sábado, 1 de abril de 2023

O grande teste ao fim dos exames nacionais em papel


Mais de 500 mil provas de aferição no 2º, 5º e 8º anos serão feitas este ano em suporte digital. Em 2025 serão todos os exames nacionais


TEXTO 
ISABEL LEIRIA 
ILUSTRAÇÃO HELDER OLIVEIRA
Expresso



O primeiro grande teste acontece às 10h de 24 de maio, quando metade dos alunos do 8º ano (cerca de 45 mil) se sentarem em frente ao computador, inserirem as suas credenciais e começarem a realizar as primeiras provas nacionais em formato digital. Uma hora depois, os restantes 45 mil estudantes deste nível serão chamados a fazer o mesmo.

Se fosse como nos anos anteriores, todos deveriam começar a realizar a prova de aferição, neste caso de Ciências Naturais e Físico-Química, à mesma hora e com os enunciados em papel pousados na secretária, de costas para cima, até à indicação para serem virados. Mas a estreia do processo de “desmaterialização” das provas obriga a precauções redobradas. E se tudo correr como planeado, em 2025 já não haverá provas nacionais a realizarem-se em papel, o que colocará Portugal numa situação singular na Europa.

Neste primeiro teste, é preciso garantir que cada aluno tem um computador à sua disposição e que o acesso à prova não falha. A meio deste mês, depois de ouvidos os receios dos diretores, o Ministério da Educação decidiu que as provas de aferição deste ano se iam realizar em dois turnos, evitando uma grande concentração de alunos ligados à mesma hora e diminuindo o stresse para as escolas.

“O grande desafio deste ano é escalar o teste-piloto que fizemos em 2022, com cerca de 6 mil alunos, para 90 mil ao mesmo tempo. Estávamos preparados para isso. Mas como há escolas que podem ter dificuldade de disponibilidade de equipamentos e é a primeira vez, não quisemos correr riscos. Os turnos serão consecutivos e os alunos não se vão cruzar”, explica Luís Santos, presidente do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), organismo responsável pela realização das provas nacionais.


E para evitar que problemas na ligação à internet ponham em causa a realização dos testes, as escolas poderão optar por fazê-las em modo online — o que implica ter uma boa banda larga — ou offline, usando a rede da escola e a ligação a um servidor local ou ainda descarregando para cada PC a prova. O programa está desenhado de forma a bloquear o acesso a outras páginas ou aplicações enquanto os alunos fazem a prova.

Outra interrogação associada a este processo tem a ver com o desempenho dos alunos do 2º ano, com 7 e 8 anos, e que vão ter de responder digitando as palavras no computador. Durante a experiência-piloto não foram reportadas dificuldades pelas escolas, mas a amostra era reduzida e não permite antecipar conclusões, reconhece Luís Santos.

Além dos alunos do ensino básico que realizarão um total de cerca de 500 mil provas de aferição no computador (com exceção de Educação Física e Educação Artística), este ano será também a vez de uma amostra de alunos do 9º testarem a transição dos exames nacionais de Matemática e Português. A ideia é generalizar o processo neste nível de ensino em 2024, ano em que se inicia o piloto para os exames do secundário. Mas aqui, a experiência terá de ser feita noutros moldes, dado o peso decisivo que têm para a entrada no Ensino Superior. Ao contrário das provas de aferição, que não contam para nota.

“No caso do Secundário, não podemos pôr parte dos alunos a fazer os exames em suporte eletrónico e outros em papel, porque isso podia levantar questões de equidade. O que vamos fazer é escolher duas ou três disciplinas, nem com muitos estudantes inscritos, nem com poucos. Será um teste-piloto abrangendo algumas provas, mas em que todos os alunos farão no computador”, antecipa Luís Santos.

TESTAR E EXPERIMENTAR

Ter todos os exames nacionais feitos em suporte digital pode parecer estranho num país onde são conhecidas as fragilidades das escolas em equipamento informático e acesso à Internet, mas os €559 milhões do PRR alocados ao programa “Escola Digital” garantem uma nova vaga de investimentos. Logo à partida, permitiram a distribuição de um milhão de computadores pelos alunos de todas as escolas públicas do continente.

O problema é que um número considerável de famílias rejeitou a entrega de portáteis, algumas por já os terem, outras por não quererem assumir a responsabilidade de pagar por eventuais estragos no equipamento. Segundo a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, no final de 2022 estavam por entregar 30% dos computadores. No dia das provas, os alunos poderão levar o seu próprio PC e a escola terá de garantir que há equipamentos para quem não os tem, explica o presidente do IAVE.

O sucesso da operação depende de planeamento e testagem. “É importante que as escolas testem procedimentos e que ponham os miúdos a fazer os exercícios no computador, para que não seja tudo novo no dia da prova”, recomenda Luís Santos. No site do IAVE é possível ter acesso e realizar exercícios de disciplinas que serão este ano testadas em provas de aferição (Português, Matemática e Estudo do Meio no 2º ano; Português e História e Geografia no 5º; Matemática e Ciências Naturais e Físico-Química no 8º).

POUPAR TONELADAS DE PAPEL

Há várias vantagens em trocar a avaliação em papel por provas em suporte digital, identifica o presidente do IAVE. Por exemplo, em termos de sustentabilidade: “A pegada de carbono associada não é despicienda. São toneladas de papel, milhares de sacos de plástico, deslocações dos carros das forças de segurança que fazem o transporte dos exames até às escolas”, naquela que é a maior operação policial realizada no país.

Se se somar todos os testes nacionais feitos num ano letivo, o número aproxima-se de um milhão, entre provas de aferição e exames do 9º e do Secundário. E cada enunciado tem várias folhas de papel. “Só com a impressão e distribuição gastamos mais de €1,5 milhões por ano”, conta Luís Santos.

O responsável identifica ainda vantagens relativa à correção das provas: além de ser automática no caso das perguntas de seleção (de escola múltipla, por exemplo), os professores classificadores vão deixar de corrigir provas inteiras, para passarem a olhar para grupos específicos de itens, o que fará diminuir a subjetividade na aplicação dos critérios entre corretores. E há ainda potencialidades associadas ao recurso ao digital, já que podem ser usados gráficos interativos, vídeos e simulações.

Outra questão que se coloca com a digitalização das provas é a de saber se acentuará a tendência para reforçar os chamados itens de seleção, ou seja, perguntas dicotómicas em que o aluno ou acerta ou não (perguntas de escolha múltipla ou preenchimento de espaços em brancos com respostas sugeridas, por exemplo). O diretor do IAVE garante que tal não irá acontecer e que o modelo de prova se vai manter. Mas a tendência já vem de trás.

No caso de História, por exemplo, foi a partir de 2014 que surgiram as primeiras perguntas de escolha múltipla nos exames do Secundário. E de então para cá, cresceram em número e em peso relativo, com perguntas de seleção a valerem quase tanto como as que exigem uma construção mais complexa, lamenta Elisabete Jesus, professora de História, que vê nesta opção um caminho no sentido de um “facilitismo” que não devia existir neste nível de ensino. “Até porque a capacidade de raciocinar e elaborar um texto escrito é algo que lhes vai ser pedido no Superior”, justifica.

Para o presidente do IAVE, o importante é garantir a diversidade de itens, ter provas equilibradas para “todo o tipo de alunos” e desfazer o “mito de que não é possível avaliar competências complexas através de perguntas de seleção”.

Sem comentários:

Enviar um comentário