divulgada de forma consistente ao longo do tempo. Seja ela qual for, mas que, no mínimo, possa gerar o benefício da dúvida. 

A propósito, o ainda secretário da Educação disse para aí que "Deus não escolhe os capacitados. Deus capacita os escolhidos". Ri, naturalmente. Porque no seu caso, há dez anos, naquela declaração não bíblica, Deus não capacitou o escolhido e nada teve a ver com a escolha do dito capacitado. Foi uma escolha no quadro "yes-men" partidário, que não questiona, não reflecte, que segue a "moral de rebanho" de Friedrich Nietzsche, portanto, sem autenticidade e sem capacidade para inovar e de criar com responsabilidade e rigor. E assim se passaram dez longos e penosos anos. Os "almoços de despedida", choramingões e de aplausos (que cena fabricada tão ridícula), fizeram-me trazer ao pensamento um poema atribuído a Santo Agostinho (não existem evidências), talvez a Henry Scott Holland, um teólogo anglicano do século XIX: A Morte não é nada: "Eu não estou longe / apenas estou no outro lado do caminho...". De facto, qual metáfora, a autarquia do Funchal fica ali a 400 metros... 

Andam a brincar com o Sistema Educativo, como crianças no recreio. 

Ilustração: Google Imagens

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Professores a menos ou Sistema Educativo a mais?




A duas semanas do arranque do ano lectivo, há ainda "cerca de três mil horários por preencher", revelou o ministro Fernando Alexandre, no final de uma reunião com os sindicatos.

Parafraseando o que foi dito num outro contexto, pergunto, se temos professores a menos ou sistema educativo a mais?

Progressiva mas radicalmente, se estudarem e modificarem  o sistema educativo, com a coragem necessária para mudar, substancialmente, os currículos, os programas, a burocracia, a tipologia das instalações, a organização escolar, os conceitos de turma, de aula e de aprendizagem consistente e portadora de futuro, enfim, se derem passos no sentido de uma escola apostada no conhecimento e não no papaguear para os testes e exames, porventura chegarão à conclusão que não temos professores a menos.

Portanto, quem repete o passado está condenado a obter no futuro os mesmos resultados de ontem. Todos os anos a ladainha continuará a ser cantada. Porque, o problema, disse-o Abraham Maslow: "Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego".

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Repensando a Educação no Século XXI

 

"A sociedade atual caracteriza-se pela aceleração das tecnologias digitais e pela omnipresença dos meios de comunicação, levando Sartori (2012) a designar este fenómeno como "sociedade teledirigida". Nesse contexto, a formação humana corre o risco de se reduzir à passividade do homo videns, um ser que consome imagens e informações fragmentadas de forma superficial, sem reflexão crítica.



O homo sapiens, herdeiro da cultura escrita, está a ser progressivamente substituído pelo homo videns, onde a imagem predomina, muitas vezes em detrimento da compreensão profunda. A Escola, enquanto espaço essencial de formação, enfrenta o desafio de contrariar este movimento, promovendo não apenas o pensamento crítico, mas também a construção do homo sapiens convinvens, um ser humano que se baseia na solidariedade, na ética e na dignidade, valores fundamentais para a criação de uma sociedade convivencial (Madureira, Viché e Henaiz, 2024). Este movimento representa um desafio civilizacional, ao colocar em risco a capacidade crítica e reflexiva necessária para a construção de sociedades pacíficas, mais justas e democráticas.


Neste sentido a escola enfrenta cada vez mais desafios que vão para além da mera transmissão de conteúdos (...). Há que desenvolver nos alunos uma literacia digital crítica que transcende o uso técnico da tecnologia. Num ambiente saturado de estímulos audiovisuais e informações instantâneas, torna-se essencial sensibilizar os alunos para combater o pensamento superficial e a passividade gerados pelo consumo digital, incentivando práticas de aprendizagem ativa, dialógica, crítica e reflexiva. 

Como educadores e professores assumimos, assim, a responsabilidade de formar cidadãos autónomos, capazes de dialogar, respeitar a diversidade e agir com ética, filtrando e transformando conteúdos em conhecimento significativo (...)".



NOTA

Artigo da autoria de Cristiana Pizarro Madureira, publicado na Revista A Página da Educação, número 225, edição Verão de 2025. É Doutorada em Educação, Mestre em Sociologia da Educação e Políticas Educativas e Licenciada em Educação. É investigadora integrada no Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, da Universidade do Porto. 

sábado, 9 de agosto de 2025

Nota máxima… a que preço?


Por
Afonso Brazão
Académica da Madeira

Vivemos numa sociedade em que a excelência é medida em números. Quanto maior a nota, maior é a expectativa. Será, porém, que esta “equação” é assim tão simples?



Muitas vezes nós, estudantes, dizemos que nos fartámos de estudar para obter um certo resultado numa determinada avaliação. Que tivemos de priorizar o tempo de estudo sobre outras coisas que, muito provavelmente preferiríamos ter feito. Tomamos estas escolhas para que possamos alcançar a desejada “nota máxima”. Contudo, até que ponto ter nota máxima num exame implica a nossa exigência máxima?

Um primeiro aspeto importante a salientar é a pressão pela classificação máxima. É inegável tratar-se de um fator benéfico ao estudo, por nos manter focados. Todavia, essa pressão também influencia vários aspetos menos positivos ao nível do ambiente educativo. Gera-se uma cultura de competição por médias altas e de comparação entre os colegas. Esta pode chegar a um ponto não saudável em que o próprio estudante começa a sentir-se insuficiente e impotente, e, por isso, trabalha em dobro. Há uma pressão social que nos obriga a sermos os melhores para não colocar em risco um plano predestinado para o nosso sucesso profissional. Ela pode resultar num esgotamento mental e físico que não afeta apenas o desempenho escolar, como tudo o resto no seu quotidiano.

Tirar 20 valores não significa dominar tudo. Há sempre algo que nos escapa por maiores “génios” que sejamos. Além disso, é possível que sejamos bons na teoria, mas se na prática não soubermos aplicar os conhecimentos conceituais que adquirimos, de que é que nos serve sabê-los de cor? A realidade é que a aprendizagem vai além do número.


O impacto desta exigência desmedida na saúde mental é um problema que afeta uma grande quantidade de estudantes. A ansiedade, o burnout e o medo de falhar são os principais resultados de toda esta demanda académica, muitas vezes descartados e ignorados. A pressão para se ser perfeito resulta num estado de ansiedade, que afeta não só o foco mas também o bem-estar geral. Além disso, o próprio medo constante de falhar pode servir como uma fonte contínua de stress que, por sua vez, implica maiores níveis de ansiedade. Já o burnout, um esgotamento físico e emocional do estudante, resultante da sobrecarga de esforço e de expectativas utópicas, leva a que o próprio jovem perca a motivação e a energia para aprender de modo consciente.

É fulcral estabelecermos um equilíbrio. A dedicação é bastante importante, mas sem descanso não vale de nada. Há que aprender com os erros e com a experiência e não nos devemos condenar por isso. Todo o esforço é importante e todo o tempo de estudo é fundamental, mas temos de zelar pelo nosso bem-estar acima de tudo. O corpo e a mente precisam de recarregar energias para que possam trabalhar a 100%. 

Não é passar o dia inteiro com os olhos colados ao ecrã ou ao livro que nos vai ajudar, temos que estudar, isso é óbvio, mas o segredo é não fazer disso a nossa vida até à data da avaliação, é preciso continuar a fazer aquilo de que gostamos e que nos traz lazer e paz pois são esses momentos que posteriormente ajudam-nos a estar mais focados e aptos para tirar melhores resultados.


Assim, a pergunta mantém-se: nota máxima, exigência máxima? A resposta é não. A excelência académica deve servir de gatilho para novas aprendizagens, não como uma prisão sufocante. Temos de encarar a aprendizagem como um processo, não um número.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Secretaria de Educação: A Farsa dos Cem por Cento.


Por
Nuno Morna
agosto 06, 2025

Quando a propaganda educativa atinge os níveis de Saddam e o fracasso se mascara com tablets



É evidente que só uma criatura moldada no barro mole dos gabinetes governamentais, onde se respira o ar parado dos corredores sem livros e o cheiro a tonner barato, poderia olhar para aqueles quadros com percentagens a escorrer perfeição e declarar, com a solenidade dos que confundem propaganda com pedagogia, que a transição digital melhorou os resultados dos exames nacionais. Melhorou, dizem eles. Como se o sucesso brotasse do toque de um ecrã, como se o conhecimento viesse embutido no alumínio do tablet, como se o raciocínio lógico, a capacidade de interpretação, o espírito crítico se pudessem instalar por bluetooth. Melhorou, e pronto. Não se discute. Não se pensa. Publica-se. Com fotografia, citações emolduradas e aquela euforia de fim-de-semana prolongado nos serviços centrais da Secretaria.

A verdade, claro, está ali diante dos olhos, como uma piada triste mal contada. Cem por cento. Noventa e nove vírgula qualquer coisa. Aprovações em bloco, uma muralha de êxito, um desfile de notas positivas como se de repente tivéssemos entrado num regime de milagre pedagógico. E o mais absurdo é que ninguém se espanta. Ninguém estranha que os resultados de Filosofia, Biologia, Economia ou Física se pareçam mais com os resultados eleitorais de Saddam Hussein do que com a distribuição normal de uma população estudantil minimamente heterogénea. Cem por cento, meu Deus. Cem por cento como nas ditaduras de opereta, onde os mortos votam e os vivos não se atrevem a não aplaudir. Cem por cento como se errar tivesse sido abolido por decreto. Como se a dúvida, a falha, a dificuldade fossem agora fenómenos arqueológicos.

E no centro deste teatro, o senhor Secretário da Educação, que de tão repetidamente entusiasmado com os milagres estatísticos que ele próprio promove, começa perigosamente a parecer-se com Mohammed Saeed al-Sahhaf, o tristemente célebre ministro da propaganda de Saddam, aquele que garantia que o exército americano estava a ser esmagado mesmo enquanto os tanques passavam por trás dele. Aqui, o inimigo é outro: é a realidade, que teima em não coincidir com os gráficos; é a evidência, que insiste em contradizer os discursos; é o estado miserável da literacia funcional que resiste à cosmética das manchetes. Mas como al-Sahhaf, o Secretário prossegue, impávido, a declarar vitórias em todas as frentes, entre colunas de fumo e escombros pedagógicos, como se bastasse dizer que tudo está bem para que tudo estivesse mesmo bem. O ridículo, porém, é que há quem aplauda. E a ignorância oficial tornou-se contagiante.

O problema não está no sucesso. O problema está no exagero. No excesso. Na farsa. Estes resultados não revelam progresso, revelam encenação e encenação terceiro-mundista. E por trás da encenação, o velho vazio de sempre: exames sem rigor, critérios de correcção diluídos, ensino orientado para a repetição automática, para o reconhecimento de padrões, para o papaguear manso que não incomoda. Nenhuma destas notas mede a verdadeira compreensão. Nenhuma destas percentagens diz alguma coisa sobre o futuro. O que estas notas medem é a eficácia do disfarce. E é nisso que nos tornámos: especialistas em disfarces. Em fingir que somos bons. Em montar o espectáculo da excelência sobre os escombros da exigência.


Para que se perceba melhor: é como se o Governo Regional tivesse montado um cenário de teatro em ruínas, mas com cortinas novas. Lá dentro, a estrutura apodrece, os alicerces estão podres, os actores esquecem o texto. Mas como cá fora há luzes bonitas, cartazes reluzentes e comunicados de imprensa escritos por gente que já não distingue uma sala de aula de uma sala de reuniões, toda a gente bate palmas. Só que depois os miúdos saem dali e não sabem preencher um formulário, interpretar uma notícia, escrever uma carta de motivação. E quando chegam à universidade, para os que chegam, os professores têm de reaprender-lhes o básico: como pensar, como escrever, como raciocinar. A verdade é esta: estamos a aprovar por decreto. Estamos a fabricar notas como se fossem senhas de talho. E os alunos, os nossos filhos, os nossos sobrinhos, vão pagar por isso.

Não se trata aqui de um erro de avaliação. Trata-se de uma perversão do princípio educativo. O ensino foi tomado por políticos que precisam de números, não de alunos. De quadros estatísticos, não de pessoas. A introdução dos manuais digitais, esse nome pomposo para um amontoado de PDFs em ecrãs tácteis, foi desde o início mais uma operação de cosmética do que de reforma. E como todas as operações de cosmética, vive do reflexo no espelho, não da substância. Querem que os números fiquem bonitos. Que o relatório chegue a Bruxelas com sorrisos. Que os jornais publiquem em corpo 48 o milagre. Que os jornalistas repitam como papagaios domesticados o milagre da Madeira digital. Que ninguém pergunte nada.

O que sobrou disto tudo foi uma ficção. Uma ficção bem embalada, vendida com os selos da modernidade e da inovação, mas uma ficção. Os alunos continuam sem ler. Continuam sem escrever. Continuam sem saber ligar duas ideias, distinguir uma premissa de uma conclusão, interpretar um texto com mais de três parágrafos. Mas têm tablets. Têm aplicações. Têm gráficos coloridos. E, claro, têm notas. Notas belas, puras, cem por cento aprovados como nas repúblicas onde os ditadores ganham por unanimidade e os cidadãos batem palmas com medo de desaparecer. A diferença é que aqui desaparece a verdade. E desaparece o futuro. E desaparece a dignidade da escola, substituída por este teatro de fachada que se apresenta, com orgulho, como sucesso.

E agora, expliquem isto a uma criança. Expliquem-lhe que estudou, que se esforçou, que aprendeu a pensar, mas que vale o mesmo que quem decorou dois resumos e copiou tudo do colega. Expliquem-lhe que as notas são todas iguais porque é mais fácil fingir que ninguém falha do que enfrentar a vergonha de termos deixado a escola tornar-se um cenário de mentira. E quando essa criança crescer e perceber que foi enganada, que não lhe ensinaram nada de verdade, não se admirem que perca o respeito por tudo o que lhe disseram ser "educação". Porque a verdade, por mais que se disfarce, acaba sempre por regressar. E cobra juros.

NOTA
Agradeço ao Amigo Nuno Morna a autorização para a publicação deste seu artigo. Revejo-me, totalmente, no seu pensamento. Parabéns, Amigo, precisamos, cada vez mais, de vozes lúcidas.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

"Inteligência artificial" ou desinteligência política?

 

Falam tanto de "transição digital"! Tal como assistimos a um tempo onde, volta e meia, lá vinha a história das "salas de aula do futuro", os "manuais digitais" (que muitos países já abandonaram) e até os projectos no âmbito da "robótica". Agora, o foco está na "inteligência artificial" (Dnotícias, 27 de Junho, página 3). Talvez porque interessa aproveitar a onda.



Ora bem, já tem muitos anos, um distinto colega de profissão, numa rotineira conversa sobre as nossas quase aflições no processo de aprendizagem, dizia-me, com a serenidade e o humor que lhe eram habituais, que o erro é viver-se de "fases masturbatórias"! De autohedonias, salientei. 

Numa aproximação ao sistema educativo, aquela metáfora trazia no seu bojo que nada parecia articulado num pensamento sobre o que se desejava no quadro de uma aprendizagem consistente e portadora de futuro. Eu diria, correspondente às tais três perguntas essenciais de todos os processos: onde estamos, onde queremos chegar e o que fazer para lá chegar? Quando isto não acontece, porque não se sabe ou, então, porque repetir é sempre mais fácil, ao jeito de um "funcionário-sinaleiro" dos papéis que chegam alinhados na pastinha de despacho, obviamente que o futuro de um sector fica, irremediavelmente, comprometido. Ser prospectivo é muito mais difícil. Isso obriga a olhar o mundo para além dos muros da escola ou do governo de turno. E só se antecipa o futuro quando se transporta um sonho e uma visão sustentadas no conhecimento científico. Quando a formação é débil e se associa ao desinteresse, nada a fazer, instala-se a rotina doentia e o marcar passo que faz desesperar quem deseje uma adequada resposta ao ritmo do mundo.

Há políticos que desenvolvem esta característica que mata o conhecimento e o desenvolvimento. Vivem de circunstâncias, de leituras e convicções superficiais, vivem dos casos do dia, o que os impele a falar, por dever de ofício, do que não sabem, sendo até aplaudidos, pasme-se, pelas banalidades disparadas perante plateias amorfas que também sabem como devem comportar-se. Não transportam mundo, porque tampouco o exercício da política os move para um diário questionamento sobre o que fazem ou determinam que se faça. Apenas lhes interessa ter nas mãos essa espécie de "controlo remoto" político, isto é, a "inteligente" manipulação sobre os demais. E aí, tendencialmente, esta subespécie da verdadeira política, sob a ilusória capa da democracia e da autonomia das escolas, subtilmente, persegue, gera o medo e até castiga quem lhes pareça dissonante. É sempre bom ter presente o caso do professor do Curral das Freiras...

O curioso, ou talvez não, é que este tipo de políticos que nos rodeia e inferniza, porque os interesses assim determinam, é colocada no altar com ladainhas que contrariam aquilo que, politicamente, foram ou são. Passaram-se dez anos na liderança de uma pasta determinante para o futuro colectivo e, perante o vazio de ideias, leio e ouço as vozes do costume, com línguas encostadas aos joelhos, tecerem rasgados louvores como se fosse a Madeira um território exemplo para o mundo. Nem estudam nem se dignam visitar outros espaços de referência para perceber como se prepara o futuro. E isso é arreliador.

Tanto que me apetece discorrer sobre este tema. Ficará para um outro momento. Mas sempre adianto que o problema do sistema educativo não se centra na "inteligência artificial", nas "salas do futuro", nos "manuais digitais" ou na "robótica". O problema do sistema reside em não definirem para onde desejam caminhar. O problema tem, assim, uma outra profundidade: é organizacional de sistema e de estabelecimento de educação, é de verdadeira e diferenciada autonomia, é curricular, é programático, é pedagógico e é social em função do que se esconde a montante da escola. Aspectos, entre outros, que determinam a urgência de colocar em debate aberto, distante de "achismos" e de convicções pessoais, a rede escolar, os conceitos de aula, turma, avaliação, a tipologia dos espaços de aprendizagem, o papel do professor que não deve ensinar, mas que tem o dever de fazer aprender, a também infernal burocracia de controlo, que bloqueia o tempo de aprendizagem, no essencial, compromete a existência de uma escola cultural que respeite os talentos e os sonhos que cada um transporta. É essencialmente isto que está em causa. O resto vem sequencial e naturalmente, o que exigirá a utilização das novas ferramentas colocadas ao dispor pela comunidade científica. Aliás, se a preocupação manifestada se relaciona com o crescimento, o desenvolvimento e, obviamente, com a economia, seria bom terem presente uma larga maioria de autores, pensadores, de grandes empregadores e até a OCDE entre outras instituições. Portanto, parece-me um logro desenhar o futuro a partir de impulsos.    

Mas, compreendo: se a sociedade está errada, a escola não pode estar melhor. Se o exercício da política é aquilo que é, não se pode esperar políticos com rasgo, eu diria com visão em função do mundo que está aí ao virar da esquina. É, por estas e muitas outras razões que, levianamente, se apregoam todas aquelas "preocupações" de natureza circunstancial, quando elas, à vista desarmada, percebe-se, que não se integram num projecto de pensamento mais vasto, sustentado, integrado, articulado e credível. Correspondem a ímpetos, às tais "fases masturbatórias" que, rapidamente, passam! Neste caso, nem fica o prazer pela escola! Que o digam os alunos e as estatísticas. Enfim, tenhamos presente que a Escola não existe para satisfação dos políticos, mas dos seus alunos e professores. Consequentemente, ela existe como combate à pobreza e para o desenvolvimento das regiões e do país.

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

O aluno não é uma nota


Na edição de hoje do Público li um artigo de Rita Simas Bonança, Educadora de Infância Especializada e Doutorada em Educação. Eu diria que a semana começou bem. Quantas vezes dou comigo a pensar na eventualidade do erro ser meu e de todos quantos se opõem a este sistema educativo que não respeita nem os talentos nem os sonhos que cada aluno transporta. Mas não, há muitos numa acção contínua a colocar em causa um sistema que mata a curiosidade, o pensamento e o conhecimento. Valeu a pena ler este artigo que começa com duas perguntas essenciais: "Quantas vezes vemos o sorriso de um aluno a esmorecer ao ver a nota? Quantas vezes os olhos de um professor denunciam a tristeza de saber que aquele número não traduz o que viu, sentiu e acompanhou?"



Clarifica a autora: "Estamos numa época em que termos como “personalização” e “inclusão” são quase slogans, usados para vender a ideia de uma escola mais humana — mas será que é mesmo assim? Em teoria, tudo parece perfeito: uma escola que respeita as diferenças, que vê o talento em cada criança, que acompanha os seus ritmos de aprendizagem. Mas chega o momento da avaliação — e, de repente, tudo se desfaz. O aluno deixa de ser aquela pessoa inteira, cheia de sonhos, dúvidas, medos e esperanças, e transforma-se num número frio numa pauta. Um número que pesa mais do que qualquer palavra de incentivo ou gesto de apoio."

E continua a perguntar: "(...) o que estamos a fazer aos nossos alunos quando lhes dizemos, todos os dias, que o seu valor está reduzido a um 12, a um 15, ou a um 18. Como é possível medir a aprendizagem com uma régua tão curta? Como medir o esforço silencioso de quem acorda todos os dias com medo de não ser suficiente? Ou a persistência de quem luta contra obstáculos invisíveis? É trágico — e, ao mesmo tempo, irónico — que a escola que proclama “cada aluno é único” trate todos como se saíssem da mesma fábrica. A nota, impessoal e impiedosa, transforma-se numa sentença final. Apaga histórias que ninguém vê, dificuldades que ninguém nota, pequenos grandes progressos que não cabem numa simples grelha. É como transformar a essência de uma pessoa numa etiqueta que nos diz... qual é o seu valor (...) A avaliação deveria ser um momento de partilha, de escuta, de crescimento — um espaço onde o erro fosse o ponto de partida para a aprendizagem, onde o esforço fosse reconhecido, onde se celebrasse o progresso. Em vez disso, tornou-se um processo mecânico e burocrático. Os professores, que tanto querem ouvir, compreender e apoiar, são pressionados por programas intermináveis e conteúdos demasiadamente complexos, muitos deles sem qualquer impacto na vida real dos alunos. Ensina-se para o teste, aprende-se para o teste, vive-se para o teste. E depois lamenta-se que os alunos não tenham criatividade, pensamento crítico ou paixão pelo saber. Como podem, se errar significa perder pontos? Se sair da caixa significa ser penalizado? Como ousar questionar, se a única resposta válida é aquela que cabe numa fórmula?

Ensina-se para o teste, aprende-se para o teste, vive-se para o teste. E depois lamenta-se que os alunos não tenham criatividade, pensamento crítico ou paixão pelo saber"


E sendo assim, torna-se muito clara a sua posição: "Há alunos que brilham em mil outras coisas: na oralidade, na expressão artística, na solidariedade, na persistência diária. Mas o sistema raramente os vê. O que conta é o teste, o resultado numérico, a resposta certa. O resto é “extra”, invisível e ignorado. O brilho de uma criança que domina a empatia e ajuda um colega, a força silenciosa daquele que vence a timidez para participar, a coragem de quem enfrenta dificuldades — tudo isso desaparece atrás da cortina dos números. Os professores são, muitas vezes, prisioneiros desta lógica. Querem ensinar, querem cuidar, querem dar tempo — mas não têm margem para isso. Avaliar devia ser um ato de coragem, um compromisso ético, uma tarefa humana. Exige tempo para ouvir, para entender, para ajustar. Mas o relógio corre e a máquina de números não espera. Quantas vezes vemos o sorriso de um aluno a esmorecer ao ver a nota? Quantas vezes os olhos de um professor denunciam a tristeza de saber que aquele número não traduz o que viu, sentiu e acompanhou?"

Termina com uma chamada de atenção: "É urgente mudar esta cultura de avaliação. Precisamos de um sistema que valorize a diversidade dos percursos, que reconheça o esforço, a criatividade e a resiliência, que permita errar para aprender, que não condene. Avaliações que sejam um convite para crescer e não uma sentença para desistir. A nota pode existir, sim — mas nunca pode definir um aluno. No fundo, o que realmente importa não é “quanto vale” um aluno numa escala de 0 a 20, mas como o ajudamos a valer-se por si próprio. A escola tem de ser um lugar onde cada criança se sinta vista, ouvida e valorizada. Onde a avaliação seja um meio para libertar potencial, não para aprisionar. Porque aprender é, acima de tudo, humanizar."

Obrigado Professora. Obrigado ao Público.

Ilustração: Google Imagens

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Revisão Constitucional - O Sistema Educativo

 

Face à nova composição da Assembleia da República e as posições políticas que por aí são dadas a conhecer, se outra crise não acontecer, presumo ser provável que, ao longo dos próximos quatro anos, seja desencadeada uma revisão da Constituição da República Portuguesa. Sendo assim, espero que os Deputados tenham o bom senso de não mexer nas matérias que constituem os alicerces da nossa vivência democrática. As maiorias de direita ou de esquerda, porque são sempre circunstanciais, não devem constituir-se como uma oportunidade ideológica, de conveniência ou moda, de destruição do edifício que muita luta e sangue custou aos portugueses. Confesso que estou céptico quanto a um desfecho banhado de sensatez e muito discernimento. Parece-me existir palavreado populista a mais e respeito pela Nação a menos. A seu tempo veremos.



Quedo-me, para já, no sector para o qual julgo estar minimamente habilitado: a Educação. 

Eu sou defensor de um país com três sistemas educativos: Portugal Continental, Região Autónoma da Madeira e Região Autónoma dos Açores. Não faz qualquer sentido, inclusive, no quadro do Estatuto Político Administrativo das regiões da Madeira e dos Açores, manter "As bases do sistema de ensino" (alínea i) no rol das matérias do Artigo 164º (Reserva absoluta de competência legislativa) da Assembleia da República. Nem como matéria de "Reserva relativa de competência legislativa" (Artigo 165º). Aliás, o Artigo 30º do Estatuto Político Administrativo da Madeira considera, na alínea o), como "matéria de interesse específico" a Educação pré-escolar, ensino básico, secundário, superior e especial.

Às regiões autónomas, por isso mesmo, porque são autónomas, deve a Constituição libertá-las de qualquer subordinação organizacional, curricular e programática. 

Na Suíça, este é um mero exemplo, o sistema varia entre as regiões, não apenas porque existem espaços de predominância linguística distinta, mas também porque a diversidade é tida como uma riqueza no quadro da descentralização. Todos convergem para o êxito da Suíça. Quanto à Madeira e aos Açores, não se trata propriamente de especificidades regionais, mas de respeito pela capacidade local autonómica em conceber e estabelecer um sistema público próprio de aprendizagem, consistente e portador de futuro. Não faz sentido que de Valença do Minho ao Corvo todos tenham de cumprir o que alguns impõem no Ministério da Educação ou na Assembleia da República.

O princípio deve ser este, a sua implementação prática é um outro e complexo trabalho. Aí exige-se que o sistema se abra a um alargado debate que envolva professores, pais, alunos, empresas, instituições; a família, as suas dinâmicas, as questões sociais e a organização do trabalho; os currículos, programas, horários, as centenas de metas curriculares; os conceitos de aula, de turma, de sala de aula, os tpc, as avaliações; a burocracia, o número de alunos por estabelecimento, a rede e a arquitectura dos espaços escolares; a violência NA escola e a violência DA escola… tudo, mas tudo deve ser reequacionado.

De resto, o sistema não é pertença do pensamento de um ministro ou de um secretário. A robustez do sistema está directamente proporcional ao que pode receber e oferecer aos outros sistemas e sectores de actividade e da ponderada avaliação que a todo o momento deve ser feita. Estão errados os que pensam que "se sempre foi assim, porque raio há que mudar?" ou, então, os que se consideram portadores de uma qualquer verdade e, por isso mesmo, se fecham nas suas torres de marfim. Por aí perde o país e perdem as regiões. Ora, se a Escola é para todos, tem de haver vários tipos de escola! Continuar a educar para o passado não me parece sensato, quando as próximas duas décadas vão sofrer uma profundíssima alteração em todos sectores e áreas de actividade humana. É com a IV Revolução Industrial que estamos confrontados e não com processos onde se deseja metê-los à força nos "cubículos convencionais de ontem" (Tofller). 

Ilustração: Google Imagens.