terça-feira, 29 de novembro de 2016

A CRIANÇA COMO SUJEITO E NÃO COMO OBJECTO


O Funchal recebeu representantes das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens de todo o país. Uma iniciativa com muito interesse, quando se sabe que muitos dos direitos das crianças são, sistematicamente, postos em causa. O Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio, personalidade por quem nutro muita consideração, não poderia ser mais claro: deve-se ver a criança como "sujeito" e não como "objecto". A criança é um "ser autónomo e completo" (...) verdadeiramente, o  que estávamos era a partir do adulto para a criança. Não tínhamos a noção da cultura dos direitos da criança, que lhes são próprios" (...) "ao protegermos os direitos da criança, a criança resulta protegida (...)". Na peça do DN-M, salienta ainda o jornalista, que Laborinho Lúcio falou "da escola, do direito a brincar, criticando o sistema por apostar em transmitir o máximo de conhecimentos, em vez de, até  ao 9º ano, proporcionar o desenvolvimento das capacidades intelectuais para a vida pública (...)" Uma síntese perfeita, na continuidade do que tantos já sublinharam. Sabe-se que assim é, apenas os governantes não querem mudar.

Este Encontro das Comissões de Protecção, obviamente, que tem um quadro específico, mas o Juiz, com sabedoria, foi muito mais longe, enquadrando-o, também, nos "Direitos da Criança", criança que, hoje, concordo plenamente, não é um "sujeito autónomo e completo" mas um "objecto". É o adulto que impõe o formato organizacional que lhe mata o tempo de ser criança e de crescer com o jogo e com as diversas experiências. Neste blogue e em outras intervenções posicionei-me no mesmo sentido e tenho divulgado posições de vários autores. O que o Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio, não sendo um especialista em política educativa, demonstrou a sensibilidade que tem faltado aos governantes.
O que é a Escola a Tempo Inteiro, por exemplo, senão um retrocesso nos "direitos da criança"? Alguém já se apercebeu dos efeitos futuros de escolarizar tudo ou quase tudo aquilo que deveria ser do domínio do lazer? Será difícil perceber que é a organização social, onde se inscrevem os horários de trabalho, que devem ser motivo de reflexão prioritária? Que da mesma forma que mais escola não significa melhor escola, mais trabalho não significa melhor trabalho e maior produção? Ora, o que o Juiz veio enaltecer é que é um contra-senso "o sistema apostar em transmitir o máximo de conhecimentos, em vez de, até  ao 9º ano, proporcionar o desenvolvimento das capacidades intelectuais (...)". É, portanto, a estrutura do sistema educativo que está em causa e é também o sistema de organização da sociedade que se apresenta claramente contra a criança. Não nos iludamos, na esteira de Chateau, que uma criança a quem lhe negam o tempo para ser criança, roubando-lhe o tempo de jogo  com o qual se estrutura e cresce, acaba por ser uma criança "cuja personalidade não se afirma, que se contenta em ser pequena e fraca, um ser sem coragem, um ser sem futuro". Encher-lhe de tantas actividades, directa ou indirectamente relacionadas com a escola e o currículo, ocupar-lhes o tempo semanal, ia escrever "de trabalho", hoje calculado entre 30 a 50 horas, quando os adultos lutam por um horário inferior a 40 horas, é absolutamente abusivo e um contra-senso relativamente ao que a ciência já demonstrou.
O problema, uma vez mais aqui saliento, é que na sala de congressos do Casino, falaram de assuntos importantes e com óbvios aplausos. Este, o dos "direitos da criança", por exemplo. Porém, amanhã, seguirá tudo igual, com as mesmas rotinas de anos a fio, onde, no máximo, serão capazes de mexer nas margens para que tudo, no âmago do problema, continue como ontem. O número político foi feito, as páginas da comunicação social fizeram eco, a fotografia saiu, as palavras e conceitos também... mas a máquina, cega e surda continuará insensível. Não estarei longe da realidade se, em breve, a carga horária escolar aumentar, dirão os adultos, no superior interesse das crianças! Se o fizerem saberão o crime que estão a cometer?
Ilustração: Google Imagens.

Sem comentários:

Enviar um comentário