segunda-feira, 3 de abril de 2023

Os jovens gritam... os adultos assobiam para o lado!


Julgo ser este o principal destaque do dia na edição de hoje do Dnotícias. Um jovem, o André Barreto, de dezasseis anos, presidente da Associação de Estudantes da Escola Básica e Secundária de Machico, assumiu:

"(...) O principal problema é de saúde mental. A cada dia que passa vemos muitas dificuldades em lidar com as pressões diárias (...) vemos muitos casos de sofrimento psicológico nos corredores, associados à pressão causada pelos testes e exames. Todas as semanas há casos de estudantes que recorrem ao centro de saúde por causa de uma crise de ansiedade ou de um ataque de pânico (...) acho que o principal problema da juventude, neste momento, é a crise de saúde mental (...)"



O jovem gritou perante adultos que continuam, de forma cega, a assobiar para o lado. Adultos que são políticos, professores, pais e avós que, genericamente, resumem aquele drama vivido nos corredores, a uma questão de haver mais ou menos psicólogos. Na escola do André, em vez de um, podiam trabalhar dois, cinco, dez ou vinte psicólogos e o problema, porém, permanecerá. Porque a questão é estrutural, é de pensamento sobre o que deve ser a Escola. Porque não se pode tratar com pensos rápidos feridas profundas e infectadas. O sistema educativo, meu Caro André, gangrenou.

A ferida é organizacional, é curricular, é programática e é pedagógica. Os adultos julgam que a escola está pensada em função das necessidades de formação dos alunos (e da sociedade) mas, infelizmente, não está; os adultos consideram que mais escola (currículos e programas extensos) significa melhor escola, e quanto errados estão; os adultos assumiram que se deve segmentar a aprendizagem por disciplinas, quando tudo na vida está integrado e pertence a um todo; os adultos geraram uma ideia obsessiva pela avaliação, quando a aprendizagem é muito mais, repito, muito mais, do que responder a qualquer coisa num folha de teste ou exame, tendencialmente, como está no manual; os adultos meteram na cabeça a necessidade de seriar, em folhas de Exel, como se isso fosse possível, as vocações, os sonhos e os talentos que cada um transporta. Por uma décima pode um aluno estar no quadro do seu sonho como pode enfrentar aquilo que, decididamente, não deseja para a sua vida. Toda a avaliação comporta um elevadíssimo grau de subjectividade. 


Talvez, por isso, os adultos prefiram continuar a designar as escolas por estabelecimentos de ensino e não de aprendizagem. Um estabelecimento de aprendizagem vive o aluno e fá-lo crescer em todas as dimensões da vida e onde tudo pode ser aprendido, desde os assuntos mais comezinhos aos de enorme complexidade; um estabelecimento de ensino, grosso modo, preocupa-se com uma pressuposta transmissão de conteúdos, os quais, genericamente, em 30 dias, 90% são esquecidos.

Ora, neste contexto, a escola alegria e prazer pelo conhecimento, a escola do integral respeito pelo sonho, está a dar lugar à escola do sofrimento, da angústia, enfim, da doença. Não apenas para os alunos, mas também para os professores: 70% estão em exaustão emocional, 22 000 confessam que tomam medicação a mais e 84% desejam reformar-se antecipadamente. E surgem assim os desencantos com a vida, os comportamentos inadequados e as desistências entre tantas situações muito graves geradoras de infelicidade. Aliás, várias têm sido as intervenções da OMS sobre a saúde mental dos jovens.

E no meio disto, o sistema, que assobia para o lado, baba-se com os resultados ditos fantásticos, atribui prémios de mérito e ignora os milhares que ficam pelo caminho, porque lhes roubaram o sonho: 20 é uma coisa e 19,8 é outra! Como eu te entendo André Barreto. Tu que desejas ser licenciado em Medicina ou em Direito, tocaste no problema que aqueles que têm três ou quatro vezes a tua idade não conseguem ver ou não querem ver. André, só mais esta mensagem: enquanto estudante, não permitas que as taras da sociedade entrem na tua escola, tampouco que outros determinem o teu futuro. Obrigado pela tua consciência. Mas não tenhas grandes dúvidas que a tua luta é a solo. Talvez os teus filhos ou netos possam viver uma escola distante dos problemas que denunciaste.

Ilustração: Google Imagens.

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