sexta-feira, 28 de abril de 2023

A pressa que descamba na queima de etapas

 

Por outras razões já aqui trouxe o nome de Peter Drucker. Estávamos nos finais dos anos 80 quando li um seu livro que, a páginas tantas, falava que a década seguinte seria a da "cultura da pressa e do nanosegundo". Articulado que esta sua posição, um outro guru da gestão, Tom Peters, enalteceu que doravante só teríamos dois tipos de gestores: "os rápidos e os mortos". Certo é que a aceleração em todos os sectores foi tal que, aos poucos, veio influenciar a instituição Escola e as correspondentes etapas da aprendizagem. A Escola foi, claramente, contaminada o que fez esquecer que o ser humano é o animal que mais longa infância tem. Por algum motivo será!



Eu diria que trouxeram para dentro da escola as taras da sociedade, talvez melhor dizendo, essa cultura da pressa, traduzida na competição, na meritocracia, no diploma, no quadro de honra que é a desonra de muitos outros, nos prémios pecuniários, nas várias avaliações onde radiografam a criança e nas cerimónias das "capas de fim de curso", logo nas primeiras idades. 

Raros são aqueles que olham de forma crítica para a situação que o sistema está a oferecer. Bastaria que os decisores políticos tivessem alguma formação, mesmo que ténue, sobre os estádios do desenvolvimento cognitivo. Bastaria alguma predisposição para a leitura, entre muitos outros, cito-os de cor, Piaget, Vygotsky, Wallon, Claparéde, Alain, Gross, Montessori, Chateau, Freire, Niza, Pacheco, até aos fundamentais livros publicados em Portugal pelo Professor Carlos Neto, Professor Jubilado da Faculdade de Motricidade Humana. Há centenas de autores, talvez milhares, inclusive portugueses, com uma produção científica respeitadora das necessidades da infância. Trago em memória Jean Chateau (1961), autor do livro A Criança e o Jogo que, logo na página 7, enaltece: "(...) o ser mais bem dotado é aquele que mais joga". Ele não escreveu que o ser mais preparado para as etapas futuras da vida é aquele que "aprende" a ler aos três anos! A leitura tem de ser outra. Talvez, com um pouco de estudo, não se cometeriam tantas barbaridades e atropelos.

Tanto assim é que, há dias, no decorrer de um diálogo, escutei: ela tem apenas dois anos, já conta até 20, identifica as letras do abecedário, já começa a somar parcelas e por aí fora! Porventura já ensaia os primeiros acordes no piano ou na guitarra, imaginei. Creiam que fiquei apavorado com esta cultura da pressa, com o desejo de tornar a infância numa quase obrigatoriedade de saber as ditas "coisas da escola"! E todos ficam contentes, de pais a avós, pela antecipação precoce das etapas. Esta forma de estar e de entender a infância generalizou-se nas famílias, sobretudo nas economicamente mais favorecidas ou estáveis, que corresponde a uma ânsia de queimar as etapas do crescimento e do desenvolvimento. Eu diria que, hoje, as primeiras etapas da infância estão a tornar-se num perigoso "castigo". 

Nem os decisores políticos nem os pais e avós sabem que "(...) há uma correlação muito forte entre as crianças que brincaram muito e adultos empreendedores e felizes", sublinhou o Professor Carlos Neto, para quem "o acto de brincar não é uma coisa menos importante, pelo contrário, deve ser assumido como primordial no desenvolvimento saudável de qualquer criança e de futuro adulto. De uma forma frontal, em 2015, ele chamou à atenção que "(...) estamos a criar crianças totós, de uma imaturidade inacreditável", pelo que o seu livro "Libertem as crianças" constitui uma espécie de "grito de alerta para os pais e educadores".

Mais do que saber o abecedário ou de contar até 20, importante é olhar para a iliteracia motora, porque há muito que "o corpo está esquecido na escola", enalteceu Carlos Neto. Há um estudo elaborado por Carol Kolyniak que situa bem este problema: "(...) a prática observada na grande maioria dos estabelecimentos escolares evidencia a centralização das intervenções pedagógicas na construção de abstrações conceptuais, especialmente no que se refere à língua escrita, ao raciocínio lógico-matemático e às ciências exatas, naturais e humanas. Tais práticas vêm recorrendo, quase que exclusivamente, ao trabalho em sala de aula, em situações de relativa imobilidade, exigindo dos alunos quietude e concentração, desde os primeiros anos da escolarização. A progressiva universalização da educação básica vem evidenciando as insuficiências da metodologia de ensino que recorre, quase que exclusivamente, à atividade mental, mantendo os alunos em relativa imobilidade. Tais insuficiências revelam-se nas inúmeras dificuldades de aprendizagem apresentadas por muitos estudantes, que têm redundado em abandono da escola ou, mais recentemente, na conclusão da educação básica sem apropriação de conhecimentos básicos, como a leitura, a escrita e o cálculo aritmético (...)".

E o problema, dramático, é que todos os actuais ciclos de estudo enfermam desta "doença" assente no pensamento curricular e programático. Predomina essa cultura da pressa, a falsa aprendizagem, a ilusão de uma consistente preparação para o futuro, consequentemente a pressão exercida sobre os educadores, os professores, as extensas folhas com dezenas de itens avaliadores e a imposição de relatórios que não servem para nada. Queixam-se, depois, ainda na etapa básica, que muitas crianças, sejam catalogadas de hiperactivas e portadoras de défice de atenção. Pudera, porque aquilo que lhes é exigido é a antítese da natureza das primeiras idades.

Seria bom que não nos esquecêssemos que a educação não é para ontem é para amanhã. Pressa para quê? Respeitem a cadência do tempo.

Ilustração: Google Imagens.

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