segunda-feira, 15 de setembro de 2025

No dia da tomada de posse da nova Secretária Regional da Educação

 

Presumo ser conhecido o meu posicionamento sobre o Sistema Educativo. Há muitos anos que escrevo e publico. Ora, entendo que a Região Autónoma da Madeira, também há muito, perde tempo, mata talentos e bloqueia sonhos. E a Madeira podia ser um espaço territorial de referência face ao reduzido número de alunos (cerca de 38 000). Não é. Mas que fique claro que apenas tenho uma opinião e que respeito muitas outras. Só o debate é que pode ser clarificador e definidor de um caminho. O que me faz ter uma leitura dissonante sobre este sistema, são os resultados que, sistematicamente, são do conhecimento público através de estudos realizados. O que me move são os investigadores, pensadores e autores que leio ou ouço. São esses, no confronto entre o paleio político-partidário e o conhecimento científico que me fazem ter uma opinião.



A Região tem uma nova secretária para os assuntos da Educação. Sem qualquer outro fim que não o de contribuir para a reflexão e saber ao que vem, sinceramente, gostaria que a novel secretária respondesse, apenas para si própria, às 60 questões que aqui deixo, entre tantas outras que podia elencar, onde excluo, intencionalmente, as da esfera meramente administrativa e sindical. Esses são outros âmbitos que, por agora, não me interessa intervir.

Aqui ficam as 60 perguntas para reflexão, ao correr do pensamento, portanto, sem qualquer ordem sequencial:

01. Qual a sua posição de princípio: “Os alunos são máquinas de habilidades” – Gary Becker, Nobel da Economia - ou o aluno não é, desde logo, uma mercadoria económica?

02. Para si a educação é uma corrida ou um projecto de vida?

03. Aceita (e como) debater, com responsabilidade e profundidade, a autonomia da política educativa das regiões e dos estabelecimentos, em sede de revisão constitucional? (Artigos 164º e 165º da Constituição – Reserva de competência legislativa absoluta da República e Reserva de competência legislativa relativa, respectivamente)

04. Onde se situa: há professores a menos ou sistema educativo a mais?

05. O que pretende fazer face a resultados que salientam que apenas cerca de 14% das raparigas e 11% dos rapazes afirmam gostar da escola (Estudo internacional de 2016 – Margarida Gaspar de Matos/FMH – Educare.pt;

06. Qual a sua leitura resultante do facto de 70% dos professores estarem em exaustão emocional (na Madeira, 75%); 22.000 tomarem medicação a mais e 84% desejar reformar-se? (Estudo sociológico da Doutora Raquel Varela)?

07. Que leitura faz do facto da população portuguesa, entre os 25 e os 64 anos, cinquenta anos depois de Abril, não possuir o ensino secundário; 38% concluíram apenas o 9.º ano ou abaixo, quando a média da OCDE é de 19% (...)"?

08. Que leitura faz do facto de 40% dos adultos só conseguirem compreender textos muito simples e resolver aritmética básica no seu dia-a-dia?

09. O que pensa de apenas 23% dos jovens entre os 25 e os 34 anos, cujos pais não têm o ensino secundário, conseguirem concluir o ensino superior, ao passo que essa proporção ascende aos 73% no caso dos jovens cujos pais têm formação superior?

10. Que causas considera para que 41% dos jovens diplomados revelarem ter apenas competências para ler textos simples e fazer interpretações básicas? (De 5 a 7, fonte OCDE)

11. Como pretende resolver o facto de 25% dos alunos do 5º ao 12º ano apresentarem, no quadro organizacional deste sistema, um significativo mal-estar psicológico?

12. Como resolverá a situação de mais de 6 000 jovens que não estudam nem trabalham?

13. Como pretende actuar perante um quadro onde se “ensina para o teste, aprende-se para o teste, vive-se para o teste. E, depois, lamenta-se que os alunos não tenham criatividade, pensamento crítico ou paixão pelo saber"? – Rita Bonança, Doutorada em Educação.

14. Qual a sua posição relativamente a um sistema que atribua ampla autonomia aos estabelecimentos de aprendizagem (não autonomia mitigada ou faz-de-conta) capaz de diferenciar estabelecimentos na sua organização interna, ambiente curricular, programático e pedagógico?

15. Que mudanças irá operar para que se altere o facto de, em média, no quadro deste sistema, 90% do que, pressupostamente, um aluno aprende numa aula, esqueça em cerca de 30 dias? – estudo do Professor César Bona.

16. Qual a sua perspectiva de uma escola que não mate o talento e o sonho que cada jovem transporta?

17. Onde se situa: a função do professor é a de dar respostas prontas, seguindo os manuais, isto é, ditar pensamento ou, por outro lado, ensinar a pensar, provocar a inteligência, o espanto e a curiosidade? – Síntese entre Carbonell (Pedagogias do Século XXI) e Rubem Alves.

18. Qual a sua posição estrutural na conjugação curricular, programática e pedagógica: “Uma cabeça bem feita vale mais que uma cabeça cheia” - Filósofo Michel de Montaigne (1533/1592).

19. Que posição assume perante esta investigação: "(...) O sistema actual, baseado no desempenho em testes e exames pode prejudicar muito a formação de grandes pensadores (…) Este ensino promove um verdadeiro extermínio de grandes mentes (…) – Deborah Stipeck, estudo ao longo de 35 anos, publicado na revista Sciense.

20. Para si é verdade ou não que "A escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito"? – síntese do Catedrático Joaquim Azevedo – Universidade Católica.

21. Entende que é preciso educar os educadores? – Segundo Edgar Morin.

22. Admite ou não, tendo presente os resultados, que o actual sistema educativo é, hoje, tendencialmente, um factor de exclusão social, não de inclusão?

23. Considera ser ou não verdade o que os alunos dizem: "O sistema olha-nos como um recipiente onde se introduz conhecimento (...) as pessoas ali não pensam, as pessoas ali decoram (...) estamos a estudar para ranking's não para o conhecimento (...)"?

24. Para si, o actual sistema é castrador do pensamento?

25. Considera ou não que, hoje, desde as primeiras idades, as crianças e jovens não são vistos como "sujeitos" da aprendizagem, mas "objectos" do sistema?

26. Qual é a sua posição de princípio: as crianças devem agir como parte do rebanho ou começarem a pensar pelas suas próprias cabeças?

27. Qual a sua opinião sobre a Escola a Tempo Inteiro. Ela é ou não, por extensão, indutora de pais a meio tempo?

28. Sim ou não: a Escola a Tempo Inteiro constitui um óptimo contributo para a desregulação dos horários de trabalho dos pais.

29. Concorda ou não com a posição do Psicólogo Eduardo Sá: retirámos as crianças do trabalho para lhes devolver a infância, depois empanturrámo-las com escola.

30. O que pensa fazer para que o tempo de infância seja respeitado?

31. Na sua opinião há ou não que reorganizar a sociedade em todos os sectores, áreas e domínios em parceria com todos os outros sectores da governação?

32. Aceita abrir ao debate público todo o sistema, envolvendo professores, pais, alunos, empresas e instituições?

33. Aceita debater a família, as suas dinâmicas, as questões sociais e a organização do trabalho?

34. Como irá combater o desinteresse das famílias pela Educação?

35. Aceita debater os currículos, programas, horários e as centenas de metas curriculares inúteis?

36. Aceita debater novos conceitos de aula, de turma, de sala de aula, os tpc, as avaliações e aferições?

37. Qual é para si o tempo suficiente de permanência no espaço escolar, quando, por exemplo, as crianças finlandesas passam, na escola, cerca de 40% menos tempo do que as portuguesas e, no entanto, conseguem melhores resultados?

38. Aceita debater a burocracia que enferma todo o sistema?

39. Aceita debater a rede escolar?

40. Aceita debater a ultrapassada arquitectura dos espaços escolares?

41. Aceita ou não que, na aprendizagem básica, seja eliminado o pensamento fragmentado (as disciplinas do currículo) porque “(…) As redes neuronais funcionam com a associação de ideias, não com temas estanques (...) – Salman Khan.

42. Aceita ou não debater os actuais ciclos de aprendizagem em contraponto com doze anos de escolaridade contínuos (sem ciclos)?

43. É a favor ou contra a ideia de testes e exames na aprendizagem básica?

44. Qual o seu conceito de avaliação: de pendor formativo ou classificativo?

45. Qual a sua posição sobre os “ranking’s” dos estabelecimentos de aprendizagem?

46. Considera ou não que os testes PISA (entre outros) são um "concurso de beleza da pedagogia"? - Pablo Gentili, Doutor em Educação.

47. Tenciona ou não acabar, na aprendizagem básica, com os designados TPC, porque, entre outros factores, são desestabilizadores da vida familiar?

48. Tenciona ou não acabar com a designação de "Director de Turma", substituindo-a pelo "Director do Aluno"?

49. Considera ou não que há que recuperar a dimensão política da Educação e não partidária da Educação?

50. No quadro de uma Região Autónoma e face às dificuldades financeiras das famílias, qual a sua posição (e solução) relativamente às propinas no Superior?

51. Qual a sua posição sobre o investimento público e constitucional na Educação face ao financiamento da aprendizagem privada (38 milhões/ano)?

52. A Escola deve ou não ser vista pelo ângulo da cultura?

53. Qual a sua posição sobre a predominância da literatura e das artes no processo educativo?

54. É a favor ou não, no decorrer do processo de aprendizagem, atribuir prémios, inclusive, pecuniários, àquilo que designam por meritocracia?

55. Entende ou não que as direcções dos estabelecimentos de aprendizagem, entre outros níveis de intervenção, devem assumir uma rigorosa limitação de mandatos?

56. Qual a sua posição entre manuais em papel e digitais?

57. Qual a sua posição sobre as limitadas “salas de aula do futuro”?

58. Como se posiciona e o que deve fazer perante esta preocupação de Ken Robinson (já falecido): "Como escapar a Educação do vale da morte"?

59. É defensora ou não de uma Educação Desportiva, sem avaliação, em contraponto à Educação Física? – Segundo o Eurobarometer 2022 - página 10: "78% dos portugueses (inclui as regiões) diz que raramente ou nunca pratica qualquer atividade física ou desportiva. Apenas 18% manifesta alguma regularidade e 4% regularmente".

60. Finalmente, tenciona, num gesto de humildade e de pacificação, como governante, apresentar públicas desculpas aos professores vítimas, nos últimos anos, de perseguição, de forma subtil ou descarada (não por infracções graves), sobretudo àqueles que lutaram por uma escola de sucesso?

Ilustração: Google Imagens

sábado, 13 de setembro de 2025

De mal a pior


O relatório Education at a Glance 2025 é muito claro sobre a falência do actual sistema educativo nacional. 1. "Somos o país, entre os outros membros da União Europeia que participaram neste estudo da OCDE, onde é maior o peso da população adulta entre os 25 e os 64 anos que não tem o ensino secundário: 38% concluíram apenas o 9.º ano ou abaixo. A média da OCDE é de 19% (...)". A jornalista Cristiana Faria Moreira (Expresso) sintetizou e bem: 




"Um país desigual na Educação e na qualidade do que se aprende".


Reparem no dramatismo destas percentagens enaltecidas no seu texto:

2. 40% dos adultos só conseguem compreender textos muito simples e resolver aritmética básica no seu dia-a-dia.

3. Apenas 23% dos jovens entre os 25 e os 34 anos, cujos pais não têm o ensino secundário, conseguiram concluir o ensino superior, ao passo que essa proporção ascende aos 73% no caso dos jovens cujos pais têm formação superior.

4. 41% dos jovens diplomados revelaram ter apenas competências para ler textos simples e fazer interpretações básicas.

5. Em Portugal, numa década, o recurso aos chamados docentes com habilitação própria — que têm a formação científica, mas não a pedagógica e didáctica —, quadruplicou: há uma década representavam 1,6% do corpo docente das escolas públicas; em 2022/23 essa percentagem passou para os 6,5%.


BREVE 
COMENTÁRIO


De relatório em relatório a situação é muito clara: o sistema bateu no fundo. E não há coragem para assumir que o caminho terá de ser outro, obviamente. Continuamos a funcionar com as lógicas do passado, com alguns traços pontuais de uma ilusória inovação, com muita propaganda, muito auto-elogio, muito jogo de empurra para as responsabilidades de outros, não se atacam os problemas estruturais a montante da escola, nas famílias e nas várias pobrezas que evidenciam gritantes assimetrias, tampouco aquilo que seria mais fácil, o pensamento acerca do que deve ser uma aprendizagem consistente, partindo do pressuposto que há uma substancial diferença entre estudar por obrigação e gostar de aprender. Continuam a alimentar um sistema mais preocupado com a densa e infernizante estrutura burocrática do que com os pressupostos do que deve ser a escola, hoje, enquanto espaço de desenvolvimento pessoal, social e profissional, que está muito para além do mundo tecnológico. O sistema sobrevive, portanto, distante de uma intervenção lúcida, construtiva, criadora e corajosa. O sistema está refém da teia administrativa e do centralismo político-partidário, pelo que não aposta no conhecimento, nas mudanças comportamentais: por um lado, junto dos professores, oferecendo-lhes o impulso para intervir e agir por dentro e, por outro, junto dos alunos, levando-os a gerar a curiosidade, base do conhecimento.

Ministros e secretários continuam a passar ao lado das grandes questões a montante (sociedade) e a jusante (escola). Por ignorância, não creio! Porque interessa, talvez. E a dicotomia é esta: ou alimentam o colapso ou apostam na renovação. À luz dos dados, uma vez mais apurados pela OCDE, o futuro da educação é mais realidade a construir do que a temer. Só que demonstram que temem e não querem. Deambulam entre papéis, circulares e normativos. Apontam o dedo para a escola, mas, parafraseando, só vêm a ponta do dedo. Uma lástima!

Falta-lhes conhecimento, ânimo e curiosidade para perceber as fragilidades globais de todo o sistema. Sabem que estão a prazo e só mexem as palhas que se juntam nas bordas! E, assim, desmotivam a comunidade educativa através de uma concepção tecnocrática da escola, sobrecarregam currículos, distanciam-se de uma cultura democrática, privilegiam as medidas economicistas e tudo isto gera e explica a incompreensão sobre a finalidade última da escola.

A "bomba" há muito rebentou nos professores, cansados e desmotivados (o mais fácil foi a recuperação administrativa do tempo de serviço) e nos alunos que consideram, genericamente, que a escola não constitui um espaço determinante na aprendizagem. Há outros formatos que proporcionam conhecimento e felicidade.

Ilustração: Expresso.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Andam a brincar com o Sistema Educativo

 

Disse o presidente do governo regional da Madeira: "Eu não tenho secretários técnicos. Só tenho secretários políticos. A função de um governo é ser político e não técnico". Uma opção muito discutível, digo eu, porque tem muito que se lhe diga. Mais acertado seria, porventura, uma conjugação entre um substancial conhecimento técnico de um qualquer sector e a atitude política para a sua consecução. 



Mas faço um esforço de compreensão no enquadramento das palavras ditas. E, por aí, à luz da práxis governativa, desde sempre que se assiste a uma intencional mistura confusa entre a atitude política e a partidária. O que me leva a dizer que ele, o que de facto quis dizer, é que só tem habilidosos secretários partidários. 

Ora, quando as convicções partidárias constituem uma primeira intenção, obviamente, heterónomas, porque sujeitas à vontade de uma pessoa ou grupo liderante, o exercício da verdadeira política torna-se, claramente, secundarizada. Prevalecem, então, as razões e relações de poder, a vontade de uns quantos e jamais aquilo que um dado sector ou área de actividade política exige.

Sendo este o tradicional enquadramento, sublinho, sempre de intenção mais partidária do que política e técnico-científica, com isso sofre, naturalmente, a competência e, por extensão, qualquer perspectiva de resposta consistente às exigências que o conhecimento científico vai produzindo. E assim se mantém o passado, a lógica da continuidade, onde se ouvem considerações ao "trabalho excelente, feito na Educação, na Madeira (...)" (!), onde se repetem as experiências vividas assentes em convicções de natureza pessoal, os achismos conjugados com a partidarite, esse vírus muito perigoso para a democracia e para o desenvolvimento. De caminho, porque faz parte do processo redutor, vão ensaiando, aqui e ali, simulacros de uma putativa inovação, quando lá no âmago, naquilo que é estrutural, tudo permanece ao ritmo do relógio partidário, aproveitando, até, o estado de coma social que também não ajuda às necessárias e urgentes mudanças de paradigma.

Aliás, é-me difícil aceitar, muito menos compreender, que uma qualquer liderança política de um sector não demonstre, ao longo da sua vida, capacidade testemunhada através de documentos, ensaios, intervenções públicas, reflexões de questionamento, no fundo, o que sabem e, sobretudo, o que pensam relativamente à responsabilidade política na condução de um sector, área ou domínio da governação. Fica-me a ideia que são repescados entre quem está a seguir no interesse partidário. O princípio da selecção que devia assentar no conhecimento técnico, científico e no pensamento estrutural, base fundamental para a mudança, acaba por fechar-se, mor das vezes, na redoma da fidelidade partidária. Nem necessário se torna que façam um esforço, através do estudo, mínimo que seja, para perceber e responder, publicamente, às três perguntas essenciais sobre a complexidade do sistema: onde estou, onde quero chegar e que passos diferenciadores tenho de dar para lá chegar. E tudo isto, infelizmente, a prazo, acaba por acarretar custos para a sociedade. 

Ter uma formação académica não chega. Constitui, sim, um pressuposto de relevante importância, porém, o que está em causa é o que se pode fazer com essa formação. No quadro empresarial, por exemplo, perante um "curriculum", o empregador, mais do que notas ou de altas qualificações académicas, tende a perguntar: o que sabe fazer? Que ideia transporta ou o move? Ou, então, de que modo acredita poder fazer crescer a empresa? Nos governos as questões deviam ser idênticas. Mas não, aceita-se o lugarzinho com naturalidade, mesmo não conhecendo a complexidade do sistema que, obviamente, é muitíssimo mais labiríntico do que conhecer, profunda e exemplarmente, uma dada especialidade no quadro de uma específica carreira profissional. E, como convém na liturgia partidária, o primeiro passo, é elogiar o antecessor quando, pelo contrário, no caso em apreço, nada há para elogiar. Pelo contrário, foram anos perdidos. Tenha-se em atenção o que dizem tantos investigadores, pensadores e autores. Não são, pois, de estranhar as declarações ocas porque não se assevera, desde o primeiro momento, onde se quer chegar e através de que medidas! Como professor que fui é mais uma desilusão, não em função da estrutura do meu pensamento relativamente à escola e a uma aprendizagem portadora de futuro, porque existem outras verdades, mas pela ausência de uma ideia pública divulgada de forma consistente ao longo do tempo. Seja ela qual for, mas que, no mínimo, possa gerar o benefício da dúvida. 

A propósito, o ainda secretário da Educação disse para aí que "Deus não escolhe os capacitados. Deus capacita os escolhidos". Ri, naturalmente. Porque no seu caso, há dez anos, naquela declaração não bíblica, Deus não capacitou o escolhido e nada teve a ver com a escolha do dito capacitado. Foi uma escolha no quadro "yes-men" partidário, que não questiona, não reflecte, que segue a "moral de rebanho" de Friedrich Nietzsche, portanto, sem autenticidade e sem capacidade para inovar e de criar com responsabilidade e rigor. E assim se passaram dez longos e penosos anos. Os "almoços de despedida", choramingões e de aplausos (que cena fabricada tão ridícula), fizeram-me trazer ao pensamento um poema atribuído a Santo Agostinho (não existem evidências), talvez a Henry Scott Holland, um teólogo anglicano do século XIX: A Morte não é nada: "Eu não estou longe / apenas estou no outro lado do caminho...". De facto, qual metáfora, a autarquia do Funchal fica ali a 400 metros... 

Andam a brincar com o Sistema Educativo, como crianças no recreio. 

Ilustração: Google Imagens

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Professores a menos ou Sistema Educativo a mais?




A duas semanas do arranque do ano lectivo, há ainda "cerca de três mil horários por preencher", revelou o ministro Fernando Alexandre, no final de uma reunião com os sindicatos.

Parafraseando o que foi dito num outro contexto, pergunto, se temos professores a menos ou sistema educativo a mais?

Progressiva mas radicalmente, se estudarem e modificarem  o sistema educativo, com a coragem necessária para mudar, substancialmente, os currículos, os programas, a burocracia, a tipologia das instalações, a organização escolar, os conceitos de turma, de aula e de aprendizagem consistente e portadora de futuro, enfim, se derem passos no sentido de uma escola apostada no conhecimento e não no papaguear para os testes e exames, porventura chegarão à conclusão que não temos professores a menos.

Portanto, quem repete o passado está condenado a obter no futuro os mesmos resultados de ontem. Todos os anos a ladainha continuará a ser cantada. Porque, o problema, disse-o Abraham Maslow: "Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego".

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Repensando a Educação no Século XXI

 

"A sociedade atual caracteriza-se pela aceleração das tecnologias digitais e pela omnipresença dos meios de comunicação, levando Sartori (2012) a designar este fenómeno como "sociedade teledirigida". Nesse contexto, a formação humana corre o risco de se reduzir à passividade do homo videns, um ser que consome imagens e informações fragmentadas de forma superficial, sem reflexão crítica.



O homo sapiens, herdeiro da cultura escrita, está a ser progressivamente substituído pelo homo videns, onde a imagem predomina, muitas vezes em detrimento da compreensão profunda. A Escola, enquanto espaço essencial de formação, enfrenta o desafio de contrariar este movimento, promovendo não apenas o pensamento crítico, mas também a construção do homo sapiens convinvens, um ser humano que se baseia na solidariedade, na ética e na dignidade, valores fundamentais para a criação de uma sociedade convivencial (Madureira, Viché e Henaiz, 2024). Este movimento representa um desafio civilizacional, ao colocar em risco a capacidade crítica e reflexiva necessária para a construção de sociedades pacíficas, mais justas e democráticas.


Neste sentido a escola enfrenta cada vez mais desafios que vão para além da mera transmissão de conteúdos (...). Há que desenvolver nos alunos uma literacia digital crítica que transcende o uso técnico da tecnologia. Num ambiente saturado de estímulos audiovisuais e informações instantâneas, torna-se essencial sensibilizar os alunos para combater o pensamento superficial e a passividade gerados pelo consumo digital, incentivando práticas de aprendizagem ativa, dialógica, crítica e reflexiva. 

Como educadores e professores assumimos, assim, a responsabilidade de formar cidadãos autónomos, capazes de dialogar, respeitar a diversidade e agir com ética, filtrando e transformando conteúdos em conhecimento significativo (...)".



NOTA

Artigo da autoria de Cristiana Pizarro Madureira, publicado na Revista A Página da Educação, número 225, edição Verão de 2025. É Doutorada em Educação, Mestre em Sociologia da Educação e Políticas Educativas e Licenciada em Educação. É investigadora integrada no Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, da Universidade do Porto. 

sábado, 9 de agosto de 2025

Nota máxima… a que preço?


Por
Afonso Brazão
Académica da Madeira

Vivemos numa sociedade em que a excelência é medida em números. Quanto maior a nota, maior é a expectativa. Será, porém, que esta “equação” é assim tão simples?



Muitas vezes nós, estudantes, dizemos que nos fartámos de estudar para obter um certo resultado numa determinada avaliação. Que tivemos de priorizar o tempo de estudo sobre outras coisas que, muito provavelmente preferiríamos ter feito. Tomamos estas escolhas para que possamos alcançar a desejada “nota máxima”. Contudo, até que ponto ter nota máxima num exame implica a nossa exigência máxima?

Um primeiro aspeto importante a salientar é a pressão pela classificação máxima. É inegável tratar-se de um fator benéfico ao estudo, por nos manter focados. Todavia, essa pressão também influencia vários aspetos menos positivos ao nível do ambiente educativo. Gera-se uma cultura de competição por médias altas e de comparação entre os colegas. Esta pode chegar a um ponto não saudável em que o próprio estudante começa a sentir-se insuficiente e impotente, e, por isso, trabalha em dobro. Há uma pressão social que nos obriga a sermos os melhores para não colocar em risco um plano predestinado para o nosso sucesso profissional. Ela pode resultar num esgotamento mental e físico que não afeta apenas o desempenho escolar, como tudo o resto no seu quotidiano.

Tirar 20 valores não significa dominar tudo. Há sempre algo que nos escapa por maiores “génios” que sejamos. Além disso, é possível que sejamos bons na teoria, mas se na prática não soubermos aplicar os conhecimentos conceituais que adquirimos, de que é que nos serve sabê-los de cor? A realidade é que a aprendizagem vai além do número.


O impacto desta exigência desmedida na saúde mental é um problema que afeta uma grande quantidade de estudantes. A ansiedade, o burnout e o medo de falhar são os principais resultados de toda esta demanda académica, muitas vezes descartados e ignorados. A pressão para se ser perfeito resulta num estado de ansiedade, que afeta não só o foco mas também o bem-estar geral. Além disso, o próprio medo constante de falhar pode servir como uma fonte contínua de stress que, por sua vez, implica maiores níveis de ansiedade. Já o burnout, um esgotamento físico e emocional do estudante, resultante da sobrecarga de esforço e de expectativas utópicas, leva a que o próprio jovem perca a motivação e a energia para aprender de modo consciente.

É fulcral estabelecermos um equilíbrio. A dedicação é bastante importante, mas sem descanso não vale de nada. Há que aprender com os erros e com a experiência e não nos devemos condenar por isso. Todo o esforço é importante e todo o tempo de estudo é fundamental, mas temos de zelar pelo nosso bem-estar acima de tudo. O corpo e a mente precisam de recarregar energias para que possam trabalhar a 100%. 

Não é passar o dia inteiro com os olhos colados ao ecrã ou ao livro que nos vai ajudar, temos que estudar, isso é óbvio, mas o segredo é não fazer disso a nossa vida até à data da avaliação, é preciso continuar a fazer aquilo de que gostamos e que nos traz lazer e paz pois são esses momentos que posteriormente ajudam-nos a estar mais focados e aptos para tirar melhores resultados.


Assim, a pergunta mantém-se: nota máxima, exigência máxima? A resposta é não. A excelência académica deve servir de gatilho para novas aprendizagens, não como uma prisão sufocante. Temos de encarar a aprendizagem como um processo, não um número.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Secretaria de Educação: A Farsa dos Cem por Cento.


Por
Nuno Morna
agosto 06, 2025

Quando a propaganda educativa atinge os níveis de Saddam e o fracasso se mascara com tablets



É evidente que só uma criatura moldada no barro mole dos gabinetes governamentais, onde se respira o ar parado dos corredores sem livros e o cheiro a tonner barato, poderia olhar para aqueles quadros com percentagens a escorrer perfeição e declarar, com a solenidade dos que confundem propaganda com pedagogia, que a transição digital melhorou os resultados dos exames nacionais. Melhorou, dizem eles. Como se o sucesso brotasse do toque de um ecrã, como se o conhecimento viesse embutido no alumínio do tablet, como se o raciocínio lógico, a capacidade de interpretação, o espírito crítico se pudessem instalar por bluetooth. Melhorou, e pronto. Não se discute. Não se pensa. Publica-se. Com fotografia, citações emolduradas e aquela euforia de fim-de-semana prolongado nos serviços centrais da Secretaria.

A verdade, claro, está ali diante dos olhos, como uma piada triste mal contada. Cem por cento. Noventa e nove vírgula qualquer coisa. Aprovações em bloco, uma muralha de êxito, um desfile de notas positivas como se de repente tivéssemos entrado num regime de milagre pedagógico. E o mais absurdo é que ninguém se espanta. Ninguém estranha que os resultados de Filosofia, Biologia, Economia ou Física se pareçam mais com os resultados eleitorais de Saddam Hussein do que com a distribuição normal de uma população estudantil minimamente heterogénea. Cem por cento, meu Deus. Cem por cento como nas ditaduras de opereta, onde os mortos votam e os vivos não se atrevem a não aplaudir. Cem por cento como se errar tivesse sido abolido por decreto. Como se a dúvida, a falha, a dificuldade fossem agora fenómenos arqueológicos.

E no centro deste teatro, o senhor Secretário da Educação, que de tão repetidamente entusiasmado com os milagres estatísticos que ele próprio promove, começa perigosamente a parecer-se com Mohammed Saeed al-Sahhaf, o tristemente célebre ministro da propaganda de Saddam, aquele que garantia que o exército americano estava a ser esmagado mesmo enquanto os tanques passavam por trás dele. Aqui, o inimigo é outro: é a realidade, que teima em não coincidir com os gráficos; é a evidência, que insiste em contradizer os discursos; é o estado miserável da literacia funcional que resiste à cosmética das manchetes. Mas como al-Sahhaf, o Secretário prossegue, impávido, a declarar vitórias em todas as frentes, entre colunas de fumo e escombros pedagógicos, como se bastasse dizer que tudo está bem para que tudo estivesse mesmo bem. O ridículo, porém, é que há quem aplauda. E a ignorância oficial tornou-se contagiante.

O problema não está no sucesso. O problema está no exagero. No excesso. Na farsa. Estes resultados não revelam progresso, revelam encenação e encenação terceiro-mundista. E por trás da encenação, o velho vazio de sempre: exames sem rigor, critérios de correcção diluídos, ensino orientado para a repetição automática, para o reconhecimento de padrões, para o papaguear manso que não incomoda. Nenhuma destas notas mede a verdadeira compreensão. Nenhuma destas percentagens diz alguma coisa sobre o futuro. O que estas notas medem é a eficácia do disfarce. E é nisso que nos tornámos: especialistas em disfarces. Em fingir que somos bons. Em montar o espectáculo da excelência sobre os escombros da exigência.


Para que se perceba melhor: é como se o Governo Regional tivesse montado um cenário de teatro em ruínas, mas com cortinas novas. Lá dentro, a estrutura apodrece, os alicerces estão podres, os actores esquecem o texto. Mas como cá fora há luzes bonitas, cartazes reluzentes e comunicados de imprensa escritos por gente que já não distingue uma sala de aula de uma sala de reuniões, toda a gente bate palmas. Só que depois os miúdos saem dali e não sabem preencher um formulário, interpretar uma notícia, escrever uma carta de motivação. E quando chegam à universidade, para os que chegam, os professores têm de reaprender-lhes o básico: como pensar, como escrever, como raciocinar. A verdade é esta: estamos a aprovar por decreto. Estamos a fabricar notas como se fossem senhas de talho. E os alunos, os nossos filhos, os nossos sobrinhos, vão pagar por isso.

Não se trata aqui de um erro de avaliação. Trata-se de uma perversão do princípio educativo. O ensino foi tomado por políticos que precisam de números, não de alunos. De quadros estatísticos, não de pessoas. A introdução dos manuais digitais, esse nome pomposo para um amontoado de PDFs em ecrãs tácteis, foi desde o início mais uma operação de cosmética do que de reforma. E como todas as operações de cosmética, vive do reflexo no espelho, não da substância. Querem que os números fiquem bonitos. Que o relatório chegue a Bruxelas com sorrisos. Que os jornais publiquem em corpo 48 o milagre. Que os jornalistas repitam como papagaios domesticados o milagre da Madeira digital. Que ninguém pergunte nada.

O que sobrou disto tudo foi uma ficção. Uma ficção bem embalada, vendida com os selos da modernidade e da inovação, mas uma ficção. Os alunos continuam sem ler. Continuam sem escrever. Continuam sem saber ligar duas ideias, distinguir uma premissa de uma conclusão, interpretar um texto com mais de três parágrafos. Mas têm tablets. Têm aplicações. Têm gráficos coloridos. E, claro, têm notas. Notas belas, puras, cem por cento aprovados como nas repúblicas onde os ditadores ganham por unanimidade e os cidadãos batem palmas com medo de desaparecer. A diferença é que aqui desaparece a verdade. E desaparece o futuro. E desaparece a dignidade da escola, substituída por este teatro de fachada que se apresenta, com orgulho, como sucesso.

E agora, expliquem isto a uma criança. Expliquem-lhe que estudou, que se esforçou, que aprendeu a pensar, mas que vale o mesmo que quem decorou dois resumos e copiou tudo do colega. Expliquem-lhe que as notas são todas iguais porque é mais fácil fingir que ninguém falha do que enfrentar a vergonha de termos deixado a escola tornar-se um cenário de mentira. E quando essa criança crescer e perceber que foi enganada, que não lhe ensinaram nada de verdade, não se admirem que perca o respeito por tudo o que lhe disseram ser "educação". Porque a verdade, por mais que se disfarce, acaba sempre por regressar. E cobra juros.

NOTA
Agradeço ao Amigo Nuno Morna a autorização para a publicação deste seu artigo. Revejo-me, totalmente, no seu pensamento. Parabéns, Amigo, precisamos, cada vez mais, de vozes lúcidas.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

"Inteligência artificial" ou desinteligência política?

 

Falam tanto de "transição digital"! Tal como assistimos a um tempo onde, volta e meia, lá vinha a história das "salas de aula do futuro", os "manuais digitais" (que muitos países já abandonaram) e até os projectos no âmbito da "robótica". Agora, o foco está na "inteligência artificial" (Dnotícias, 27 de Junho, página 3). Talvez porque interessa aproveitar a onda.



Ora bem, já tem muitos anos, um distinto colega de profissão, numa rotineira conversa sobre as nossas quase aflições no processo de aprendizagem, dizia-me, com a serenidade e o humor que lhe eram habituais, que o erro é viver-se de "fases masturbatórias"! De autohedonias, salientei. 

Numa aproximação ao sistema educativo, aquela metáfora trazia no seu bojo que nada parecia articulado num pensamento sobre o que se desejava no quadro de uma aprendizagem consistente e portadora de futuro. Eu diria, correspondente às tais três perguntas essenciais de todos os processos: onde estamos, onde queremos chegar e o que fazer para lá chegar? Quando isto não acontece, porque não se sabe ou, então, porque repetir é sempre mais fácil, ao jeito de um "funcionário-sinaleiro" dos papéis que chegam alinhados na pastinha de despacho, obviamente que o futuro de um sector fica, irremediavelmente, comprometido. Ser prospectivo é muito mais difícil. Isso obriga a olhar o mundo para além dos muros da escola ou do governo de turno. E só se antecipa o futuro quando se transporta um sonho e uma visão sustentadas no conhecimento científico. Quando a formação é débil e se associa ao desinteresse, nada a fazer, instala-se a rotina doentia e o marcar passo que faz desesperar quem deseje uma adequada resposta ao ritmo do mundo.

Há políticos que desenvolvem esta característica que mata o conhecimento e o desenvolvimento. Vivem de circunstâncias, de leituras e convicções superficiais, vivem dos casos do dia, o que os impele a falar, por dever de ofício, do que não sabem, sendo até aplaudidos, pasme-se, pelas banalidades disparadas perante plateias amorfas que também sabem como devem comportar-se. Não transportam mundo, porque tampouco o exercício da política os move para um diário questionamento sobre o que fazem ou determinam que se faça. Apenas lhes interessa ter nas mãos essa espécie de "controlo remoto" político, isto é, a "inteligente" manipulação sobre os demais. E aí, tendencialmente, esta subespécie da verdadeira política, sob a ilusória capa da democracia e da autonomia das escolas, subtilmente, persegue, gera o medo e até castiga quem lhes pareça dissonante. É sempre bom ter presente o caso do professor do Curral das Freiras...

O curioso, ou talvez não, é que este tipo de políticos que nos rodeia e inferniza, porque os interesses assim determinam, é colocada no altar com ladainhas que contrariam aquilo que, politicamente, foram ou são. Passaram-se dez anos na liderança de uma pasta determinante para o futuro colectivo e, perante o vazio de ideias, leio e ouço as vozes do costume, com línguas encostadas aos joelhos, tecerem rasgados louvores como se fosse a Madeira um território exemplo para o mundo. Nem estudam nem se dignam visitar outros espaços de referência para perceber como se prepara o futuro. E isso é arreliador.

Tanto que me apetece discorrer sobre este tema. Ficará para um outro momento. Mas sempre adianto que o problema do sistema educativo não se centra na "inteligência artificial", nas "salas do futuro", nos "manuais digitais" ou na "robótica". O problema do sistema reside em não definirem para onde desejam caminhar. O problema tem, assim, uma outra profundidade: é organizacional de sistema e de estabelecimento de educação, é de verdadeira e diferenciada autonomia, é curricular, é programático, é pedagógico e é social em função do que se esconde a montante da escola. Aspectos, entre outros, que determinam a urgência de colocar em debate aberto, distante de "achismos" e de convicções pessoais, a rede escolar, os conceitos de aula, turma, avaliação, a tipologia dos espaços de aprendizagem, o papel do professor que não deve ensinar, mas que tem o dever de fazer aprender, a também infernal burocracia de controlo, que bloqueia o tempo de aprendizagem, no essencial, compromete a existência de uma escola cultural que respeite os talentos e os sonhos que cada um transporta. É essencialmente isto que está em causa. O resto vem sequencial e naturalmente, o que exigirá a utilização das novas ferramentas colocadas ao dispor pela comunidade científica. Aliás, se a preocupação manifestada se relaciona com o crescimento, o desenvolvimento e, obviamente, com a economia, seria bom terem presente uma larga maioria de autores, pensadores, de grandes empregadores e até a OCDE entre outras instituições. Portanto, parece-me um logro desenhar o futuro a partir de impulsos.    

Mas, compreendo: se a sociedade está errada, a escola não pode estar melhor. Se o exercício da política é aquilo que é, não se pode esperar políticos com rasgo, eu diria com visão em função do mundo que está aí ao virar da esquina. É, por estas e muitas outras razões que, levianamente, se apregoam todas aquelas "preocupações" de natureza circunstancial, quando elas, à vista desarmada, percebe-se, que não se integram num projecto de pensamento mais vasto, sustentado, integrado, articulado e credível. Correspondem a ímpetos, às tais "fases masturbatórias" que, rapidamente, passam! Neste caso, nem fica o prazer pela escola! Que o digam os alunos e as estatísticas. Enfim, tenhamos presente que a Escola não existe para satisfação dos políticos, mas dos seus alunos e professores. Consequentemente, ela existe como combate à pobreza e para o desenvolvimento das regiões e do país.

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

O aluno não é uma nota


Na edição de hoje do Público li um artigo de Rita Simas Bonança, Educadora de Infância Especializada e Doutorada em Educação. Eu diria que a semana começou bem. Quantas vezes dou comigo a pensar na eventualidade do erro ser meu e de todos quantos se opõem a este sistema educativo que não respeita nem os talentos nem os sonhos que cada aluno transporta. Mas não, há muitos numa acção contínua a colocar em causa um sistema que mata a curiosidade, o pensamento e o conhecimento. Valeu a pena ler este artigo que começa com duas perguntas essenciais: "Quantas vezes vemos o sorriso de um aluno a esmorecer ao ver a nota? Quantas vezes os olhos de um professor denunciam a tristeza de saber que aquele número não traduz o que viu, sentiu e acompanhou?"



Clarifica a autora: "Estamos numa época em que termos como “personalização” e “inclusão” são quase slogans, usados para vender a ideia de uma escola mais humana — mas será que é mesmo assim? Em teoria, tudo parece perfeito: uma escola que respeita as diferenças, que vê o talento em cada criança, que acompanha os seus ritmos de aprendizagem. Mas chega o momento da avaliação — e, de repente, tudo se desfaz. O aluno deixa de ser aquela pessoa inteira, cheia de sonhos, dúvidas, medos e esperanças, e transforma-se num número frio numa pauta. Um número que pesa mais do que qualquer palavra de incentivo ou gesto de apoio."

E continua a perguntar: "(...) o que estamos a fazer aos nossos alunos quando lhes dizemos, todos os dias, que o seu valor está reduzido a um 12, a um 15, ou a um 18. Como é possível medir a aprendizagem com uma régua tão curta? Como medir o esforço silencioso de quem acorda todos os dias com medo de não ser suficiente? Ou a persistência de quem luta contra obstáculos invisíveis? É trágico — e, ao mesmo tempo, irónico — que a escola que proclama “cada aluno é único” trate todos como se saíssem da mesma fábrica. A nota, impessoal e impiedosa, transforma-se numa sentença final. Apaga histórias que ninguém vê, dificuldades que ninguém nota, pequenos grandes progressos que não cabem numa simples grelha. É como transformar a essência de uma pessoa numa etiqueta que nos diz... qual é o seu valor (...) A avaliação deveria ser um momento de partilha, de escuta, de crescimento — um espaço onde o erro fosse o ponto de partida para a aprendizagem, onde o esforço fosse reconhecido, onde se celebrasse o progresso. Em vez disso, tornou-se um processo mecânico e burocrático. Os professores, que tanto querem ouvir, compreender e apoiar, são pressionados por programas intermináveis e conteúdos demasiadamente complexos, muitos deles sem qualquer impacto na vida real dos alunos. Ensina-se para o teste, aprende-se para o teste, vive-se para o teste. E depois lamenta-se que os alunos não tenham criatividade, pensamento crítico ou paixão pelo saber. Como podem, se errar significa perder pontos? Se sair da caixa significa ser penalizado? Como ousar questionar, se a única resposta válida é aquela que cabe numa fórmula?

Ensina-se para o teste, aprende-se para o teste, vive-se para o teste. E depois lamenta-se que os alunos não tenham criatividade, pensamento crítico ou paixão pelo saber"


E sendo assim, torna-se muito clara a sua posição: "Há alunos que brilham em mil outras coisas: na oralidade, na expressão artística, na solidariedade, na persistência diária. Mas o sistema raramente os vê. O que conta é o teste, o resultado numérico, a resposta certa. O resto é “extra”, invisível e ignorado. O brilho de uma criança que domina a empatia e ajuda um colega, a força silenciosa daquele que vence a timidez para participar, a coragem de quem enfrenta dificuldades — tudo isso desaparece atrás da cortina dos números. Os professores são, muitas vezes, prisioneiros desta lógica. Querem ensinar, querem cuidar, querem dar tempo — mas não têm margem para isso. Avaliar devia ser um ato de coragem, um compromisso ético, uma tarefa humana. Exige tempo para ouvir, para entender, para ajustar. Mas o relógio corre e a máquina de números não espera. Quantas vezes vemos o sorriso de um aluno a esmorecer ao ver a nota? Quantas vezes os olhos de um professor denunciam a tristeza de saber que aquele número não traduz o que viu, sentiu e acompanhou?"

Termina com uma chamada de atenção: "É urgente mudar esta cultura de avaliação. Precisamos de um sistema que valorize a diversidade dos percursos, que reconheça o esforço, a criatividade e a resiliência, que permita errar para aprender, que não condene. Avaliações que sejam um convite para crescer e não uma sentença para desistir. A nota pode existir, sim — mas nunca pode definir um aluno. No fundo, o que realmente importa não é “quanto vale” um aluno numa escala de 0 a 20, mas como o ajudamos a valer-se por si próprio. A escola tem de ser um lugar onde cada criança se sinta vista, ouvida e valorizada. Onde a avaliação seja um meio para libertar potencial, não para aprisionar. Porque aprender é, acima de tudo, humanizar."

Obrigado Professora. Obrigado ao Público.

Ilustração: Google Imagens

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Revisão Constitucional - O Sistema Educativo

 

Face à nova composição da Assembleia da República e as posições políticas que por aí são dadas a conhecer, se outra crise não acontecer, presumo ser provável que, ao longo dos próximos quatro anos, seja desencadeada uma revisão da Constituição da República Portuguesa. Sendo assim, espero que os Deputados tenham o bom senso de não mexer nas matérias que constituem os alicerces da nossa vivência democrática. As maiorias de direita ou de esquerda, porque são sempre circunstanciais, não devem constituir-se como uma oportunidade ideológica, de conveniência ou moda, de destruição do edifício que muita luta e sangue custou aos portugueses. Confesso que estou céptico quanto a um desfecho banhado de sensatez e muito discernimento. Parece-me existir palavreado populista a mais e respeito pela Nação a menos. A seu tempo veremos.



Quedo-me, para já, no sector para o qual julgo estar minimamente habilitado: a Educação. 

Eu sou defensor de um país com três sistemas educativos: Portugal Continental, Região Autónoma da Madeira e Região Autónoma dos Açores. Não faz qualquer sentido, inclusive, no quadro do Estatuto Político Administrativo das regiões da Madeira e dos Açores, manter "As bases do sistema de ensino" (alínea i) no rol das matérias do Artigo 164º (Reserva absoluta de competência legislativa) da Assembleia da República. Nem como matéria de "Reserva relativa de competência legislativa" (Artigo 165º). Aliás, o Artigo 30º do Estatuto Político Administrativo da Madeira considera, na alínea o), como "matéria de interesse específico" a Educação pré-escolar, ensino básico, secundário, superior e especial.

Às regiões autónomas, por isso mesmo, porque são autónomas, deve a Constituição libertá-las de qualquer subordinação organizacional, curricular e programática. 

Na Suíça, este é um mero exemplo, o sistema varia entre as regiões, não apenas porque existem espaços de predominância linguística distinta, mas também porque a diversidade é tida como uma riqueza no quadro da descentralização. Todos convergem para o êxito da Suíça. Quanto à Madeira e aos Açores, não se trata propriamente de especificidades regionais, mas de respeito pela capacidade local autonómica em conceber e estabelecer um sistema público próprio de aprendizagem, consistente e portador de futuro. Não faz sentido que de Valença do Minho ao Corvo todos tenham de cumprir o que alguns impõem no Ministério da Educação ou na Assembleia da República.

O princípio deve ser este, a sua implementação prática é um outro e complexo trabalho. Aí exige-se que o sistema se abra a um alargado debate que envolva professores, pais, alunos, empresas, instituições; a família, as suas dinâmicas, as questões sociais e a organização do trabalho; os currículos, programas, horários, as centenas de metas curriculares; os conceitos de aula, de turma, de sala de aula, os tpc, as avaliações; a burocracia, o número de alunos por estabelecimento, a rede e a arquitectura dos espaços escolares; a violência NA escola e a violência DA escola… tudo, mas tudo deve ser reequacionado.

De resto, o sistema não é pertença do pensamento de um ministro ou de um secretário. A robustez do sistema está directamente proporcional ao que pode receber e oferecer aos outros sistemas e sectores de actividade e da ponderada avaliação que a todo o momento deve ser feita. Estão errados os que pensam que "se sempre foi assim, porque raio há que mudar?" ou, então, os que se consideram portadores de uma qualquer verdade e, por isso mesmo, se fecham nas suas torres de marfim. Por aí perde o país e perdem as regiões. Ora, se a Escola é para todos, tem de haver vários tipos de escola! Continuar a educar para o passado não me parece sensato, quando as próximas duas décadas vão sofrer uma profundíssima alteração em todos sectores e áreas de actividade humana. É com a IV Revolução Industrial que estamos confrontados e não com processos onde se deseja metê-los à força nos "cubículos convencionais de ontem" (Tofller). 

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 20 de maio de 2025

A Educação e o acto de decidir

 

Li, com muito agrado, o texto do Jornalista Roberto Ferreira, subdirector do Diário de Notícias da Madeira, publicado no dia das recentes eleições legislativas nacionais (18 de Maio, página 26). A determinada altura refere: “(…) Como se o êxito se resolvesse por feitiçaria. Urge contrariar esta crença e devolver à Educação o seu papel formador, com base na inteligência natural. Ensinar a pensar tornou-se urgente (…)”. Hoje, digo, que ele foi premonitório do que viria a acontecer na distribuição dos mandatos.



Obviamente que, no plano democrático, há que aceitar o sentido de voto dos portugueses. Porém, num quadro alargado de causas, de origens muito remotas, que agora causam espanto a muitos, ao jeito de “como foi possível?”, há uma causa estrutural e essa reside na importância do papel da escola na formação de base. O que o Jornalista quis dizer, e bem, pelo menos assim interpretei, é que esta formação de natureza enciclopédica é inconsequente e está morta. Não serve a ciência nem a vida real. “Ensinar a pensar tornou-se urgente”. E esta escola não ensina a pensar, ensina a repetir. E avalia quem repete bem!

Rubem Alves (1933/2014), notável pedagogo de reconhecimento internacional, enalteceu que a “primeira missão do professor não é a de oferecer respostas prontas, mas a de fazer pensar”. Quando a estrutura da educação assenta na curiosidade e no pensamento, a capacidade das pessoas torna-se mais consistente em todas as áreas de intervenção, inclusive, quando são chamadas a decidir. O problema é que a escola está, claramente, divorciada do pensamento, porque há programas e extensas metas curriculares a cumprir, porque se confunde política com actividade partidária, porque, grosso modo, os professores têm medo das abordagens que possam colidir com as estruturas hierárquicas políticas ou não, e porque se assiste, entre muitos aspectos, à negação de uma verdadeira, livre e autónoma cultura de escola. Nem as tais "aulas" de Cidadania e Desenvolvimento atenuam as fragilidades de pensamento. 

Um pouco por tudo isto, ainda ontem li, no mesmo Diário, as declarações de uma eleitora que, questionada, relativamente ao sentido de voto, disse: “(…) É sempre o mesmo enquanto for viva”. Como se o acto da decisão política, que tem influência directa na vida de todos, fosse exactamente igual às cores de um qualquer clube que, por uma ou outra razão, gostamos.

“Ensinar a pensar” nunca se tornou tão urgente, quando se olha para uma onda mundial que rasga princípios e valores humanistas; quando temos presente as redes que, pela repetição, promovem e geram a opinião distorcida; para painéis de comentadores, escolhidos a dedo, para formatar consciências; quando se olha para o enorme desencanto das populações, porque os políticos desligaram-se da realidade sentida, pois bem, só através da Educação, entendida como cultura, podemos, a prazo, não andar para aí a “chorar baba e ranho”.

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 4 de maio de 2025

Colecção Vidas (des)conhecidas - Padre José Martins Júnior


Numa edição da CADMUS (uma marca da Associação Académica da Universidade da Madeira) foi ontem apresentado o livro que espelha, naquilo que é essencial, a vida e obra do Padre José Martins Júnior. Um texto de Cristina Carvalho e ilustrações de Rafaela Rodrigues (ambas no canto superior direito da foto). Os testemunhos que ali escutei, confesso, emocionaram-me, pelas narrativas genuínas de quem foi tocado pelo Homem de cultura transversal. "(...) Serão sempre poucos os livros e documentos publicados sobre o Padre Martins. Porque a sua presença foi daquelas que não cabem bem em páginas, mas sim nas memórias, nos gestos, nas sementes que deixou em cada um de nós. Fará sempre sentido que se fale sobre ele, sobre a sua marca nas pessoas e nesta Terra que tanto amou". - Cláudia Carvalho.




Três figuras apresentaram a Obra. 
Cláudia Carvalho, Fisioterapeuta, enalteceu a sua participação na Tuna criada pelo Padre Martins Júnior: (...) É sabido por todos a importância que esta tuna teve e tem ainda hoje na nossa comunidade, por tantas razões, mas, essencialmente, pelo conhecimento musical que foi possível passar a crianças e jovens que não teriam outra forma de recebê-lo. Aprendi a tocar bandolim na tuna e sendo eu esquerdina — como mais três colegas na altura — fomos apanhados naquela encruzilhada clássica: tocamos também com o braço do instrumento para o mesmo lado, como é típico noutras tunas ou orquestras se pensarmos noutros instrumentos, ou mudamos a nosso favor? Com o Padre Martins a resposta foi simples. Em vez de nos obrigar a tocar como os restantes, ele deu-nos liberdade. Literalmente, a liberdade de inverter o bandolim e tocar à nossa maneira. E nós, quatro jovens músicos esquerdinos, lá estávamos, a tocar com a mão esquerda como se fosse a coisa mais natural do mundo — e com ele a achar imensa graça àquilo também porque já nos confidenciou: que adorava ser também esquerdino ou talvez porque, sendo um homem de convicções fortes — e, digamos, tendencialmente à esquerda —, via em nós uma espécie de revolução musical. Mas no fundo, deu-nos uma lição de pedagogia, ele via as pessoas como eram e não como "deviam" ser. O ensino musical que nos ofereceu foi isso mesmo — uma lição de inclusão, criatividade e identidade. (...) Mas não foi só na música que o Padre Martins marcou a diferença e já que hoje é sobre um livro que nos juntamos aqui, não posso deixar de lembrar um verão, tínhamos talvez entre 9 e 12 anos, e juntávamo-nos no salão paroquial com o pe. Martins, não para ensaiar nem preparar apresentações, mas simplesmente para ler, escrever e conversar sobre isso. Criámos uma espécie de clube de leitura e oficina de composições, onde escolhíamos um tema e partilhávamos ideias, como gente grande. E ele, no meio de mil responsabilidades, recebia-nos com gosto, sem pressas, só porque acreditava que merecíamos aquele espaço. (...) Hoje, percebo como esses encontros plantaram sementes. Porque ler, escrever, pensar em conjunto — tudo isso também nos foi ensinado por ele, mesmo quando não havia palco, nem microfone, nem aplausos no final. Só a presença. (...) Lembro-me, ainda de um evento muito especial: o nosso Parlamento Jovem. O Padre Martins lançou a ideia — cada um de nós, como um pequeno deputado, apresentava e defendia uma proposta. Escrevemos os nossos textos e levámos a sério o papel na defesa dos direitos da criança. Ele estava a ensinar-nos a pensar, a falar com propósito, a escutar os outros. No fundo, deu-nos ferramentas e, mais do que isso, deu-nos voz — e a certeza de que valia a pena usá-la. Ele criou um espaço onde o diálogo, a escuta e o pensamento crítico eram levados a sério, mesmo entre crianças. E isso, para muitos de nós — especialmente os que em casa não tinham tanto espaço para conversar, questionar ou discordar — foi uma verdadeira escola de cidadania. (...) 

A Professora Madalena Franco referiu-se assim:

"Com o Padre Martins despertei para a atividade cultural, para a música, para o teatro, para o exterior… para o mundo! Nas décadas de 80/90, nas atividades dos domingos culturais no palco aberto da Ribeira Seca, com teatro de improviso, simulação de programas de televisão, encenação de cenas do quotidiano, desporto, jogos de animação… muita atividade! Por essa altura houve concertos …Trovante, Júlio Pereira, Amélia Muge … era o mundo que vinha ter connosco!! Por essa altura foi formada a Tuna de Câmara de Machico e foi o despertar para os clássicos da música … para a beleza da música! Mozart, Strauss, Beethoven… Música que nos levou a atuar no hotel Atlantis e no Natal dos hospitais! Depois lançou-nos novo desafio: o teatro, teatro mais sério…Tchekhov! E encenou O pedido de casamento. Representamos em S. Roque e no Funchal. Nós, uns jovens da Ribeira Seca, a representar Tchekhov! Uma semente que mais tarde daria início ao Grupo de teatro A Lanterna! Já como presidente da Câmara de Machico, financiou uma formação em teatro com o António Plácido e foi aqui, que muitas vezes ensaiávamos, representamos e declamamos na escadaria e no átrio da escadaria da Câmara!
Relembro com carinho, que em dada altura o Senhor padre dava aulas de Português no liceu e entre ensaios da Tuna, ouvíamos excertos dos Maias, dos heterónimos de Fernando Pessoa…aí percebi que era um privilégio aprender daquela forma!...que pedagogia, que sensibilidade dava aos textos do Eça, aos poemas de Cesário Verde! A sagacidade de pensamento, a crítica e o humor, sempre presentes naquelas tardes e noites em que éramos jovens com vontade de viver, e que entre músicas, leituras e conversas, perspetivávamos o nosso mundo, pelas mãos deste senhor, o padre Martins!
Para além desta atividade cultural em que me vi envolvida, fui também contagiada pela clarividência, pelo humanismo, pela LIBERDADE de pensamento e ação que fui colhendo nestas atividades da igreja – atrevo-me a dizer que, tudo aquilo que foi novidade para a maioria das pessoas com o Papa Francisco, eu ouvi desde sempre: pensamento ecuménico dos valores da Igreja, da validade das outras religiões no contexto mundial, o valor e o sentido do perdão, esse perdão que deve ser pedido ao próximo, àquele que ofendemos, e acolher TODOS, todos, todos! Que devemos ser responsáveis pelas nossas ações… Que Cristo é amor e perdão e não um deus de medo e punição. Que Cristo também é liberdade e amor e que o reconhecemos no nosso próximo.
Mais tarde, já bem mais adulta, os ciclos temáticos das Missas do Parto eram verdadeiros seminários! Com temas atuais, desde o Ambiente, Educação, o Mundo Atual…uma pedagogia para todos! Durante as suas homílias, falou muitas vezes de educação e apelou a que os pais estivessem atentos à educação dos seus filhos e que ouvissem e respeitassem os professores.
Que este livro seja também uma inspiração para os mais novos…que sigam os vossos sonhos, que sejam criativos e que se envolvam em atividades com a comunidade!"

Finalmente, Cheila Martins, Psicóloga, disse:

"Com um olhar atento, com uma palavra firme e uma alma feita de entrega, cultivou a consciência de um povo, despertou-lhes coragem, distribuiu o saber onde existia ignorância e semeou a esperança, onde tantas vezes reinava a resignação. Foi nos passos do Pe. Martins que encontrei chão, foi pela sua voz (pela sua verdade) que aprendi a questionar aquilo que tantas vezes o tempo tenta calar. Aprendi que a verdadeira autoridade está precisamente na coerência entre o que se diz e o que se vive. Ele mostrou-me o que é educar pela arte, com um carinho incondicional, mas com a firmeza de quem luta sem perder a esperança de quem “luta sempre, sempre de pé!” Conhecer a vida do Pe. Martins é descobrir que a grandeza não está nas palavras ocas, mas na ação consequente. É perceber que as pessoas grandiosas são aquelas que, tal como ele, servem sem esperar aplausos, lutam sem esperar recompensas. As suas palavras ainda nos desafiam, os dias ímpares são ainda mais ricos, as suas canções ainda nos elevam. A sua presença continua a viver em cada gesto de cidadania ativa, em cada aula onde se ensina com paixão, em cada grupo que canta e dança não apenas por gosto mas por justiça porque “lutaremos cantando a vida inteira, à conquista do nosso lugar!"




Três intervenções que me encheram de alegria e de emoção, porque ali está o retrato, não apenas do Padre e lutador pela felicidade de todos, mas o Professor e o verdadeiro Pedagogo que deixa sementes para a VIDA.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

O drama de uma morte e as razões escondidas a montante

 

Uma criança de 12 anos, alegadamente, colocou termo à vida. A investigação determinará as causas desta trágica morte. Dizia-se vítima de "bullying" na escola que frequentava. Um desastre seja qual for o prisma de análise. Neste momento, mais do que qualquer outro comentário, importa, pois, abraçar, solidariamente, a família.



Quando li a notícia, fechei os olhos e um turbilhão de pensamentos invadiu-me. Onde residirão as causas? Na família, na escola, na sociedade, neste mundo absolutamente disparatado e assimétrico que estamos a viver? Talvez estejamos face a uma responsabilidade dividida. Todos somos cúmplices de situações desta natureza. Portanto, repito, a hora é de investigação séria e não de opiniões ou especulações sem fundamento. 

Entretanto, li a posição de um partido político que reivindica a colocação de mais psicólogos nas escolas, porque "(...) não basta lamentar depois da tragédia. Enquanto as nossas escolas continuarem sem os meios necessários para garantir apoio psicológico eficaz, continuaremos a falhar às nossas crianças. Ter psicólogos escolares em número suficiente não é um luxo, é uma urgência (...)".

Ora bem, entendo que o problema, sendo tão grave, não se resolve ou atenua com, permitam-me a expressão, "um penso político rápido" que não esbate, sequer, a profundidade da ferida que, aliás, há muito sangra. Numa aproximação ao provérbio chinês, quando se aponta para a lua temos de ver para além da ponta do dedo. Logo, no caso em apreço, é dever de todos olharmos para montante da tragédia. Só por aí podemos encontrar as respostas consistentes que, tendencialmente, evitem dramas como este. Dizia e bem, ainda hoje, o Vereador da Câmara Municipal do Funchal, Engº Miguel Silva Gouveia, "(...) quando uma criança parte desta forma tão dolorosa, é toda a cidade que sofre". Exacto. E a cidade (a sociedade) são as famílias, os estabelecimentos de aprendizagem, a sua organização, os princípios e os valores que as orientam, as suas debilidades a todos os níveis e as políticas que visam combater as injustiças sociais e a respectiva saúde mental de todos.

Neste quadro de pensamento sobre as adequadas respostas, obviamente múltiplas e complexas, permito-me, por momentos, situar-me no espaço escolar, porque o conheço, pois foi nele que exerci a minha profissão durante algumas décadas, testemunhando situações, desabafos e acontecimentos, alguns comoventes. Ora, em síntese, enquanto a escola, do ponto de vista organizacional continuar a ser aquilo que é, enciclopédica, burocrática, programática e desligada da vida real, continuaremos a assistir a dramas, uns que nos esmagam completamente, outros, menos graves, é certo, mas que são de um enorme sofrimento. 

É, por isso, que olho para este sistema educativo, que se diz inclusivo, e nele vejo um claro factor de exclusão social.

Ora, num contexto muito complicado, a presença de psicólogos, só por si, desligados de todas as outras variáveis, concretamente, as políticas de família, de habitação, de saúde, de mentalidade cultural, as relacionadas com o mundo laboral, onde se inserem as políticas salariais, tais especialistas, por maior que seja a sua vontade, rigorosamente nada resolverão. Está em causa a construção inteligente e articulada de toda a sociedade. Não actuar a montante significará atenuar consciências, jamais os dramas que, de quando em vez, continuarão a massacrar-nos.

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 13 de abril de 2025

A Justiça e a Cidade Ideal

 Por 

Liliana Rodrigues
Professora Universitária (UMa)

Na obra “A República”, de Platão, encontramos a descrição da Cidade Ideal que, goste-se ou não, está ordenada de forma harmoniosa. Pelo menos, segundo os critérios de Platão. Esta construção social, na lógica do filósofo da Grécia Antiga, tem por base a Razão, enquanto faculdade superior do humano.




A cidade está organizada em três classes sociais, cada uma correspondente a uma parte da alma humana: 1. Governantes, dominados pela Razão – são os filósofos-reis, sábios e racionais; 2. Guardas, cobertos pela Coragem – defendem a cidade e mantêm a ordem. Precisam de coragem e disciplina, sendo educados para a obediência aos governantes e os 3. Produtores, influenciados pelo Desejo – agricultores, artesãos e comerciantes. São os produtores que devem garantir o sustento da cidade, guiados pelo desejo moderado de riqueza.

Não quero discutir as questões de reprodução social, cada vez mais marcantes na sociedade contemporânea. Em todas as sociedades a Justiça tem um papel fundamental. Na Cidade Ideal, a Justiça acontece quando cada classe faz aquilo que lhe compete, sem comprometer as funções das outras classes. Isto é, cada um faz o que lhe é devido para garantir a harmonia social e ninguém está acima ou abaixo de nenhum outro cidadão. Além disso, Platão defende a educação para a Justiça com o objetivo de construir uma comunidade que evita interesses pessoais e que promove o bem comum. Podemos, então, repensar sobre que papel teria a educação naquela altura e que lugar ela ocupa hoje. Que tarefas mais teremos de dar aos professores e se serão apenas eles a suportar o peso de educar para a Justiça. Acrescentaria: até onde estamos disponíveis para educar líderes justos.

Já aqui ocorre a dificuldade: é que o papel da educação nas sociedades contemporâneas depende das lideranças que temos e do que querem elas construir a médio e a longo prazo. Nunca tivemos tantas instituições de ensino disponíveis. Por outro lado, nunca tivemos tanto desinteresse por elas como agora. Terá esta crise alguma relação com a desvalorização da dignidade humana e da Justiça?

Eu estou a demorar nesta reflexão sobre o mundo, que estamos a construir para vivermos e deixarmos a outros, porque queria tentar perceber o que levou três jovens a violarem uma rapariga de 16 anos. A filmarem. A colocarem nas redes sociais. Milhares de cúmplices viram e reviram, e não fizeram queixa a ninguém. Ficaram a ver, como se não fossem imagens de um mundo real. Com homens reais. Com uma mulher violentada sistematicamente durante dias. Semanas. A violação não acabou na garagem. Começou lá e estendeu-se nas plataformas de “convívio social”. O mundo das partilhas é de uma crueldade atroz. Garante a memória eterna. Que Justiça é esta desta “Cidade”?


Este é “mais um caso”. Mais um em tantos outros, em que as cidades deste mundo não conseguem ter mão. Em Itália, duas jovens foram mortas à luz do dia. Esfaqueadas. Chamam-lhes de stalkers. Pessoas que perseguem outras pessoas de forma obsessiva. Insistente. Gente que, por alguma razão, foi recusada. E há tanta maneira de perseguir. Os tiques de malvadez são aprumados e requintados com adulações de quase cientificidade, ou de baixeza evidente. A Lei da Cidade parece não nos proteger.

Talvez seja o tempo da Justiça. Do debate sobre ela. Da certeza de que os governantes da Cidade Ideal de Platão irão proteger todos os cidadãos e os seus guardas irão chegar a todos, inclusive os que foram cúmplices em ver e nada fazer.

Itália tomou uma decisão: propõe a prisão perpétua para o femicídio. Ou seja, temos de legislar para dizer o seguinte: não matem as mulheres pelo facto de serem mulheres. Conhecem o grau zero da doutrina em Direito e do valor da Justiça? Aqui têm. Se a Lei não serve como instrumento de dissuasão para onde vamos? Vale a pena ler “Dos Delitos e das Penas”, de Cesare Beccaria. O debate que nos obriga a fazer representa um diálogo para a compreensão da justiça. Ao colocar a razão, a humanidade e a função social da Lei no centro do debate, Beccaria lança as bases para um sistema mais justo, proporcional e voltado para a prevenção. Foi daqui que, na contemporaneidade, nasceu a base fundamental da Educação para a Justiça. Uma Cidade Ideal é uma Cidade Justa. Não há Justiça quando metade da população deste mundo não está em segurança: as mulheres.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Por uma Escola (re)inventora da sociedade

 

A Educação preocupa-me. Os constantes relatos que nos chegam, as séries de televisão caracterizadoras de uma significativa parte da juventude sem rumo, a intolerante violência que cresce potenciada pelas redes sociais e por uma ausência de princípios e valores estruturantes do ser humano, as múltiplas dependências, das tecnológicas a todas as outras, o desejo de viver intensamente como se não existisse amanhã, a limitada presença dos pais por desestruturação do mundo laboral, a pobreza, alguma "bem disfarçada", o sistema organizacional das escolas, mais preocupado com um falso conhecimento programático do que com a formação global, onde se enquadra o desrespeito pelos talentos e sonhos que cada um transporta, o esfumar do rigor, da disciplina conquistada pela compreensão das pessoas, enfim, tudo isto e tanto que facilmente se descobre nesta ferrugenta engrenagem social, só pode constituir motivo de preocupação. 



No entanto, teimo em seguir uma perspectiva optimista, com o sentimento que, mais cedo que tarde, talvez possamos assistir ao recentrar dos inúmeros desconfortos e prognósticos de falência. Alguma coisa terá de ser feita e leva muitos anos. Talvez tantos quantos nos trouxeram até aqui.

É óbvio que se a sociedade não está bem, a escola não pode estar melhor. Apesar dos sucessivos alertas, fomos assistindo, impávidos, a uma suave derrapagem que conduziu, salvo muitas excepções, a uma geração que, genericamente, espelha o que os políticos ofereceram a pais e avós nos últimos cinquenta anos. "Ninguém pode dar aquilo que não tem" e isso explica o círculo vicioso onde mergulhámos. Vivem-se tempos pantanosos que muitas famílias não contornam e, talvez, não saibam como combater, tampouco a escola tem sido incapaz de contrapor. Em linguagem informática, este perfeito "cocktail" só podia dar "erro". Só por aqui, a título de exemplo, são cerca de seis mil os jovens que não trabalham nem estudam (10,5% - população entre os 16 e 34 anos). Dramático!

O problema é que, face a um quadro angustiante, não são observáveis políticas, gerais e específicas que, a prazo, resultem numa sociedade mais culta, mais trabalhadora e profissionalmente mais competente, mais equilibrada, mais criativa e inovadora, menos dependente seja do que for, enfim, mais feliz. 

A mudança, essa, como todos sabemos, só pode começar por uma eficaz sementeira na escola e em políticas muito profundas a montante da escola. Como? No sector da Educação, desde logo, dizendo não a este tipo de aprendizagem enciclopédica, igual para todos quando todos somos diferentes, mas valorizando, na substância, o pensamento. Como disse o Professor Miguel Tamen: "ensinem-lhes a pensar, ensinem-lhes coisas diferentes e não fiquem ansiosos com o mundo real", porque desse mundo real, dizem os empregadores, "tratamos nós". É um absurdo partir do pressuposto, quase radical, que à escola deve competir a solução ou satisfação "das necessidades práticas ou contingentes", como sublinhou o Professor António Feijó. Neste tempo, onde tudo é volúvel e inconstante, a aprendizagem deve então situar-se no espaço do que é intelectualmente interessante e motivador. O resto flui, naturalmente, quando existe uma ideia de escola não conservadora? Ora bem, a questão que se coloca é, pois, entre um sistema focado em olhar para dentro e numa imbecil aposta em profissões que, tendencialmente, vão deixar de existir, e um outro que olha para o mundo e cria mundo aos jovens. 

A escola tem de ser fermento de e para a vida. E não tem sido. Não é. Aliás, não se trata de um tema novo, consequência daquele conjunto de preocupantes factos com os quais somos, diariamente, confrontados. Não é necessário ir ao encontro de Sócrates ou de Platão (400 aC - "segundo Sócrates, ele nada ensinava, apenas ajudava as pessoas a tirarem de si mesmas opiniões próprias e limpas de falsos valores, pois o verdadeiro conhecimento tem de vir de dentro, de acordo com a consciência", não é necessário ter presente Erasmo ou Montaigne (Século XV - para M. Montaigne "uma cabeça bem feita vale mais que uma cabeça cheia", mas ler, por exemplo, Johann Pestalozzi (Século XVIII) que tanto falou de "criatividade e autonomia"; de Vygostsky, que salientou que aprendizagem é um processo interactivo; ter presente o pensamento pragmático de John Dewey; Célestin Freinet, um crítico da escola tradicional, das suas regras rígidas da organização da aprendizagem; mais recentemente Alain, Maria Montessori que uniu o mundo externo e interno à criança e ao jovem, Piaget, Carl Rogers, Paulo Freire, as profundas reflexões de José Pacheco, Sampaio da Nóvoa, Sérgio Niza ou de Carlos Neto, este que é, indiscutivelmente, uma referência mundial em estudos sobre a formação dos jovens. A listagem é infindável.

Junte-se a tão extensa bibliografia, que a formação inicial de professores dispõe, as reflexões de muitos filósofos. Não esqueço o notável Edgar Morin, hoje com 103 anos, que sobre a Educação continua a dizer que "temos de educar os educadores", para este novo tempo, ou, então, ter presente a Obra daquele que foi meu Amigo, Filósofo, pensador à escala mundial, Manuel Sérgio, falecido o mês passado, que um dia, na minha casa, em redor de um petisco, foi claro: "os professores têm de deixar-se fecundar pelas ciências humanas" e não, apenas, pela especificidade da disciplina que leccionam. E fazendo suas as palavras de Abel Salazar, Patrono do Instituto de Ciências Biomédicas, referiu-me que "um Professor que só sabe da sua disciplina nem da sua disciplina sabe!"

Ora, pergunto, os políticos com responsabilidades no processo educativo não dominam estas questões básicas? Entre muitos outros, não viram ou perceberam o filme dirigido por Peter Weir, em 1989, intitulado no original "Dead Poets Society"? Continua disponível, basta querer espreitá-lo. Ou, mais recentemente, não seguiram a notável série televisiva Merli, onde o protagonista refere que "há qualquer coisa de podre na educação"? De facto, há uma clara ausência de uma prática alicerçada numa teoria que vem de longe. Dir-se-á que os pensadores, investigadores e autores foram atirados para a prateleira. Servem para algumas citações, porque fica bem, mas logo regressam à estante que embeleza mas não transforma.

E assim chegámos a um tempo, de algum caos, onde, tantas vozes o dizem, estamos a matar a infância, o crescimento sustentado e a comprometer o futuro. Começa logo nas primeiras idades. O psicólogo Eduardo Sá, na antiga revista Focus, foi muito claro: "As crianças estão em vias de extinção (…) cada vez mais as crianças não são crianças (…) e o que me preocupa é que mais escola, como ela está a ser vivida, signifique menos infância e quanto menos infância, mais nos arriscamos a construir pessoas magoadas com a vida”. No fundo, ele fez eco do que outros já tinham enaltecido: "quanto mais longa e mais rica for a infância, mais saudável será a adultez". Só isto implicaria pôr tudo em causa. Que raio andamos a fazer? 

O problema é a latente ignorância altifalante que conduz a uma chocante surdez política. O Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio disse e bem que, hoje, as crianças, desde as primeiras idades "transportam um adulto dentro de si". Estão a deixar de ser crianças e jovens, porque nós adultos temos uma tendência para tudo exigir, controlar e de impor o que nos parece importante. Começa logo nas primeiras idades e prolonga-se pelas mais velhas, no pressuposto político que tem de ser a Economia a impor a estrutura e o ritmo das aprendizagens, embora de forma contrária à ciência, quando se fala do acto de aprender.

Segue-se, agora, mais uma legislatura que, estou convencido, corresponderá à continuidade da política vigente. Uma política sem rasgo, sem pensamento prospectivo, que funciona administrativa e rotineiramente. Por dois motivos: porque "para quem só tem um martelo por instrumento, todos os problemas parecem pregos" - Mark Twain; depois, porque quem se habituou a repetir, dificilmente podemos esperar, no futuro, resultados diferentes dos de hoje. Na esteira de Peter Drucker não os vejo "preparados para abandonar tudo ou, então, desertar do barco". 

E, entretanto, promovem-se tantas formações destinadas a professores. Ocupam-se dias a escutar especialistas, batem-se efusivas palmas e, no final, tudo continua no tal pântano, onde uma minoria sobrevive e escapa! Nem reflectem que uma formação só tem sentido se ela transportar a preocupação da mudança. 

A escola tem de ser reinventora da sociedade, porque passámos da sociedade da manufactura para a sociedade da mentefactura, na feliz síntese de Luís Cardoso. Por isso, seguindo a palavra do Filósofo Henry Bergson (1859/1941), o sistema educativo precisa de alguém que saiba "agir como Homem de pensamento e pensar como Homem de acção". E, para isso, das leituras cruzadas e da História deste processo, nós não dispomos, neste quadro de governação, quem o faça. O erro, portanto, penso que reside aí, na incapacidade de ser humilde para reflectir o sistema, abrindo-o ao debate, para que possam ser geradas políticas que produzam resultados de acordo com o mundo que nos coube viver. Não estamos preparados para os desafios das próximas décadas. Apesar disso, repito, há que manter a esperança que a lucidez chegue.

Ilustração: Google Imagens.