terça-feira, 11 de setembro de 2018

A FALÊNCIA DO VELHO E O MEDO EM ENFRENTAR O NOVO


A última revista VISÃO dedicou, aspecto que não é habitual, 14 páginas ao tema Educação. Deliciosas páginas tive a oportunidade de ler. Não porque me tivesse trazido assuntos substancialmente novos, ou novas reflexões, mas pela sequência e sobretudo pelo testemunho de treze consideradas figuras ligadas ao sistema educativo em geral e à educação em particular. No essencial, a jornalista Teresa Campos procurou trazer ao leitor "Como se faz uma escola melhor", uma vez que, enalteceu como ponto de partida, que um novo paradigma se torna necessário e que "não deixará pedra sobre pedra" (...) "O fim das disciplinas e das aulas compartimentadas, a entrada dos tablets e dos smarthphones nas salas e a introdução dos manuais digitais" acabarão por acontecer e derrubarão os conceitos secularmente enraizados de que existe uma só forma de aprender. 


Por não me encontrar na Região tenho pena de não poder estar presente na conferência do Professor José Pacheco, no dia 13 de Setembro, organizada pelo Sindicato Democrático dos Professores da Madeira, na sequência da formação "Transformação Vivencial, Reconfiguração da Prática Pedagógica, Construção de Comunidades de Aprendizagem". Gostaria de ali estar, depois de o ter escutado em 2015. No essencial porque ele foi um dos que mais se bateu contra um sistema absolutamente arcaico e que, só muitos anos depois, começa a ser reconhecido através de uma frase muito simples: afinal, o professor tinha razão! Ele conta, habitualmente, uma sua reflexão, mais ou menos com estas palavras: "se eu era um professor que tudo planeava para dar as aulas e eles não aprendiam, então, não aprendiam porque eu dava aulas". Nesta frase está  tudo ou quase tudo. Quer ele dizer que o conceito de aula está ultrapassadíssimo. É o fio da meada, só comparável com uma outra asserção de um meu professor, que aqui já reproduzi, e que, há muitos anos, a trago em memória activa: "como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente? O desencontro é inevitável" - Professor Paula Brito (1970). O desencontro, hoje, passados quase cinquenta anos, é inevitável e implacável. Teimosamente, porém, cinco décadas depois, ainda há governantes, sem jeito para a coisa, diga-se, que continuam a demonstrar uma incapacidade para perceber que o tempo não é de "manufactura mas de mentefactura" (Luís Cardoso).
Regresso à revista Visão e ao essencial do trabalho publicado. Dele se conclui, entre outras, a absoluta necessidade de colocar um ponto final nas disciplinas. A aprendizagem (diferente de ensino) deve ser feita através de temas ou tópicos de discussão. A vida real é um todo, não é português por um lado, ciências ou matemática por outro. A título de exemplo: quando se coloca um tema, por exemplo, vinho, imaginemos quanta aprendizagem, em simultâneo, é possível e desejável: História, Geografia, Ciências, Português, Botânica, Química, Cultura, Enologia, profissões, eu sei lá o que é possível aprender, de forma global e integrada a partir de um tema! No Google, em 0,69 segundos, surgiram-me 76.700.000 de possibilidades de consulta sobre a palavra vinho. E aqui coloca-se uma outra questão: para quê gastar dinheiro em manuais se tudo, hoje, está à distância de um clique? Basta saber seleccionar. E li outras reflexões: a tipologia dos estabelecimentos de aprendizagem, a configuração das salas, o número de alunos por escola, a autonomia das escolas, os currículos e todos esses malfadados programas. Diz a Professora e escritora Ana Maria Magalhães: "O modelo actual de escola diz que é para todos, mas não contempla a diversidade. Está organizado de forma absurda. Ninguém consegue aprender tudo. Se eu agora fosse estudante nunca teria conseguido estudar Letras, porque é preciso saber Matemática até ao 12º ano. Podia ser só até ao 9º ano e depois cada um seguia a sua vocação. Quem quer tratar animais se calhar não precisa de saber literatura. Na Suíça, por exemplo, é permitido às crianças fazerem opções de estudo logo a partir dos 12 anos. Se a escola é para todos, tem de haver vários tipos de escola: para os que gostam de futebol e para os que gostam de artes. O Secundário não pode ter doze disciplinas por ano, sob o risco de não aprender nada - nem o que se quer". Outras figuras falaram da importância do "digital", da necessidade de uma consistente "qualidade do professor", de "levar a vida para a sala", da importância de dizer "chega aos trabalhos de casa", da escola enquanto espaço de "felicidade", da importância de "trabalhar em equipa", de mudar a "disposição das salas", de formar "produtores e não apenas consumidores", da escola baseada em "projectos e não em disciplinas para aprender a pensar", da escola "onde todos se conhecem". Repito, catorze páginas deliciosas.
Finalmente, para além da revista, está aí mais um ano. Enquanto que, pelo País, vão-se multiplicando experiências, eu diria, opções por uma escola de aprendizagem séria e no contexto do Século XXI, por aqui, infelizmente, continua a prevalecer a escola de ontem. E desde há muitos anos que, paulatinamente, a Região poderia e deveria ter seguido um caminho que a colocasse na dianteira de uma verdadeira escola de aprendizagem. Não quiseram, não querem ou não sabem como fazê-la despontar, nem procuram saber junto de quem sabe, a universidade, por exemplo. 

De que vale andar por aí com a bandeirinha da "robotização" quando os patamares inferiores são aquilo que se sabe? 

Não houve investimento, antes assistiu-se a pinturas que mascaram a tristeza do sistema. Esta escola apresenta, assim, um enorme défice a todos os níveis. Teria sido necessário um novo conceito de escola e uma nova ideia sobre o exercício da docência. Eu diria o surgimento, até, de um novo professor, o professor que não ensina mas que faz aprender; um professor que não debita matéria, antes é o mediador da aprendizagem. Como dizia o falecido pedagogo Rubem Alves, é preciso que o "professor seja de espantos", porque o "objectivo da Educação não é ensinar coisas, porque as coisas já estão na internet, estão por todos os lugares (...) o objectivo da educação é ensinar a pensar, criar na criança a curiosidade (...) a alegria de pensar". Isto implica que não seja a criança a  ter de se adaptar à escola, mas a escola a adaptar-se à criança. É essa a dinâmica da escola do futuro, porque "as crianças são capazes de aprender qualquer coisa sozinhas. Portanto, "o mais difícil é dizer aos professores para não interferirem" (...) que deixem de ser os fornecedores de informações, para serem uma espécie de facilitadores da aprendizagem (...) o seu papel deverá ser o de observar em vez de disponibilizar conteúdos" (...) - Fonte: filme de Pierre François Didek/RTP2. Ora, nos próximos dez meses, coitadas das crianças, genericamente, terão de continuar a viver o passado, quando elas desejam ser o futuro. E os adultos dizem, do alto da sua "cátedra" que elas estão no centro das preocupações educativas! Nunca estiveram e, agora, mais do que nunca se encontram na margem ao sabor do que alguma ignorância dos adultos proporciona.
Ilustração: Google Imagens.

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