sábado, 3 de dezembro de 2022

O Estado da Educação

 

Na passada Quarta-feira participei, como orador, na Escola Francisco Franco, num encontro sobre o "Estado da Educação". No final do debate, quando já poucos se encontravam na sala, um aluno aproximou-se e sem rodeios disparou: "oh professor, depois do que escutei, considera mesmo que isto está tudo errado?"



A pergunta, acreditem os que me estão a ler, não me surpreendeu, até porque já passei por situações semelhantes. É uma pergunta óbvia de quem deseja perceber os terrenos da aprendizagem que pisa. De professores a alunos, claro. Já fui confrontado com uma professora que me disse de chofre: "discordo da maioria das coisas que disse. Nós trabalhamos muito bem na minha escola". E eu respondi-lhe: ainda bem que discorda, por um lado porque não existem verdades absolutas, por outro, discordar é o primeiro passo para um debate sério, profundo e substancialmente argumentativo. O problema é que não se debatem as rotinas que levam a admitir a inexistência de outros formatos adequados ao tempo que estamos a viver.

Ora, a pergunta daquele aluno reflecte, também, a inteligência de quem não se acomoda. Respondi, serenamente, colocando-lhe a mão sobre o ombro, dizendo-lhe: que importante questão está a colocar! Sabe, não está tudo errado, mas não acha estranho que cerca de 11% dos rapazes e 15% das raparigas assumam que gostam da escola? Há muita "coisa" boa desenvolvida nos estabelecimentos de aprendizagem. Existem excelentes professores, só que, como eu salientei na minha exposição, tal como disse Alvin Tofller, não se pode meter o futuro nos cubículos do passado. Este sistema tem mais de duzentos anos, disse-lhe.

E a conversa continuou até à porta de saída da escola. Pelas escadas fomos conversando sobre as disciplinas e sobre a palavra conhecimento; falámos da tralha que invade os currículos e os programas; falámos do decorar para esquecer; falámos da excessiva burocracia que inferniza os professores e que lhes retira tempo para serem professores; falámos da pouca participação dos alunos na aprendizagem que continuam a ser mais receptores passivos de matéria, muita que para nada serve para a vida e falámos, ainda, do direito ao sonho e ao respeito pelo talento de cada um. Ao contrário de uma escola igual para todos, devíamos ter uma escola à medida de cada um, disse-lhe. Portanto, não está tudo errado. A configuração da estrutura do sistema é que tem de ser completamente diferente. E já no final do diálogo falámos de cidadania. Questionei-o: faz algum sentido, por exemplo, uma disciplina de Cidadania, no Básico, sujeita a avaliação? A cidadania é transversal, pertence a todos os professores, aos pais e todas as situações devem ser aproveitadas para dela falarmos. 

Fiquei feliz por este fugaz diálogo com um jovem à procura de uma interpretação da escola na compaginação com a vida. No regresso a casa, pensando sobre aquela sessão e sobretudo no interesse daquele aluno, veio-me à memória um jovem que, quando eu desempenhava funções políticas, irrompeu pelo meu gabinete para me pedir aquilo que considerou o "vosso projecto político para a Região". Estávamos a semanas de umas eleições legislativas e ele que, nesse ano, ia pela primeira vez votar, queria saber mais e daí a sua ronda por todos os partidos concorrentes. O seu voto não podia ser à toa, deduzi, por "influência" familiar ou qualquer slogan de campanha. Entreguei-lhe todos os papéis e apenas lhe disse: é a primeira vez que vivo uma situação destas. Parabéns. Leia todos e decida o seu voto. O voto consciente!

Parecendo nada ter a ver uma situação com a outra, a verdade é que ambos estão unidos na busca da compreensão dos diversos ambientes que a vida confronta: um na escola que frequenta; o outro preocupado com um dos mais importantes actos de cidadania. E isto é salutar. 

No caso daquela sessão sobre o "Estado da Região", oxalá, eu e a Professora Liliana Rodrigues, tenhamos conseguido despertar para a necessidade de um debate muito mais alargado. Bem disse a Professora Liliana que o processo educativo está muito centrado no professor quando devia estar centrado no aluno. É verdade. Só que, aos políticos de plantão, sobra-lhes em teimosia o que lhes falta em conhecimento, acreditam, piamente, numa escola igual para todos quando todos são diferentes; pedem aos jovens projectos "fora da caixa" quando bloqueiam, desde as primeiras idades, a criatividade, a inovação, o risco e a liberdade de cumprir o talento que cada um de nós transporta. Ainda hoje li uma interessante entrevista ao velejador de 83 anos, Sir Robin Knox-Johnston, que a páginas tantas salientou: "(...) Aos 8 anos eu já sabia que ia ser velejador, não sei o motivo, simplesmente sabia". Pois, o talento estava lá! Foi assim com Ronaldo que se esquecia dos livros, mas não abandonava a bola, com o aluno mediano e distraído Albert Einstein que deixou cedo a escola tradicional, foi assim com um outro que passava a vida a fazer riscos e o professor queixava-se de nunca estar com atenção... Pablo Picasso! Foi assim com Thomas Edison, considerado um idiota e aconselhado a deixar a escola. Decididamente, um fatinho de tamanho único não encaixa em todas as vocações.

O drama de tudo isto é que os políticos continuam a viver, ilusoriamente, no pedestal da autosuficiência, incapazes de aceitarem que as traves-mestras da escola de há duzentos anos não se adequam ao exponencial desenvolvimento em todas as frentes do conhecimento. Mantêm, por isso, e porque é mais fácil, uma escola fechada sobre os seus muros, impedindo-a de olhar para além do horizonte visual. Falta-lhes cultura no que concerne à capacidade de cruzar o entendimento de todos os sistemas (económico, financeiro, social, político, religioso, saúde, educativo, empresarial, enfim, todos) para daí partirem para uma aprendizagem compaginada com a vida. Sobra-lhes tempo para a propaganda mediática o que lhes falta para visitar, conhecer, escutar, ler, debater e colocar em dúvida os seus propósitos. Vivem no medo de arriscar na criação de actos portadores de futuro. 

Há dias, um jovem médico, Dr. Francisco Dionísio, num encontro acontecido no Funchal, falou exactamente desta preocupação: é preciso "deixar os jovens saírem da sua bolha para que possam ver o mundo". Assumiu que é "no sonho" que os jovens encontrarão sentido para as suas vidas. Ora, isso implica "partir e quebrar as amarras que os impedem de sonhar", sublinhou.

Ora bem, alguém uma vez me disse que a alguns (políticos) os devíamos confrontar com uma frase simples: "oh amigo, de vez em quando convém ler algumas coisitas".

Ilustração. Google Imagens.

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