quarta-feira, 30 de novembro de 2016

UMA VIAGEM VALE MUITO MAIS QUE NÃO SEI QUANTAS SEMANAS DE AULAS


Ao longo da minha carreira docente confrontei-me com muitas situações que me deixaram entre a perplexidade e a tristeza por não sentir a necessária abertura da escola ao Mundo. Mesmo aqui ao lado, um vídeo, que não chega a um minuto, o pedagogo Rubem Alves, dirigindo-se aos professores e talvez a toda a sociedade, diz: "o professor é aquele que pega nos alunos e diz... "eis o mundo... vejam, vejam, explorem". Nem mais, porque naquele espaço da dita "sala de aula", convenhamos que é muito difícil ver o Mundo, explorando-o em todos os contextos. 

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Ora, dizia eu que fui confrontado com situações que me angustiaram. De forma recorrente trago em memória, entre muitas, duas que são paradigmáticas: um dia, em plena reunião de conselho de turma, ouvi uma colega dizer: "ele que escolha entre o desporto e a escola". Esse aluno do ensino básico, com um nível de avaliação considerado satisfatório, era um praticante de excelência, treinava todos os dias (duas sessões, a primeira das quais às 06:30H) e participava em competições nacionais e internacionais. Lá tive eu, com a maior serenidade possível, romper com aquela visão estrábica. Lembro-me de lhe ter dito, entre um rosário de argumentos, que o desporto é, antes de mais, um bem cultural e que seria bom, enquanto processo de criação cultural, na esteira do Professor Olímpio Bento, "desportivizar a escola e a vida" (...) e que neste aspecto a escola afigurava-se-me determinante (...) "essencialmente porque é futuro". Lembro-me, ainda, de ter chamado à colação Agustina Bessa-Luís sobre o analfabetismo: cito quase de cor "(...) a par dessa chaga que tarda em sarar, temos ainda o analfabetismo inculto, aquele que sabendo ler e escrever, licenciado ou não, ocupa posições de chefia nos governos, nas empresas, no ensino e que não é capaz de produzir valores reclamados pelos cidadãos e que o País tanto precisa". Obviamente que, aqui chegado, o caldo de certa forma se entornou, não sabendo essa colega como desenvencilhar-se do seu posicionamento inicial. O que isto continua a significar é que a escola é vista como uma instituição, ia dizer, uma capela, com reduzida compaginação com todos os outros sistemas. Há, ainda, muitos muros internos e altos muros que a cercam e impedem de ver que há mais mundo e mais educação para além dos manuais e da resposta dita "certa" às perguntas do teste.
Uma outra situação tem a ver com a ausência da frequência escolar, "das aulas" melhor dizendo, quando os pais, durante uns dias, fazem uma pausa para férias. Sabe-se que cada vez é mais difícil a possibilidade dos pais conjugarem as suas férias com os períodos não lectivos. Nem todos podem marcar férias em Agosto, obviamente. Muitas vezes é uma carga de trabalhos para fazer compreender à escola a importância de uma viagem. Entre outros, ficava sobre a mesa, a ausência, a "matéria dada e não escutada" e a sobreposição dos testes de avaliação. Pessoalmente, nunca entendi e não entendo isto, exactamente porque uma viagem pode valer muito mais que não sei quantas semanas de "aula". As catedrais, os museus (de todos os tipos), os monumentos, a arquitectura das cidades, as pessoas, tudo converge para um conhecimento sentido e vivido transversalmente a todas as disciplinas curriculares. O que uma viagem opera nas crianças e jovens, e tudo aquilo que pode, depois, ser explorado e contextualizado na escola, reveste-se de uma importância vital  na formação. Só que, uma vez mais, sistema tem dificuldade em integrar como um valor acrescentado. O próprio sistema, muitas vezes é anti-cultura e anti-escola, preferindo a tal resposta "certa" de acordo com as páginas do manual. Também aqui tive os meus confrontos. É a vida. 
Ilustração: Arquivo próprio.

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