quarta-feira, 24 de março de 2021

Educação e espaço europeu 2021/30

 

No sector educativo, quando falam de "convergência europeia", isso traz-me sempre alguma desconfiança. Há convergências que escondem objectivos raramente percebidos pela montra. O "Processo Bolonha", este é um mero exemplo, aquele que trouxe a generalidade das licenciaturas para três anos, transmitindo uma imagem de simplificação e de pressuposta qualidade, transportou consigo três ideias centrais: primeiro, uma subliminar e tendencial convergência para o pensamento único; segundo, a desresponsabilização do Estado no que concerne ao financiamento directo do ensino superior; terceiro, por via disso, complementarmente, os mestrados, os quais, genericamente, passaram para a responsabilidade dos encarregados da educação.



Vem isto a propósito das metas a atingir até 2030 pelos Estados da União. Tinha um Amigo que me dizia que não tarda e estarão a uniformizar o papel higiénico! Não tarda, digo eu agora, que estejam a sugerir currículos, programas e o pensamento organizacional e pedagógico. 

Sou, frontalmente, contra estas tendências abusivas, as quais, em um primeiro momento, aparecem de forma subtil, ao jeito de aconselhamento, mas que, obviamente, escondem outros propósitos. De resto, sou pela diversidade e respeito pelos Estados e pela diversidade das suas culturas. E pergunto: alguém, nesta Europa Comunitária, não desejará "melhorar a qualidade, a equidade, a inclusão e o sucesso na educação e formação"? Alguém, no plano político, minimamente consciente, no quadro das responsabilidades governativas, não desejará desenvolver uma mentalidade que conduza à "aprendizagem ao longo da vida (...) reforçar as competências e a motivação dos profissionais da Educação (...) apoiar as transições ecológica e digital (...) e o desenvolvimento pessoal, social e cultural"? Então, para que servem estas metas sugeridas pela União Europeia? Não têm mais nada para fazer?

O curioso desta situação é que, de pronto, a secretaria regional da Educação da Madeira, não esmiuçando nem contextualizando as taxas, antes martelando as estatísticas regionais que são públicas, passando rapidamente pelas tais metas, surgiu a propagandear que, na maioria dos itens, a Madeira apresenta resultados que, em várias situações está melhor do que o sugerido, em outras, muito próximo do sugerido e o que não foi atingido, de forma clara, fica a se dever às políticas do "sistema nacional de ensino". É o caso do ensino superior. Por aqui, Região, as metas da União Europeia serviram para isto, para mais um momento de propaganda política.

Infelizmente, a realidade não é a apregoada. Deixo, aqui, apenas, dois excertos de textos publicados. Não são meus e as fontes são credíveis. No início de Junho de 2018, foi publicado no DIÁRIO e transcrito no meu blogue que: "65% da população da Madeira, com 15 ou mais anos, tem apenas até o 9º ano de escolaridade. O valor está acima da taxa nacional que, no ano passado, ficou pelos 61%. A Madeira continua a estar pior do que a média nacional, naquela que é a taxa de abandono precoce de educação e formação (jovens dos 18 aos 24 anos que estão fora do sistema de ensino e sem o secundário): 23% na Região e 14% no País". Fonte - DN-Madeira/Pordata/Jornalista Ana Luísa. E, já agora, este texto de um artigo assinado pelo Dr. Rui Caetano, publicado no Dnotícias a 19 de Junho de 2020: "(...) A estrutura de habilitações dos desempregados inscritos atualmente no Instituto de Emprego mostra que cerca de 46% desses cidadãos sem emprego possuem habilitações inferiores ao 3.º ciclo do ensino básico, demonstrando grandes dificuldades em encontrarem trabalho devido à falta de competências e qualificações. E se incidirmos a atenção nos trabalhadores em funções, por conta de outrem, observamos que 31.743 trabalhadores possuíam apenas o ensino básico ou menos. Ao analisarmos a situação dos “nem nem”, jovens com idades entre os 15 e os 34 anos que não se encontram empregados nem frequentam qualquer sistema de educação, formação ou estágio, no final de 2019, a Madeira apresentava uma percentagem de 13,1%. As taxas de escolarização e de conclusão do ensino secundário dos jovens, na Região, entre os 20 e os 24 anos, rondam os 71,2%, isto é, quase 30% dos jovens madeirenses não concluem o ensino secundário. (...)"

Portanto, bem melhor seria, porque promissor de um novo tempo, que a secretaria regional da Educação da Madeira não martelasse a realidade, antes assumisse uma postura de verdade, aquela que é nua e crua, um combate, em sede de governo, contra os 32% de pobres que acabam por se reflectir na escola e na aprendizagem consequente, um combate por uma escola que respeite o sonho, a diferença e deteste a rotina organizacional, curricular e programática, uma luta pela verdadeira autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem, um esforço contra a infernal burocracia que afasta os professores da aprendizagem. Porque só propaganda não chega!   

As declarações produzidas pelo secretário regional fizeram-me trazer à memória o saudoso Carlos Pinhão, jornalista que foi do jornal A Bola, que com o seu refinado humor, um dia escreveu, em um dos seus textos de Sábado, a propósito de uma vitória do futebol nacional. Deixou duas linhas muito curiosas, que continuam actuais, pelo conselho que proporciona  aos políticos: coloquem os pés bem assentes no solo com os olhos na realidade. A frase: "somos os melhores do Mundo em sub-21, os melhores da Europa sub-18, sub-16, etc., somos os melhores do mundo em sub-desenvolvimento". 

Percebeu, Senhor secretário? De que vale propagandear uma realidade insustentável, quando há tanto caminho a percorrer no quadro do desenvolvimento?

Ilustração: Google Imagens.

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