terça-feira, 24 de outubro de 2017

PRIMEIRO A "AULA", DEPOIS O DEDO NO AR!


Por vezes confronto-me com pessoas e narrativas que me deixam sem saber o que dizer. Ou melhor, sei o que me apetece responder ou equacionar, enquadrando devidamente o problema, mas prefiro nelas ficar a pensar. Foi este o caso. Um encarregado de educação foi chamado à escola. Razão substantiva: o facto da muito jovem aluna, sistematicamente, colocar o braço levantado para colocar perguntas. Isso, deduzo, perturbava a "aula", gerava transtorno, sendo perturbador, até, da disciplina. Há matéria para debitar e os meninos(as), devem estar atentos, virados para a frente e calados. A criança em causa não é mal educada, é cordial, muito simpática, muito capaz e o seu "crime" é querer saber mais. Tão somente isto! E vem o secretário da Educação, no dia que eu soube da história desta criança, dizer que "(...) a escola tem que formar, e formar é criar condições para que as nossas crianças e os nossos jovens possam sonhar (...)". Como é possível, pergunto, sonhar, quando, logo na idade das perguntas e não das respostas, o sistema que ele próprio corporiza coarcta essa capacidade?


Eu percebo o processo que está por detrás de tudo isto: a rigidez curricular e os programas que determinam, seja lá como for, aprendam ou não, que têm de ser cumpridos e "dados"; os professores que têm sobre a sua cabeça a ridícula avaliação de desempenho do seu trabalho, de carácter classificativo e não formativo; a mentalidade ainda existente onde o professor(a) não é um "jogador", incentivador e moderador das situações de aprendizagem, antes um repetidor do manual que visa o teste de avaliação de conhecimentos, traduzida, depois, em níveis ou notas; as regras definidas pelo departamento, pelo conselho de turma e pelo conselho pedagógico e a norma vinda da hierarquia; a desajustada Inspecção Regional de Educação que interfere (ilegitimamente, repito, ilegitimamente) na "qualidade pedagógica e organizacional dos estabelecimentos de educação e ensino", enfim, tudo isto e muito mais determina a existência de professores em permanente clausura de pensamento. Mesmo que queiram mudar alguma coisa, não podem. Vão tentando! O que me leva a dizer que neste sistema, o professor é o centro da política educativa e não as crianças. Daí, o velho conceito de "aula".
É óbvio que não existe uma Universidade ou uma qualquer Escola Superior de Educação que transmita aos futuros professores a necessidade do comportamento docente que aqui narrei. Qualquer escola de formação está muito à frente das infelizes práticas dos decisores políticos. E isto acontece porque é mais fácil ser centralizador e padronizador do que libertador. E paradoxo está aqui: o secretário da Educação fala de uma Escola, a actual, onde os alunos "possam encontrar o seu projecto de vida", porém, os resultados estão aos olhos de todos, concretamente, nas taxas de insucesso, de abandono e na baixa qualidade profissional. E se os dados envergonham a própria Autonomia como se pode falar de projecto de vida? Puro engano. No meio disto há uma onda de "meritocracia" que varre os verdadeiros problemas para debaixo do tapete dos confortáveis gabinetes.
Ilustração: Google Imagens.

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