segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Será que alguém estaria à espera de outro resultado?


56% dos estudantes da Universidade da Madeira "acham que o percurso académico não os preparou para o ensino superior" - edição de hoje do Dnotícias, página 3. No ano anterior a percentagem tinha sido de 60,2%.



Este novo estudo da Académica da Universidade da Madeira é muito interessante, pois as percentagens apuradas em muitos domínios permitem importantes reflexões. Fixei-me, apenas, na preparação dos estudantes nos primeiros doze anos. 

Não me foi nada surpreendente. Estimo que, numa análise mais fina e dirigida a todo o universo dos estudantes, aquela percentagem possa ser superior. Certo e sem a minha leitura subjectiva, mais de metade dos alunos são hoje peremptórios relativamente às dificuldades que experimentam na frequência universitária. 

Nada de novo. Quando lá leccionei os meus alunos diziam o mesmo. Buscando as causas, independentemente das variáveis serem muitas, a questão central está, desde logo, na ausência de compaginação entre a formação inicial e a universitária. A propósito, o Henrique, o meu neto mais velho, hoje a finalizar Economia, no dia que terminou o 12º ano, e ao meu pedido: resume-me estes primeiros doze anos de escola. Respondeu-me: "eu servi a escola; a escola não me serviu". Ora bem, a escola fê-lo cumprir currículos, extensos programas, testes de avaliação e exames; possibilitou trabalho aos professores, auxiliares e administrativos, porém, não lhe serviu enquanto lastro e asas preparatórias de abertura ao mundo do conhecimento.


Pensar, ou melhor, exercitar de forma contínua o pensamento, o acto de reflectir, raciocinar, imaginar, conceber, duvidar, comparar e transferir, sendo, desde as primeiras idades, condicionados pelo espartilho curricular e programático, só podia redundar no desajustamento sentido pelos estudantes, quando, no superior, se exigem competências de investigação científica e adequada formação técnica para a vida profissional. No superior "a papinha" não está feita! 

Se a escola dos primeiros doze anos continua a basear-se na segmentação das disciplinas curriculares e não numa visão sistémica; se a escola, infelizmente, continua a ser transmissiva (debitadora), directiva e uniformizadora, seguindo os manuais, não dando espaço ao pensamento; se a escola permanece, obcecadamente, preocupada com a "classificação" e não com a avaliação que possibilita ao aluno e ao professor aprenderem; se a escola prefere a rotina e não consegue sair do conceito de turma, de aula e horário; se a escola secundariza a formação cultural; se a escola escolhe o beco e não a avenida do conhecimento; se a escola não desafia e inspira; se a escola inicial prefere especialistas em exames e não a formação de pensadores; se a escola está apostada em vegetar na bolha que os adultos construíram, parece-me óbvio que os 56% tenderão a crescer, os tais que assumem que não foram preparados para o ensino superior. 


Os primeiros doze anos de aprendizagem (não devia ser de ensino) necessitam de uma reformulação total. Não é coarctando a cooperação, não é impedindo o acto de fazer pensar, não é sujeitando os estudantes aos traços de uma escola do passado que resolveremos os nossos problemas com o futuro. 

Deixo aqui uma passagem do meu livro "A Escola é uma seca", página 58. Tenhamos presente as palavras da Professora Maria de Assis, Promotora de Práticas Colaborativas - Arte, Cultura, Educação:

"(...) Nós só aprendemos o que queremos, porque quero ou porque sou levado por alguém que me inspire. Mas, depois, aprendo por mim mesmo. O conhecimento é uma construção própria. Não é algo que eu fixei e que não sei aplicar em diferentes contextos. Portanto, esta coisa que há um especialista que transmite conhecimento é uma falácia. É fantástico que exista o especialista (...) mas o conhecimento constrói-se por cada um".

Retorno a Merlí:

“(...) Estou fartinho de pessoas que dizem que a Filosofia não serve para nada. Parece que o sistema educativo esqueceu as perguntas: quem somos, de onde vimos e para onde vamos. O que interessa é que empresa criaremos e quanto dinheiro ganharemos. A Filosofia serve para reflectir sobre a vida e sobre o ser humano. E para questionar as coisas. A Filosofia e o poder têm uma tensão sexual não resolvida. A Filosofia é virar do avesso tudo quanto damos por sabido. (...) quero-vos acordados, com as antenas ligadas ao que se passa à vossa volta. Preparados para assumir as contradições e as dúvidas criadas pela vida e para enfrentar as adversidades e aprender com as derrotas (…)”.

Ai se escutassem os alunos, os professores e os qualificados no quadro de uma visão sistémica e de futuro! Desde logo perceberiam o tempo que andam a perder nas caraterísticas deste ensino presencial por ausência de um pensamento estruturante. O que se assiste não é "estudar com autonomia", mas matar a autonomia e o interesse pelo conhecimento.

Tão distantes que estamos dessa Escola portadora de futuro!

Ilustração: Google Imagens

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