sexta-feira, 15 de junho de 2018

EXAMES E AFERIÇÕES NO BÁSICO, PARA QUÊ? DEPOIS DE, EM MÉDIA, 216 MOMENTOS DE AVALIAÇÃO!


O ciclo repete-se: ouvir, repetir, debitar e avaliar. Há muito que a pergunta que me assalta é sempre a mesma: este ciclo corresponderá aos desígnios de uma aprendizagem? Decididamente, julgo que não. Aprender é muito mais que qualquer quadro estático, baseado na segmentação das disciplinas curriculares e desintegradas. Aprender, sempre foi, muito mais que cumprir um currículo e um exaustivo programa. Aos que, com paciência, me estão a ler, pergunto, de quantas definições ainda trazem na ponta da língua, mas que as debitaram, no dia do exame, exactamente, como estavam no manual? E para que serviram? Em que contextos, posteriormente, aplicaram e quais foram as suas transferências para novas e complexas circunstâncias da vida? A quem pergunto, confirma esta realidade, mas, há sempre um mas, dizem-me, é assim, não há  volta a dar. Para mim e para tantos que leio, que pensam os sistemas, esta obsessiva tendência pela avaliação, onde tudo parece que começa e acaba, há alternativas só possíveis com uma ruptura de mentalidade.

Aproximam-se semanas a fio de trabalho em vão: calendarização, textos de exame (minuciosamente, já em curso, há meses), aulas suplementares visando os exames, matrizes, encargos de impressão, colocação em cofres, mobilização dos serviços de polícia para o transporte escola a escola, nomeação de professores supervisores, formação para professores classificadores e uniformização de critérios, nomeação de secretariados de exame, preparação de salas com mesas e cadeiras milimetricamente isoladas, nomeação de dois professores vigilantes por sala e suplentes, chamada com cartão de cidadão na mão, recomendações, campainha que toca para o início e finalização, recolha, sobrescritos selados, burocracia através de pormenorizados normativos e relatórios e, nos corredores, as palavras, austeras, "silêncio/exames". Depois, a delícia da comunicação social, os "ranking's", como se fosse possível comparar o que é incomparável! Tenhamos presente o ridículo: tudo isto, no 9º ano do Ensino Básico, depois de, em média, 216 testes ao longo do terceiro ciclo (7º, 8º  e  9º): 12 disciplinas curriculares x 2 testes por período x 3 períodos x 3 anos = 216 momentos). Após tanta avaliação, independentemente de muitas outras (questão aula, tpc, registo de observação sistemática em sala de aula, trabalhos de grupo, registo de comportamentos, assiduidade, atitudes, valores, por exemplo, - encontrei mais de 80 itens diferentes), traduzidas em percentagens, ainda necessário se torna avaliar e aferir, externamente, o Português e a Matemática? Afinal, estão a avaliar o quê e quem: alunos, professores ou escolas? A "Agenda do Professor" de várias editoras, é absolutamente, paranóica. Visitem uma delas AQUI.


Anda o sistema educativo enredado nisto, na perda de tempo. No final, no ensino básico, para cúmulo, os exames valem 30% do nível final. Para o sistema, uma mão cheia de nada. Só ilusoriamente servirá de aferição, não dos alunos,  talvez dos professores. 
Um sistema que não procura desenvolver a pergunta, antes requer a resposta do manual, é um sistema condenado. Apenas consome manuais, muitos manuais, muitos interesses das editoras, tempo para explicações (!) e tempo perdido que bem poderia ser aproveitado em aprendizagens consistentes. É uma cultura que vem de longe, e que por melhores que sejam os exemplos externos, nem os políticos nem os professores são capazes de provocar um corte radical com esta mentalidade doentia e ultrapassada. 
Recupero aqui um texto que escrevi já tem uns anos: "(...) precisamos de uma "Revolução Integrada do sistema educativo” e não a “manutenção saudosista da escola do passado". A OCDE apresenta vários cenários, um deles a necessidade de RE-ESCOLARIZAÇÃO que, em síntese, passa por uma maior autonomia das escolas, maior descentralização e valorização do corpo docente. Passa por uma escola sem o permanente “big brother” de quem centraliza a educação. Difícil, muito difícil, porque a cultura também não funcionou a esses níveis. Uma coisa é o discurso de circunstância, outra quando essas pessoas estão sentadas na cadeira do poder. Eu sei que há rotinas de pensamento que são difíceis de ruir. É fácil dizer não a uma perspectiva que se abre, mas saber por que motivo se diz não, convenhamos que é sempre mais difícil. As pessoas estão agarradas ao passado. E os que estudam, problematizam e abordam esta temática da Educação não falam de facilitismos e nenhum fala de ausência de rigor e de disciplina. Pelo contrário. Falam, sim, da necessidade de repensar o trabalho de ensinar e de aprender. Torna-se, assim, fundamental uma abordagem globalizante, com políticas em vários sectores e áreas de intervenção social. Não apenas na esfera da Escola, na sua organização e conteúdos, mas a montante da Escola, na cultura familiar e na organização e cultura do trabalho. Para que o abandono e o insucesso sejam residuais. 
Há um estudo, publicado na revista “Science”, elaborado por Deborah Stipek, da Faculdade de Educação de Standford. Um estudo transversal realizado ao longo de 35 anos. A editorial da revista coloca em título: “A Educação não é uma corrida”. A investigadora é clara: 

"(...) o sistema de exames produz especialistas em provas enquanto prejudica vidas que poderiam ser promissoras" (…) O sistema actual, baseado no desempenho em testes pode prejudicar muito a formação de grandes pensadores" (…) "Este ensino promove um verdadeiro extermínio de grandes mentes" (…) A maneira como a Educação está estruturada faz com que potenciais vencedores do Prémio Nobel sejam perdidos antes mesmo do final da educação básica". Complementa o Professor José Pacheco acerca de Deborh Stipek: entre milhares ou milhões de homens e mulheres, "Ghandi, Picasso, Einstein, deixaram-nos um legado valiosíssimo, seguindo caminhos muito diferentes". 

Isto quer dizer que a Educação, na escola, não constitui a única forma de aprender. E se a Escola é importante, e é, o seu pensamento estratégico não pode quedar-se pelo pensamento de ontem. Andam a trabalhar nas consequências e não nas causas, simplesmente porque predomina uma atitude política redutora que muitas vezes desconstrói alguns bons passos que são dados. 
Urge uma nova concepção de Escola. Os ditos "estabelecimentos de ensino" devem passar a designar-se por "estabelecimentos de aprendizagem". Alexandre Quintanilha é um doutorado em Física. Um cientista. Tem uma frase espantosa: “EU VIVO PORQUE SOU CURIOSO”. O problema, digo eu, é que andam a matar a curiosidade nas crianças. Neste sistema, uma criança que coloque muitas perguntas, genericamente, perturba o planeamento da aula! E não deveria ser assim. Há outras formas de organização pedagógica. Li em “Professores para quê”, de Georges Gusdorf: “O mais alto ensinamento do Mestre não está no que diz, mas no que não diz”. Já no meu relatório de estágio pedagógico, em 1971, escrevi no preâmbulo, uma frase de Bernard Shaw. Lembro-me como se fosse hoje: “Quem pode cria, quem não pode ensina”. Uma escola de receptores e de não participantes é uma escola condenada. E Bernard Shaw nasceu em 1856. Portanto, despertar essa curiosidade só é possível com uma ampla autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem e com um outro enquadramento pedagógico. Não é com exames. Não há volta a dar. É nesta esteira que Ariana Cosme e Rui Trindade questionam: “Uma Escola que define a qualidade do seu ensino por uma visão enciclopédica de um conhecimento cuja utilidade se esgota nos testes, serve, afinal, para quê? (...)".
Jaana Palojärvi foi diretora do Ministério da Educação da Finlândia. Retive esta frase tão simples quão profunda: "Os professores planeiam as aulas e escolhem os métodos. Não há prova nacional, não acreditamos em testes, estamos mais interessados na aprendizagem". 
Este tema da formação básica encontra-se estudado há muitos anos. Não é uma questão recente. Que falta faz a Professora Ana Benavente que foi Secretária de Estado da Educação e bem lutou por uma avaliação contínua numa escola portadora de futuro!
Ilustração: Google Imagens.

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