sábado, 25 de novembro de 2017

ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO


Se há algo que ainda hoje não percebi, esse algo é o ódio de estimação que a opinião pública nutre pelos professores. É um sentimento quase irracional que redunda na diabolização destes profissionais e que se revela, sem pejo, sempre que eles são notícia, seja por este, seja por aquele, seja por qualquer motivo. Tudo vale para que, em uníssono, a sociedade lance as mais imaginativas imprecações contra os docentes como se estes fossem a real encarnação do mal.


É claro que a reação é ainda mais veemente quando, sobre a mesa, está a demanda de direitos como aconteceu há uma semana. Aí é o deus nos acuda! A população, qual donzela ofendida, indigna-se a viva voz como se assistisse a uma inaudita ousadia por parte de quem, supostamente, já tem muito a agradecer pela simples razão de existir e de ter trabalho. Para comprová-lo, aliás, é só se demorar nas “análises” de alguns comentadores e/ou jornalistas que, usufruindo de jeitosas retribuições para glosar o lugar comum, logo se aprontam a fazer contas sobre o impacto das reivindicações docentes no erário. Ou, para quem preferir um exercício menos intelectual, basta perder algum tempo nos comentários de autoria duvidosa que acompanham as notícias online sobre os professores. Quer uns, quer outros, deixam transparecer, claramente, a bílis comunitária a fervilhar, destilando raiva contra esses malandros que têm férias três vezes ao ano.
Nem os maiores escândalos políticos ou financeiros nem a diferença salarial de género nem mesmo o delírio patológico de Sócrates conseguem mobilizar tanta antipatia como os professores. Eles são o alvo a abater. Porque ganham mais do que merecem. Porque são uns mandriões. Porque só trabalham meio dia. Porque querem progredir na carreira automaticamente. Porque não se fazem respeitar. Porque se armam em espertos. Porque são uns tiranos. Porque não sabem ensinar... Porque não sabem nada... Porque... Porque... Porque...
Como se não bastasse tanta energia negativa do lado de lá, do lado de cá, o do sistema educativo, a situação não é melhor. Bem pelo contrário. Quem faz a lei, com efeito, vai paulatinamente transformando os professores num espécime estranho, cuja última função é a de abrir caminhos para mentes mais ou menos brilhantes. Antes de chegar à sala de aula, o professor, na verdade, perde-se em meandros de burocracia absurda; em telefonemas a encarregados de educação que fazem da escola um mero armazém dos seus educandos; em contactos sistemáticos com psicólogos, assistentes sociais e até agentes policiais; em insultos, ameaças e humilhações de discentes que, conhecendo as sinuosidades do sistema, o ludibriam descaradamente; e ainda em muitas outras coisas mais que, por decoro e amplitude, não caberiam numa prosa deste tipo.
E, mesmo assim, para muitos, os professores não valem o chão que pisam. E, mesmo assim, para os professores, a docência ainda continua a valer a pena. Mesmo que, cada vez mais, entrar numa sala de aula seja um verdadeiro desafio, não intelectual, mas, sobretudo, de resiliência, porque, diante de cada docente, há uma geração hipersensível a qualquer observação sobre o seu comportamento e que exige um tratamento de igual para igual. Uma geração que cresceu ouvindo à mesa os pais dizer que os professores são uns pacóvios ao serviço de um sistema pleno de direitos mas sem deveres para quem está na escolaridade obrigatória. Uma geração que, paradoxalmente, brinca com a tecnologia mas desdenha o saber, sem mediano termo entre o direito de afirmação e o dever do respeito.
Por isso, não deixa de ser irónica a impopularidade da classe docente. É que, se é verdade que a mão que embala o berço é a mão que governa o mundo, também é um facto que, quando essa mão falha, é a dos professores que pode salvar esse mesmo mundo. Quem ainda não o percebeu, precisa de voltar aos bancos da escola. Não para rever teorias, mas para aprender a lição de que a humildade é a fonte de toda a sabedoria. Eu, jornalista, professora, encarregada de educação e, sobretudo, mãe, já a aprendi.

NOTA
Artigo de opinião, da autoria da Drª Eker Sommer, publicado na edição de hoje do DN-Madeira, e aqui reproduzido com a devida vénia.

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