terça-feira, 8 de janeiro de 2019

O que andam a fazer às crianças!


Gonçalo lembra. "As carrinhas da escola saem de Cascais às 7:00. Quer dizer que os miúdos tomam o pequeno-almoço antes disso e só vão almoçar às 16h00. É muito tempo sem uma refeição completa. Nem um adulto deve fazer isto.” Fonte: Observador. É assim no Instituto Espanhol Giner de Los Rios, em Algés (Oeiras). Esta escola, autorizada a funcionar em Portugal, tem jornada contínua. Como se se tratasse de um emprego, embora, mesmo entre adultos, existam regras laborais.

Os pais reclamaram e o director assumiu: “Este horário não é definitivo, é experimental”. Do meu ponto de vista, com esta resposta, confirmou que não reúne as condições, sobretudo de conhecimento, para orientar um estabelecimento de aprendizagem. Então, a este senhor não lhe passou pela cabecinha que um horário contínuo daquela natureza, com dois intervalos de 15 minutos, constitui, logo à partida, uma violência, a todos os níveis, a crianças e jovens? E adiantou: "(...) Estávamos a tentar encontrar uma solução intermédia, temos mais de mil alunos e nunca vai ser possível encontrar uma solução que agrade a todos (...)". Digo eu, se não conseguem, diminuam o número de alunos e deixem de lado a educação como um mercado. As crianças é que não podem ser vítimas da ganância!
Assumiu um dos pais: “As crianças não são todas iguais e, para o meu filho, um horário destes é uma forma de ele deixar de gostar da escola. (...) O mais pequeno chega a casa a dormir porque está estourado com os novos horários, o mais velho almoça às 16h30 e depois não quer jantar".
Quanto às autoridades portuguesas, dizem que não têm competência para intervir. Ora bem, uma coisa é o instituto ser espanhol e estar autorizado a funcionar em Portugal; outra, são as regras existentes em Portugal. Parece-me óbvio que quem aqui se instala terá de as cumprir.
Por todo o lado, andam a destruir a infância sob a capa da aquisição de um falso conhecimento. Trago aqui o pensamento do Dr. Eduardo Sá, Psicólogo Clínico, que salientou em uma entrevista publicada na Revista Focus: 

"As crianças estão em vias de extinção (...) cada vez mais as crianças estão a passar por um conjunto de situações que não são muito razoáveis (...) Cada vez mais as crianças não são crianças. As crianças têm hoje uma relação com o brincar que é cada vez mais uma relação de fim-de-semana e brincar é uma actividade muito séria para que seja feita apenas ao fim-de-semana. Passam cada vez mais horas na escola, o que não é adequado... aquilo que me preocupa é que mais escola, sobretudo como ela está a ser vivida, signifique menos infância e quanto menos infância, mais nos arriscamos a construir pessoas magoadas com a vida. Quanto mais longa e mais rica for a infância mais saudável será a adultez (...) os pais estão muito enganados ao pensarem que mais escola significa mais educação (...) neste momento, a infância começa a ser perigosamente a escola e, de repente, há toda uma vertente tecnocrática como se o que estivesse em primeiro lugar fosse toda a formação e depois viver a vida. Isto é um absurdo".

É a não observância destes aspectos que se torna preocupante. O facto que aqui me traz, o do Instituto Espanhol, não é caso isolado. Em 10 de Outubro de 2010, a jornalista Patrícia Gaspar apresentou uma peça no DN-Madeira com um título muito significativo: "Bebés que saem à noite" (...) A primeira creche com horário nocturno abriu há um ano", pois encerra às 23 horas! 
Escrevi o texto que se segue a 29 de Julho de 2014, na sequência de uma peça publicada no JN (Jornal de Notícias), onde destaquei, pela negativa, como "figura do dia", o Professor Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Gaia. Motivo: "São 120 escolas que a partir de Setembro estarão abertas das 07:30 às 19:30. Uma ajuda aos pais que não têm onde deixar os filhos ou não têm dinheiro para pagar um ATL. Uma iniciativa da Câmara de Gaia que não se limita a manter as portas abertas. Oferece reforço alimentar e actividades extra-curriculares". Doze horas por dia. O mais interessante é que este presidente de Câmara é Professor, doutorado em Sociologia e considera a Educação "uma prioridade". Certamente que tem quem vá buscar os filhos (se os tem) para almoçar e lanchar, evitando o pesadelo de doze horas diárias na "prisão escola".
De facto, o país (e não só) precisa de gente que defenda uma nova ordem organizacional da sociedade. No mínimo, que respeite a "Declaração Universal dos Direitos da Criança" (ONU - 1959). 
Ilustração: Google Imagens.

NOTA

"Na prática, o instituto é uma escola pública espanhola que tem autorização para lecionar em Portugal, à semelhança do que acontece com escolas portuguesas no estrangeiro. Para cidadãos espanhóis funciona como uma escola do Estado, para famílias de outras nacionalidade como uma escola particular com pagamento de propinas. O currículo seguido é o espanhol, ao qual se acrescenta a disciplina de Língua Portuguesa"". Fonte: Observador.

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