quarta-feira, 19 de julho de 2023

O estado da Educação

 

Do estado da Região pouco escutei, pois confesso que já perdi a réstia de entusiasmo que mantive durante anos. Ouvir a mesma lengalenga, os mesmos argumentos e respostas enviesadas, quase sempre fora de contexto, perceber que apontam o indicador para a Lua cheia mas que só conseguem ver a ponta do dedo, é situação cansativa e desinspiradora até da necessária participação cívica. De tanto repetirem a mesma tecla e o mesmo som, alguns, mal abrem a boca, com o salamaleque regimental: senhor presidente, senhores membros do governo, senhoras e senhores deputados, percebe-se o que vêm dizer pela enésima vez. Daí que, sinceramente, mudo de canal e remeto-me às sínteses do dia-a-dia de onde extraio as conclusões. Já não tenho pachorra, depois de 47 anos a escutar a mesma faixa de um disco de 45 rotações cheio de "riscos"!



Não sei se falaram do estado da Educação. Tanto me faz. Conheço a realidade, oiço, de quando em vez, os desabafos dos professores, dos alunos e dos empresários e tento na minha vida, quase todos os dias, ler e pensar naquilo que me preocupa: a criação de um novo paradigma de qualidade, integrador e gerador de sucesso e felicidade para todos os que nele estejam envolvidos. Daí que eu entenda que talvez valha a pena ser "megafone" daquilo que outros, muito mais abalizados do que eu, assumem como necessidade. No entanto sublinho, sem uma grande convicção da "água mole em pedra dura", pois o sistema, na sua linha hierárquica centralizadora, por razões múltiplas, prefere manter este "estado das coisas", em que tudo acontece "com a normalidade" da "voz do dono", do que agitar as águas colocando em persistente dúvida o que, estruturalmente, vem desde a I Revolução Industrial!

Mas para tal necessário seria uma elevadíssima dose de conhecimento e de humildade. E o estado da Educação demonstra que aquelas duas palavras de profundo significado não têm lugar. Para muitos, conhecimento significa rotina e a humildade está muito próxima da ignorância altifalante. Abrir-se ao mundo, ser capaz de desafiar o "estado das coisas", questionar se estão ou não num cruzamento sem saber qual a direcção tomar, romper com mentalidades obsoletas, ter pavor de tudo o que é novo e adequado ao tempo que nos coube viver, saber trazer o futuro ao presente antecipando respostas, perceber que este sector precisa de se constituir numa grande mesa de diálogo, de debate, de construção de um novo paradigma, dá trabalho, obviamente que dá muito trabalho. Mas é essa a via que o bom senso aconselha.

Quando os alunos escrevem: "se a escola é a tua casa, foge de casa" e um político com responsabilidades de governo diz "(...) sempre que houver estrada vamos continuar", o que isto significa é que ambos estão e são incompatíveis. Com um pouco de mais atenção o político constataria que esta sua estrada tem um sinal logo no início: "sem saída". E perceberia uma outra coisa que a palavra utopia encerra, tal como referiu a investigadora Doutora Fátima Vieira: "(...) na utopia o que fazemos? Primeiro, definimos a visão: que sociedade quero ter? que escola quero ter? o que quero ser?... Depois de definirmos essa visão, então sim, escolhemos o caminho e tapamos os buracos. Não vale a pena tapar buracos de outros caminhos". É tempo perdido.

Ora bem, tudo isto está nos livros publicados, nas investigações realizadas, nos milhares de documentos académicos de natureza científica, está nas intervenções em seminários, cursos, formações, portanto, questiono, por que raio esta rotina que mata talentos, sonhos e exclui tantos do sistema, permanece por imposição de um modelo que rejeita a inovação, mesmo que parcial, antes afunila e refina tudo quanto é obsoleto. É espantosa esta dicotomia. Preferem manter um sistema gordo, de narrativa sem substância, anafado nas prebendas, como se o mundo girasse em torno do umbigo, quando o que precisamos não é de fazer da educação um espectáculo mediático, desde os "prémios de mérito" às palavras sem o sentido portador de futuro.

A Educação dispensa tudo isso, mas não dispensa o verdadeiro CONHECIMENTO. A Educação dispensa o folclore feito em redor de uns quantos que se distinguem neste sistema, mas não dispensa o olhar atento para todos os outros, para a sociedade que desejamos construir. 

José Antonio Caride é Catedrático de Pedagogia Social na Universidade de Santiago de Compostela. Doutorou-se em Filosofia e Ciências da Educação. É autor de 450 publicações entre livros e revistas especializadas em Ciências Sociais e da Educação. Foi distinguido com a Ordem ao Mérito Institucional do Conselho Mundial da Educação. Na extraordinária revista "A Página da Educação", o Professor concedeu uma entrevista absolutamente genial. Não existe ali palavra ou frase que não derrame o sumo do conhecimento e da experiência. A entrevista, conduzida por António Baldaia e Maria João Leite, toda ela, é serena, objectiva, profunda e, por isso, desperta invulgar interesse que conduz o leitor, ao fim de dez páginas, a se questionar, por que acabou? Deixo aqui algumas partes que considero relevantes, onde muito mais fica por transcrever. 


Diz o Professor: "(...) quando muitas vezes dizemos educação não formal, deveríamos dizer educação familiar, comunitária, cidadã, cívica, porque todas as educações, de um jeito ou de outro, são formais. Portanto, há que recuperar o sentido da educação como projecto e trajecto comunitário, o que requer repensar a escola, o seu sentido de instituição ao serviço da sociedade e da comunidade (...) a escola não pode ser só escola e as aprendizagens não podem ser só curriculares, se verdadeiramente estamos convencidos de que a educação deve ser um processo permanente, que se estende ao longo da vida e que todos somos participantes de educar e de educar-nos. (...) O desafio é imenso e as políticas educativas, sociais e culturais devem situar-nos nesse horizonte, não só como utopia, mas como realidade, como projecto que vale a pena construir pedagógica e socialmente (...) no fundo, falamos de uma ética pública e de uma ética cívica: como serviço público a nossa responsabilidade é para com as pessoas que se educam connosco, com as quais e para as quais desenvolvemos o nosso trabalho. Especialmente as que estão em situação de pobreza, de exclusão, de vulnerabilidade, as quais, muitas vezes, o sistema educativo etiquetou como fracassadas e que são abandonadas à sua sorte e aos azares (...)

Nós não nascemos cidadãos, construímo-nos como tal, se verdadeiramente nos situarmos numa ideia de cidadania congruente com tudo o que significam os direitos e os deveres da convivência com os demais, que se movem sempre num quadro de tensões ideológicas, éticas, morais, religiosas, económicas, etc. (...) então há que construir os valores que nos permitam caminhar para uma cidadania inclusiva, democrática, solidária, tolerante, pacífica... palavras que engrandecem a condição humana. (...)

(...) A escola é muito mais do que ser vista apenas como um edifício. É uma arquitectura, obviamente, mas é uma arquitectura social e não só física (...) a escola não é um espaço que só deve estar à disposição de um calendário e de um horário escolar. O que significa, se entendermos que outra escola ou outra educação é possível, que nesse projecto educativo participem outros agentes sociais, além dos educadores e professores, os profissionais de animação sociocultural, da mediação familiar e intercultural, das iniciativas e práticas desportivas e culturais. (...)"

Qual é o estado da Educação na Madeira, pergunto? Muito mau. Eu que sou "anti-ranking's" dou-me, finalmente, com este paradoxo: a exaltação de uns quantos vintes nas pautas de exame e, depois, posições extremamente modestas nos "ranking's" das escolas. Por que será?

Ilustração: Google Imagens.

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