quarta-feira, 5 de outubro de 2022

"Sala do Futuro"? Não seria melhor designarem por "laboratório tecnológico"?


Na política, deixa-me um rasto de pena aqueles que, discursivamente, conduzem ao engano através da artimanha das palavras, dos sentidos e dos ares convencidos que uma determinada orientação é a melhor para o povo. Sinto comiseração quando cruzo, o pouco que sei com aquilo que dizem, em função do conhecimento que existe. Vem isto a propósito das anunciadas "salas de aula do futuro". Sobre este assunto já diversas vezes escrevi (ver links no final do texto), mas entendo que vale a pena voltar ao assunto.



Façamos estas contas: 20 alunos x 14 "salas do futuro" = 280 alunos abrangidos a prazo. A população de estudantes na Madeira é de cerca de 40 000. Se dividirmos este global por 280 (7%), chegamos a uma necessidade de 143 salas, no quadro organizacional do actual conceito de escola. Por outras palavras, o tal futuro é inatingível para a esmagadora maioria desta geração. Com alguma ironia aqueles dados fazem-me ter presente o dístico à entrada de uma taberna: "Amanhã fia-se, hoje não". E assim taberneiro empurra o problema para depois.

Só é inteligível uma sala equipada para a aprendizagem nos dias que estamos a viver, se ela corresponder a um novo pensamento acerca do que se deve entender por Escola. Concomitantemente, se apresentar uma relação mútua com uma nova organização interna que determine, no plano pedagógico, como chegar ao conhecimento relevante e em conexão. Não é, pois, carregando os manuais em papel para dentro do digital ou com uma série de salas referenciadas "do futuro", porém, mantendo o formato pedagógico, que se despertará o interesse dos alunos e, por aí, os patamares do conhecimento superior. Não sou eu que o digo, são tantos os autores que o referem. Apenas sou um "porta-voz" do que outros escreveram. Portanto, porque aquele tipo de sala não deve ser de experiência pontual, mas permanente, estamos face a um logro, a uma propaganda sem sentido, ou, pior, face a uma fraude conceptual.

Aliás, pergunto, onde podemos ler o estudo, devidamente fundamentado através de uma extensa revisão bibliográfica, que fundamente os passos entre o "onde estou" e o "onde quero chegar"? Se existe, a comunidade educativa desconhece, o que pode significar que o sistema anda ao sabor de algumas modas, de interesses políticos e de empresas que apenas desejam vender equipamentos. Alguém foi ouvido? Leiam, entre outras, a entrevista do Professor Pepe Ménendez que, em 2019, esteve na Madeira (Jaime Moniz) onde proferiu uma conferência subordinada ao título "Uma Escola transformada para ser transformadora". Na Catalunha, levou alguns anos a Ratio Studiorum do Século XXI (Jesuíta). Do debate, disse Pepe Ménendez, surgiram 56 000 ideias e, dessas, 17 propostas foram seleccionadas para servirem de base ao "modelo sincrético". "(...) Só depois deitaram abaixo as paredes das salas tradicionais, transformando-as em espaços de conhecimento, eliminaram a ideia de disciplinas separadas, testes, horários e trabalhos de casa. Tiveram a coragem de romper com a ideia de que o professor dá o conhecimento (...)" - Do livro da minha autoria, A Escola é uma seca - pág. 148. Para justificar as "salas de aula do futuro", questiono, assim, que estudos foram realizados?

Perante isto, sumariamente alinhavado, não seria mais avisado esquecerem essa infeliz designação de "sala de aula do futuro" (na escola, o futuro é hoje - sentido prospectivo), antes designando-a por "laboratório tecnológico"? Em simultâneo, senhores políticos, digam o que pensam sobre a Escola para os tempos que vivemos. É a escola que encontra as traves-mestras no Século XIX ou uma outra projectada para o Século XXI? Eu adoro a improvisação (leia-se criatividade), mas no Jazz. No sector da Educação a improvisação é música dissonante para os ouvidos de quem pensa. Fico com a sensação de ausência de estudo e sobretudo com a ideia de "desenrasque" no pior sentido.

Ilustração: Google Imagens.

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