quarta-feira, 19 de abril de 2023

"O melhor ensino de Portugal é aqui"

 

A frase foi dita ontem pelo Senhor presidente do governo regional da Madeira, no decorrer de uma visita a uma denominada "sala do futuro", no âmbito, li, da criação de "ambientes inovadores de aprendizagem". "O melhor ensino de Portugal é aqui", disse, no ensino em geral, nas artes e no desporto. Fiquei estarrecido face à sua continuada preocupação pela "inteligência artificial"! Fez-me lembrar o saudoso Jornalista Carlos Pinhão (A Bola) na sua página de corrosivo humor e que eu trago sempre em memória.



Na altura do Professor Carlos Queirós, quando Portugal ganhou vários títulos no futebol jovem, escreveu mais ou menos isto: "(…) somos os melhores do mundo em sub-20, os melhores da Europa em sub-18 (…) somos os melhores em subdesenvolvimento".

Pois, há governantes que têm uma tendência para ver uma fotografia 10x15 em 18x24. Pessoalmente tento ver a realidade despida de sentidos político-partidários. Porque com a Educação não se brinca! E eu que sou, visceralmente, contra os "ranking's" na educação, porque só se pode comparar o que é comparável, para este efeito, enquanto mero indicador, podia o Senhor presidente passar os olhos pelos "ranking´s" nacionais para verificar, de uma maneira geral, a posição que os estabelecimentos da Madeira ocupam. Com toda a certeza que não diria o que afirmou.

Mas quanto às declarações eu percebo-as no quadro da propaganda política. Mas isso não deixa de incomodar e de revelar desconhecimento do que deve ser uma política educativa de qualidade e portadora de futuro. A que vivemos prova-se, através de muitos indicadores, que não é. E quanto à tecnologia torna-se necessário repensar todo o processo ao invés de embarcar em modas ou ideias sem a devida sustentabilidade científica. É óbvio que a tecnologia tem de estar presente, não a podemos ignorar, o problema é saber como, quando e porquê utilizá-la. 


Michel Desmurget escreveu A Fábrica de Cretinos Digitais. Entretanto, li um oportuno artigo assinado por António Carlos Cortez, professor, poeta e crítico literário, que transcreve uma parte interessante do livro de Michel Desmurget. Escreve o ensaísta francês, Prémio Femina de Ensaio em 2020: 

"Aos 2 anos as crianças dos países ocidentais consagram todos os dias quase 3 horas ao ecrã. Entre os 8 e os 12 anos, esse tempo aumenta para cerca de 4h e 45 min; entre os 13 e os 18, a exposição é, em média, de 6 h e 45 min. Em termos anuais são cerca de 1000 horas para um aluno do 1.º ciclo; e 1700 para um aluno do 2.º ciclo. Para alunos do 3.º ciclo e Secundário, falamos de 2400 horas anuais, o equivalente a um ano e meio de trabalho a tempo inteiro." Não é suficiente para alterar o plano de transformar as escolas em centros de informática? Não é suficientemente grave? Então há mais: Desmurget confirma (com recurso a gráficos, mapas neuronais, estatísticas) os males que o digital inflige a toda uma nova geração de adictos (drogados) dos ecrãs: os smartphones, os tablets, a televisão, os computadores contribuem para a obesidade, o aumento de doenças cardiovasculares; potencia a agressividade (experimentem proibir o uso do telemóvel a crianças e adolescentes... a reação será sintomática do grau de adição), perturba o regime do sono, promove, ao nível do comportamento, a depressão e a ansiedade, e, cognitivamente, afeta a linguagem (que empobrece), a concentração (6 minutos é o tempo de leitura dos estudantes, hoje), a memorização (o ChatGPT virá cavar mais fundo ainda o buraco negro da memória onde todas as aprendizagens - as poucas dignas desse nome - se afundam e perdem). Não, o digital não é a solução. A solução é o regresso ao livro e à cultura!"

"(...) Escreve Michel Desmurget: "Quanto mais "inteligentes" se tornam as aplicações, mais substituem o nosso pensamento e mais nos permitem tornarmo-nos idiotas. "Para quem ainda insista em defender o digital no ensino, vale esta nota: a própria Microsoft explica que a capacidade de atenção dos seres humanos tem vindo a regredir e a deteriorar-se nos últimos 15 anos. Atingiu-se um valor histórico: a nossa atenção é hoje inferior à do peixe-dourado. Tal se deve às tecnologias digitais, comprova-o, neste livro urgente, o neurocientista."

Em função deste enquadramento, sensato seria debater, jogando para cima da mesa de diálogo, todas as dúvidas, de tal forma que não se tome por único e imprescindível caminho aquilo que as consequências estão a demonstrar. Repito: não podemos ignorar a tecnologia, ela está aí, é fundamental na aprendizagem, a questão é determinar como utilizá-la. Não é por acaso que, nos Estados Unidos, a política dos manuais digitais está a ser abandonada. Explicou o Professor Santana Castilho na sua recente passagem pela Região: "Estudos feitos por centros de investigação e cientistas da neurociência concluíram que o desenvolvimento cognitivo dos jovens que tiveram um grande mergulho nas tecnologias digitais aos 11 anos está similar àquele que há 30 anos as crianças tinham com 8/9 anos de idade" (...) Existem várias razões que, alegadamente, demonstram os efeitos nocivos da adoção desta medida. Uma delas é a situação dos Estados Unidos da América, onde "a experiência dos manuais digitais começou há 8 anos" – e, desde então, tem sido abandonada sistematicamente". Porquê? "Porque o custo relativamente aos manuais em papel disparou, é cinco vezes mais caro. E porque as doenças oftalmológicas aumentaram em 30%", frisou o professor.

Ilustração: Google Imagens

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