sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

A escola deixou de ser um lugar feliz: “As salas de professores parecem um velório”


Mara tem 13 anos, um sorriso fácil, irradia boa disposição e apresenta um discurso coerente e escorreito, de quem sabe bem o que quer. Estuda no 7º ano no Agrupamento de Escolas Padre Bartolomeu de Gusmão, em Óbidos, e é atleta de alta competição. Depois de um intenso dia de aulas e do treino de natação, já a noite vai adiantada, Mara arranja tempo para nos falar da escola. Queixa-se do peso dos horários e dos currículos escolares.


“Temos demasiados trabalhos de casa, pouco tempo livre e pouco tempo para nós. E não é exclusivo do meu ano. Tenho colegas mais velhos, que já estão no 9º ano, que também dizem que se sentem cansados”, relata.


E, confessa, gostava de encontrar mais compreensão dos professores em relação a este assunto: “Tenho a sensação que, às vezes, não se colocam no nosso lugar. Não pensam na quantidade de trabalhos que nos dão e na carga horária que temos.”

“E gostas da escola, Mara?”

“Depende dos dias. Dos horários, dos professores que tenho nesse dia.”

Mara sabe que os professores também estão cansados e desmotivados e que isso se reflete no ensino. Professores sem tempo e sem capacidade para dar espaço à inovação e à criatividade, fatores imprescindíveis para a motivarem a ela e aos colegas.

Corpo docente envelhecido


Joana Marcão, mãe de Mara, até já foi professora. Foi educadora de infância e depois professora de ensino especial. Mas desistiu de andar a percorrer o país, com a casa às costas. Andou por Felgueiras, Vila Nova de Santo André, Santiago do Cacém e Lisboa. A família ia ficando sempre em Óbidos e nas Caldas da Rainha.

Há cinco anos, disse “basta!”. Tirou um curso de design de interiores e agora tem um atelier em Óbidos e trabalha com decoração de interiores e com gestão de alojamentos locais.


Joana Marcão já foi professora. Cansou-se de "andar com a casa às costas". (Arquivo pessoal Joana Marcão)© Fornecido por TVI)

É como mãe que agora olha para o ensino público com preocupação: “Sinto que o corpo docente está muito envelhecido e cansado, o que é legítimo, mas impede os professores de acompanhar os alunos nas novas tecnologias, nos ecrãs, por exemplo. E essa é a linguagem deles agora. Os professores mais novos, quando são colocados, até vêm com uma lufada de ar fresco, mas depois não têm condições para trabalhar e depressa desmotivam.”

“Os professores estão em luta e eu apoio completamente. Ou isto muda, ou dentro de muito pouco tempo a qualidade do ensino público está em risco”, acrescenta.

Ricardo Silva, 58 anos, professor de História na Escola Secundária D. Carlos I, em Sintra, agradece o apoio e pede a todos os pais que se juntem aos docentes nesta luta pela escola pública. Reconhece a desmotivação e o cansaço dos professores e lembra: “Se não ganharmos esta luta, são os nossos filhos que perdem, porque estamos aqui a lutar também pela escola pública.”

“Um país que não investe na educação é um país sem futuro”, sublinha.

Professores “em sofrimento a dar aulas”


Ricardo está no sétimo escalão da carreira docente. Mas teve a carreira congelada muito tempo e duvida que algum dia chegue ao topo. O salário que vê na conta parece ter congelado também: “Em 2010, levava limpos para casa 1605 euros. Doze anos depois, levo 1625 euros líquidos”.

E reconhece algum privilégio, tendo em conta o panorama geral. “Os contratados estão a trabalhar um ano ou 20 anos e o salário é o mesmo!”, realça.

O discurso de Ricardo reflete a mágoa, o cansaço e o desalento. Mas é também o espelho do amor à profissão. Não desiste porque a escola é a sua paixão. “Mas já começamos a reservar as nossas forças para dentro das salas de aula. Entregamo-nos de coração e damos o melhor aos nossos alunos”, confessa.

“Tenho colegas em sofrimento a dar aulas, com depressões profundas. E não podem meter baixa, porque o salário já é curto. E em vez de os colocarem com componente não letiva a fazer outros serviços fundamentais nas escolas e para os quais seriam muito válidos, insistem em pô-los diante de turmas com 30 alunos”, acrescenta.

“As salas de professores, hoje em dia, parecem um velório. Os professores estão deprimidos e doentes”, retrata.

Nota 1
Original TVI

Nota 2
Comentário

De alunos a professores todos sentem o mesmo: esta Escola não tem futuro. É um desastre. Podem melhorar o salário dos professores, podem acabar com as vergonhosas quotas de acesso aos patamares superiores da carreira docente, podem acabar com a inexplicável mobilidade, podem acabar com a vexatória avaliação de desempenho geradora de insanáveis conflitos interpares, podem, até, desburocratizar o sistema, mas a Escola não terá futuro enquanto, teimosamente, olharem para os alunos como receptáculos de matéria, consequência de currículos e programas desfasados da vida real, do talento e do sonho de cada um. Como habitualmente é referido, "mais escola não significa melhor escola" e, para que ela constitua, de facto, um espaço de felicidade para os alunos e para os professores no quadro do CONHECIMENTO, ela terá de mudar quer organizacionalmente quer do ponto de vista pedagógico. A VIDA NÃO É CONSTITUÍDA POR "DISCIPLINAS", antes é um todo. Portanto, não faz qualquer sentido mexer nas margens dos graves problemas se não acontecer uma mudança na concepção estrutural da aprendizagem. Leva anos, muitos anos, porém uma coisa parece-me certa: só podemos atingir um objectivo se o definirmos (sempre de forma actualizada) e caminharmos nesse sentido. Tudo o resto será sempre pontual, terá uma natureza política na conquista de simpatias, consequência, também, de uma luta sindical.

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