Presumo ser conhecido o meu posicionamento sobre o Sistema Educativo. Há muitos anos que escrevo e publico. Ora, entendo que a Região Autónoma da Madeira, também há muito, perde tempo, mata talentos e bloqueia sonhos. E a Madeira podia ser um espaço territorial de referência face ao reduzido número de alunos (cerca de 38 000). Não é. Mas que fique claro que apenas tenho uma opinião e que respeito muitas outras. Só o debate é que pode ser clarificador e definidor de um caminho. O que me faz ter uma leitura dissonante sobre este sistema, são os resultados que, sistematicamente, são do conhecimento público através de estudos realizados. O que me move são os investigadores, pensadores e autores que leio ou ouço. São esses, no confronto entre o paleio político-partidário e o conhecimento científico que me fazem ter uma opinião.
A Região tem uma nova secretária para os assuntos da Educação. Sem qualquer outro fim que não o de contribuir para a reflexão e saber ao que vem, sinceramente, gostaria que a novel secretária respondesse, apenas para si própria, às 60 questões que aqui deixo, entre tantas outras que podia elencar, onde excluo, intencionalmente, as da esfera meramente administrativa e sindical. Esses são outros âmbitos que, por agora, não me interessa intervir.
Aqui ficam as 60 perguntas para reflexão, ao correr do pensamento, portanto, sem qualquer ordem sequencial:
01. Qual a sua posição de princípio: “Os alunos são máquinas de habilidades” – Gary Becker, Nobel da Economia - ou o aluno não é, desde logo, uma mercadoria económica?
02. Para si a educação é uma corrida ou um projecto de vida?
03. Aceita (e como) debater, com responsabilidade e profundidade, a autonomia da política educativa das regiões e dos estabelecimentos, em sede de revisão constitucional? (Artigos 164º e 165º da Constituição – Reserva de competência legislativa absoluta da República e Reserva de competência legislativa relativa, respectivamente)
04. Onde se situa: há professores a menos ou sistema educativo a mais?
05. O que pretende fazer face a resultados que salientam que apenas cerca de 14% das raparigas e 11% dos rapazes afirmam gostar da escola (Estudo internacional de 2016 – Margarida Gaspar de Matos/FMH – Educare.pt;
06. Qual a sua leitura resultante do facto de 70% dos professores estarem em exaustão emocional (na Madeira, 75%); 22.000 tomarem medicação a mais e 84% desejar reformar-se? (Estudo sociológico da Doutora Raquel Varela)?
07. Que leitura faz do facto da população portuguesa, entre os 25 e os 64 anos, cinquenta anos depois de Abril, não possuir o ensino secundário; 38% concluíram apenas o 9.º ano ou abaixo, quando a média da OCDE é de 19% (...)"?
08. Que leitura faz do facto de 40% dos adultos só conseguirem compreender textos muito simples e resolver aritmética básica no seu dia-a-dia?
09. O que pensa de apenas 23% dos jovens entre os 25 e os 34 anos, cujos pais não têm o ensino secundário, conseguirem concluir o ensino superior, ao passo que essa proporção ascende aos 73% no caso dos jovens cujos pais têm formação superior?
10. Que causas considera para que 41% dos jovens diplomados revelarem ter apenas competências para ler textos simples e fazer interpretações básicas? (De 5 a 7, fonte OCDE)
11. Como pretende resolver o facto de 25% dos alunos do 5º ao 12º ano apresentarem, no quadro organizacional deste sistema, um significativo mal-estar psicológico?
12. Como resolverá a situação de mais de 6 000 jovens que não estudam nem trabalham?
13. Como pretende actuar perante um quadro onde se “ensina para o teste, aprende-se para o teste, vive-se para o teste. E, depois, lamenta-se que os alunos não tenham criatividade, pensamento crítico ou paixão pelo saber"? – Rita Bonança, Doutorada em Educação.
14. Qual a sua posição relativamente a um sistema que atribua ampla autonomia aos estabelecimentos de aprendizagem (não autonomia mitigada ou faz-de-conta) capaz de diferenciar estabelecimentos na sua organização interna, ambiente curricular, programático e pedagógico?
15. Que mudanças irá operar para que se altere o facto de, em média, no quadro deste sistema, 90% do que, pressupostamente, um aluno aprende numa aula, esqueça em cerca de 30 dias? – estudo do Professor César Bona.
16. Qual a sua perspectiva de uma escola que não mate o talento e o sonho que cada jovem transporta?
17. Onde se situa: a função do professor é a de dar respostas prontas, seguindo os manuais, isto é, ditar pensamento ou, por outro lado, ensinar a pensar, provocar a inteligência, o espanto e a curiosidade? – Síntese entre Carbonell (Pedagogias do Século XXI) e Rubem Alves.
18. Qual a sua posição estrutural na conjugação curricular, programática e pedagógica: “Uma cabeça bem feita vale mais que uma cabeça cheia” - Filósofo Michel de Montaigne (1533/1592).
19. Que posição assume perante esta investigação: "(...) O sistema actual, baseado no desempenho em testes e exames pode prejudicar muito a formação de grandes pensadores (…) Este ensino promove um verdadeiro extermínio de grandes mentes (…) – Deborah Stipeck, estudo ao longo de 35 anos, publicado na revista Sciense.
20. Para si é verdade ou não que "A escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito"? – síntese do Catedrático Joaquim Azevedo – Universidade Católica.
21. Entende que é preciso educar os educadores? – Segundo Edgar Morin.
22. Admite ou não, tendo presente os resultados, que o actual sistema educativo é, hoje, tendencialmente, um factor de exclusão social, não de inclusão?
23. Considera ser ou não verdade o que os alunos dizem: "O sistema olha-nos como um recipiente onde se introduz conhecimento (...) as pessoas ali não pensam, as pessoas ali decoram (...) estamos a estudar para ranking's não para o conhecimento (...)"?
24. Para si, o actual sistema é castrador do pensamento?
25. Considera ou não que, hoje, desde as primeiras idades, as crianças e jovens não são vistos como "sujeitos" da aprendizagem, mas "objectos" do sistema?
26. Qual é a sua posição de princípio: as crianças devem agir como parte do rebanho ou começarem a pensar pelas suas próprias cabeças?
27. Qual a sua opinião sobre a Escola a Tempo Inteiro. Ela é ou não, por extensão, indutora de pais a meio tempo?
28. Sim ou não: a Escola a Tempo Inteiro constitui um óptimo contributo para a desregulação dos horários de trabalho dos pais.
29. Concorda ou não com a posição do Psicólogo Eduardo Sá: retirámos as crianças do trabalho para lhes devolver a infância, depois empanturrámo-las com escola.
30. O que pensa fazer para que o tempo de infância seja respeitado?
31. Na sua opinião há ou não que reorganizar a sociedade em todos os sectores, áreas e domínios em parceria com todos os outros sectores da governação?
32. Aceita abrir ao debate público todo o sistema, envolvendo professores, pais, alunos, empresas e instituições?
33. Aceita debater a família, as suas dinâmicas, as questões sociais e a organização do trabalho?
34. Como irá combater o desinteresse das famílias pela Educação?
35. Aceita debater os currículos, programas, horários e as centenas de metas curriculares inúteis?
36. Aceita debater novos conceitos de aula, de turma, de sala de aula, os tpc, as avaliações e aferições?
37. Qual é para si o tempo suficiente de permanência no espaço escolar, quando, por exemplo, as crianças finlandesas passam, na escola, cerca de 40% menos tempo do que as portuguesas e, no entanto, conseguem melhores resultados?
38. Aceita debater a burocracia que enferma todo o sistema?
39. Aceita debater a rede escolar?
40. Aceita debater a ultrapassada arquitectura dos espaços escolares?
41. Aceita ou não que, na aprendizagem básica, seja eliminado o pensamento fragmentado (as disciplinas do currículo) porque “(…) As redes neuronais funcionam com a associação de ideias, não com temas estanques (...) – Salman Khan.
42. Aceita ou não debater os actuais ciclos de aprendizagem em contraponto com doze anos de escolaridade contínuos (sem ciclos)?
43. É a favor ou contra a ideia de testes e exames na aprendizagem básica?
44. Qual o seu conceito de avaliação: de pendor formativo ou classificativo?
45. Qual a sua posição sobre os “ranking’s” dos estabelecimentos de aprendizagem?
46. Considera ou não que os testes PISA (entre outros) são um "concurso de beleza da pedagogia"? - Pablo Gentili, Doutor em Educação.
47. Tenciona ou não acabar, na aprendizagem básica, com os designados TPC, porque, entre outros factores, são desestabilizadores da vida familiar?
48. Tenciona ou não acabar com a designação de "Director de Turma", substituindo-a pelo "Director do Aluno"?
49. Considera ou não que há que recuperar a dimensão política da Educação e não partidária da Educação?
50. No quadro de uma Região Autónoma e face às dificuldades financeiras das famílias, qual a sua posição (e solução) relativamente às propinas no Superior?
51. Qual a sua posição sobre o investimento público e constitucional na Educação face ao financiamento da aprendizagem privada (38 milhões/ano)?
52. A Escola deve ou não ser vista pelo ângulo da cultura?
53. Qual a sua posição sobre a predominância da literatura e das artes no processo educativo?
54. É a favor ou não, no decorrer do processo de aprendizagem, atribuir prémios, inclusive, pecuniários, àquilo que designam por meritocracia?
55. Entende ou não que as direcções dos estabelecimentos de aprendizagem, entre outros níveis de intervenção, devem assumir uma rigorosa limitação de mandatos?
56. Qual a sua posição entre manuais em papel e digitais?
57. Qual a sua posição sobre as limitadas “salas de aula do futuro”?
58. Como se posiciona e o que deve fazer perante esta preocupação de Ken Robinson (já falecido): "Como escapar a Educação do vale da morte"?
59. É defensora ou não de uma Educação Desportiva, sem avaliação, em contraponto à Educação Física? – Segundo o Eurobarometer 2022 - página 10: "78% dos portugueses (inclui as regiões) diz que raramente ou nunca pratica qualquer atividade física ou desportiva. Apenas 18% manifesta alguma regularidade e 4% regularmente".
60. Finalmente, tenciona, num gesto de humildade e de pacificação, como governante, apresentar públicas desculpas aos professores vítimas, nos últimos anos, de perseguição, de forma subtil ou descarada (não por infracções graves), sobretudo àqueles que lutaram por uma escola de sucesso?
Ilustração: Google Imagens