segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

"A mentira tem sempre perna curta"


A  expressão idiomática "a mentira tem sempre perna curta" adequa-se ao que aqui me traz. Há políticos, julgo eu, que não estão convencidos disso, e, vai daí, discursam conforme as plateias como se toda a audiência fosse menos capaz para cruzar e interpretar as palavras ditas. Mentem de forma descarada pouco se ralando de serem apanhados na primeira curva. A realidade é uma coisa, porém, o discurso interessa, apenas, na medida que a repetição venha a gerar uma ideia de significativa prosperidade, de lugar único pelo conjunto de medidas políticas que consideram de relevante alcance.


Há dias, a propósito do meritório trabalho realizado pelo Lions Clube do Funchal, no âmbito dos Prémios do concurso Paz - Liderar com Compaixão, o secretário da Educação da Madeira assumiu:

"Todos nós somos diferentes, mas devemos ser todos iguais nas oportunidades. É por isso que procuramos assegurar, nas escolas da Região, as condições para que todos os alunos, todas as crianças, independentemente dos seus traços, tenham a oportunidade de percorrer um caminho de sucesso, que possa conduzir à concretização do seu projecto de vida, dos seus sonhos. Uma escola inclusiva, que recebe todos, integra todos e, acima de tudo procura criar as condições conducentes ao sucesso à medida de cada um (...)" - Dnotícias.

O contexto não interessa, concretamente, se a sessão se destinou aos portadores de qualquer diferença no quadro da inclusão. Interessam-me as palavras ditas face à realidade. E este naco discursivo tem muito que se lhe diga. Falou de igualdade de oportunidades, de caminhos de sucesso à medida de cada um, de projectos de vida e de sonhos. Tudo o que este sistema, pelo qual é responsável, não garante. 

Ora bem, não existe uma política educativa caracterizada pela igualdade de oportunidades, quando as assimetrias são inquietantes, cuja prova está nos 32% de pobres ou em risco. É um erro crasso argumentar a igualdade como se esta pudesse situar-se, apenas, no quadro da acessibilidade à escola. Essa constitui um direito constitucional. Era o que faltava se os governantes não cumprissem a Lei Fundamental! A verdade que contraria a mentira oficial está nos Censos de 2021, divulgada num excelente trabalho do jornalista do Dnotícias, Francisco José Cardoso: 36.485 residentes não terminaram a primeira fase (4º ano); 50,3% tinham escolaridade até ao 9º ano; 15 em cada 100 não tem qualquer nível de escolaridade; 8,1% com 15 ou mais anos não possui nível de escolaridade completo e o analfabetismo continua superior à média nacional. Quase 50 anos depois de Abril! E sabe-se, também, no quadro deste sistema, as pressões sobre a escola no sentido de evitarem retenções. Perguntem aos professores. É a estatística a prevalecer sobre o conhecimento. Ah, os indicadores referem que se verificou uma melhoria em relação à primeira década deste século! Pois, até se formos mais atrás, ao fundador da nacionalidade, obviamente que a comparação se tornará ridícula!  

Depois, quais caminhos de sucesso à medida de cada um, quando o sistema é heterónomo, subordinado à vontade e preceitos de quem se encontra no topo da linha hierárquica, gente política que asfixia a autonomia dos estabelecimentos com uma infernal e paranóica burocracia, onde, genericamente, nada se faz sem uma "devida autorização"; quando a liberdade criadora é cerceada; a centralização de todos os processos constitui norma, onde tudo passa pelo rolo compressor que entende que, ao contrário de um fato à medida de cada um, exige um fatinho de tamanho único. Todos têm de se ajustar, mesmo que, qual metáfora, as calças fiquem abaixo do joelho e as mangas pelos cotovelos. É falso, portanto, que exista qualquer caminho de sucesso à medida de cada um! O sucesso não é determinado pelos alunos, mas por um sistema que estandardiza e, por isso mesmo, afasta os alunos do conhecimento. Os números acima enunciados testemunham isso mesmo. 

Finalmente, projectos de vida e sonho? Mas alguém neste sistema pode aspirar a traçar o seu projecto de vida e de correr atrás do seu sonho? São os alunos que dizem: "não existe um propósito para ir à escola"; "o sistema educativo foca-se em coisas que não são importantes para a vida"; "a nossa formação é demasiado quadrada"; "estamos a desperdiçar tantas qualidades que os alunos têm" - do livro "A Escola é uma seca", página 26. E isto acontece porque, na esteira de Jaume Carbonell, in Pedagogias do Século XXI, "a função do professor não é ditar pensamento, mas ensinar a pensar". Poderá, neste quadro, haver lugar ao sonho? Escreveu uma aluna, Ariana da Silva Araújo, que "o sonho é uma planta que deve ser regada todos os dias para que cresça". Percebeu, Senhor Secretário? Ou, ainda, uma aluna madeirense que passou pelo curso de Medicina Universidade da Madeira. Em artigo, no Dia do Estudante, dirigiu-se aos colegas nestes termos: "(...) não deixes que outros te determinem. Tu és o teu próprio criador. Temos de dizer não a este círculo vicioso". Nesse artigo, dirigiu-se aos políticos com uma frase de potência máxima: "Ousem criar a escola que a sociedade vos exige". Percebeu, Senhor Secretário? É discursivamente obsoleto e falso falar de projectos de vida e de sonhos quando são os alunos a assumirem que esta escola está genericamente desfasada das suas preocupações, interesses, talentos e vocações.

Percebeu, Senhor Secretário? 

Ilustração: Google Imagens.

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