terça-feira, 16 de março de 2021

Quando se mata o potencial e quando as escolas são gaiolas


Ontem vivi dois momentos que me encheram, completamente. Durante a tarde cruzei-me, no supermercado, com um meu ex-aluno na Universidade da Madeira. Inevitavelmente, falámos de Educação. A páginas tantas recordámos aquela turma de 4º ano que trago, em memória, um por um. Ainda há dias, revendo um dossiê, lá estavam as assinaturas de todos eles. Que fantástico grupo! Mas, dizia eu, a páginas tantas ele sublinhou: "aquela turma tinha um enorme potencial". E tinha. Estavam ali por vocação e não por "provocação". Aquela palavra "potencial" deixou-me a pensar. Adiante.



À noite, segui uma notável entrevista, na TVI, com a Professora catedrática, a cientista Elvira Fortunato. Trata-se de uma investigadora, de 56 anos, pioneira mundial na electrónica de papel, nomeadamente "em transístores, memórias, baterias, ecrãs, antenas e células solares. É considerada a "mãe" do transístor de papel". Fiquei agarrado ao conteúdo e à humildade. Por mim ficava ali o serão todo a escutá-la.

Hoje, pela manhã, durante umas horas de jardinagem, o meu pensamento foi voando entre os dois momentos ontem vividos. O daqueles jovens que tinham um "enorme potencial", mas que por ali ficou, a maioria dos quais esmagados por um sistema que bloqueia o sonho. Eu diria que o sistema não soube aproveitar o potencial que evidenciavam. Para tal, necessário seria que as mudanças de pensamento acontecessem, que as rotinas fossem quebradas e que lhes dessem asas para voar.

Exactamente o contrário aconteceu com a cientista Elvira Fortunato. Gostava da engenharia de materiais. Foi convidada para monitora na sua universidade, ganhou o gosto e, hoje, é uma referência mundial. Aí, o sistema ofereceu-lhe a oportunidade, não a condicionou, abriu-lhe as portas e, hoje, o seu entusiamo e dedicação conduziram-na ao ponto do reconhecimento.

Miguel Sousa Tavares perguntou-lhe a razão de ter na parede do anfiteatro do Centro de Investigação de Materiais da FCT Nova um poema de Fernando Pessoa:

"Para ser grande, sê inteiro (...) Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive". A cientista respondeu: "Está lá para que todos leiam e pensem em grande, que é isso que lhes tentamos transmitir".

Ora, concluí nas minhas divagações de "jardineiro", o problema é termos políticos com responsabilidades no sector educativo que pensam pequeno. Desde que sintam a rédia nas mãos, basta-lhes. Daí que, mudar no sentido da invoação, da criatividade, do sonho, da aposta no "potencial", alto e parem o baile! Para esses, a rotina, que estrangula e mata, é sempre preferível ao desabrochar dos talentos. E assim, genericamente, vamos perdendo o tal "potencial".

Duas notas finais em função do muito que me apetecia escrever: aos meus distintos alunos, hoje, Colegas, pessoas que construiram e me ofereceram o melhor ano de aprendizagem com reflexão permanente (tenho-vos sempre presentes desde há 20 anos), aqui deixo as palavras ditas, ainda hoje, pelo jovem João Félix (Atlético de Madrid): "sem vontade o talento não é suficiente". Tenham a vontade de mudar este sistema bolorento, velho e decadente. E se isto enalteço é porque vos conheço. Estão na idade (maturidade e a meio da carreira) e a tempo de meter, com inteligência, um grãozinho de sabedoria na máquina que não corresponde aos vossos interesses. Tenham presente Rubem Alves: "Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controlo. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo". Durante aquele ano, meus queridos Amigos, conduzi-vos para que se libertassem da gaiola e fossem pássaros. Vamos a isso.

À Catedrática Elvira Fortunato, obrigado. Gostei daquele momento em que disse que "gostava de investigar, mas também de transmitir o conhecimento (ensinar)". Quando não se esconde o que se sabe, quando se partilha, ganham todos. O próprio cientista avança!

Ilustração: Google Imagens.

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